tag:blogger.com,1999:blog-23494949364577579252024-02-19T03:21:11.519+01:00Na rua da grande cidadeZerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.comBlogger278125tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-57896834193071420722016-04-05T12:27:00.002+02:002016-04-05T12:37:03.505+02:00O alfaiate do Panamá<br />
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWWhW1_i6iVBjmEbyS9MPocKRwtMXxUEAviAzYNp-48nSXJ_mMRx3QsdcWj2jvBsJLXZLqrbftkeyq8Er3IQlGYim7bP11n0Ogf0KSw7s9QF8487nsThSgt07pfiE8uBEV7nG0eL0aXdp9/s1600/pan.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhWWhW1_i6iVBjmEbyS9MPocKRwtMXxUEAviAzYNp-48nSXJ_mMRx3QsdcWj2jvBsJLXZLqrbftkeyq8Er3IQlGYim7bP11n0Ogf0KSw7s9QF8487nsThSgt07pfiE8uBEV7nG0eL0aXdp9/s320/pan.jpg" width="213" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">"O alfaiate do Panamá" é um produto bem feito,
falemos do livro de John Le Carré ou do filme. No filme, que inclui um Pierce
Brosnan a gozar com agentes secretos (ele que era à época o 007 de serviço),
Geoffrey Rush interpreta um alfaiate que para melhor esconder os seus segredos
tenta passar despercebido - mas cujas ganância e estupidez acabam por quase
provocar uma guerra.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O alfaiate é uma metáfora do Panamá, um pequeno país
aparentemente inofensivo (como um Luxemburgo da América Central, digamos) onde
na verdade se esconde uma impressionante quantidade de dinheiro sujo – não
gerado no local, evidentemente. São milhões de milhões que se escondem das
administrações tributárias, das polícias, e das populações oprimidas de regimes
tão opressivos como altamente lucrativos para os opressores. Escondem-se da
decência, da ética e da vergonha.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">As revelações deste domingo – os “documentos do Panamá” –
são brutais, pela sua crueza, pela sua dimensão, mas sobretudo pelo que
significam: uma gangrena. E o organismo gangrenado é todo o nosso modo de
organização de sociedade, que (à falta de melhor descrição) englobarei dentro
da descrição genérica “sistema capitalista”, cujos alicerces estão putrefactos.
São 11 milhões e meio de nomes envolvidos, numa só empresa, num só paraíso
fiscal. Uma empresa fundada pelo filho de um foragido da Alemanha nazi que é
apenas a quarta maior do mundo neste tipo de negócios escuros; não é difícil
imaginar que, quase sem excepções, os nomes conhecidos não mencionados na
imensa quantidade de informação agora revelada aparecem nas listas de clientes
das três maiores evasoras… ou qualquer uma das outras.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">E é aqui que, em todo o seu esplendor, a realidade se nos
revela. A narrativa do “não há dinheiro” é uma abjecta mentira, contada
precisamente pelos mesmos que escondem esse mesmo dinheiro perto de palmeiras.
O dinheiro existe, mas está parado, é improdutivo, serve apenas e só os
interesses de 1% da população – mas como sabemos, esses 1% detêm (muito) mais
de metade dos recursos do planeta. Estima-se que o total escondido em paraísos
fiscais seja equivalente a duas vezes toda a riqueza produzida, por ano, em
toda a União Europeia. Pausa para respirar e apreciar a frase anterior. E então
percebemos porque nos contam que é preciso cortar nos sistemas de saúde por
serem incomportáveis, que não haverá Segurança Social no futuro, que é preciso
desmantelar todas as funções do Estado, desde a segurança à educação passando
pelas infra-estruturas. Somos nós, o leitor e eu, cidadãos comuns, quem
sustenta essas funções básicas, com todos os nossos impostos, taxas e multas,
que não param de aumentar. Quem tem um pouco mais de dinheiro, qualquer que
seja a sua proveniência, imediatamente se demite das suas responsabilidades
perante a sociedade e, em vez de contribuir, esconde; em vez de retribuir à
sociedade um pouco do seu sucesso, foge; em vez de ajudar, aproveita-se
gratuitamente do que é pago por aqueles com vidas bem mais difíceis. É o velho
problema económico do “free rider”, aquele que viaja de graça no avião pago
pelos outros, mas agora de forma sistemática – ocupam todos os lugares de
classe executiva.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Nunca o poder político quis acabar com esta podridão. Os
paraísos fiscais da forma como os conhecemos são uma invenção dos anos 1930,
foram e são utilizados por tudo o que é regime ditatorial ou “democrático”
desde aí – e, desgraçadamente, sempre mais e mais. O tema tem vindo a tornar-se
politicamente ensurdecedor, mas os corruptos políticos a que temos direito
continuam a assobiar para o lado o máximo que podem, até que, muito pressionados,
lá vomitam umas regras para inglês ver (e inglês contornar), algo que muda para
que tudo continue na mesma.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Se há uma esperança que os documentos do Panamá nos
permitem é a de uma pequena janela de oportunidade para reformar a situação
putrefacta a que chegámos. Ao longo das próximas semanas, à medida que mais
nomes serão envolvidos – já não apenas ditadores contrários aos interesses
americanos, mas também bancos, farmacêuticas, políticos ocidentais, cabeças
coroadas, celebridades aparentemente impolutas – a justa indignação vai obrigar
a uma limpeza séria, finalmente. Mas há uma alternativa, claro: que a raiva se
esvaia e tudo continue como até aqui. Afinal, como o alfaiate avisa no filme,
“ninguém perde a sua reputação no Panamá: deixa-se a secar uns meses e depois
volta-se a usar, como se nada se tivesse passado”.</span>Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-65820607435569134682016-04-05T12:24:00.002+02:002016-04-05T12:30:01.130+02:00O embaraçoso amigo turco<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">29 de Maio de 1453 é um dia que viverá para sempre na
parte sombria da História cristã e, porque não dizê-lo, europeia. Foi o dia em
que Constantinopla caiu, após um cerco de 53 dias, nas mãos do sultão otomano
Mehmet (então um jovem de 21 anos). Foi a perda que significou fim o do império
Romano, após quase 15 séculos de existência.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">Há um novo sultão na Turquia, um país extraordinário em
muitos aspectos mas assustador, na ausência de um Estado de Direito, em tantos
outros. Erdogan, o todo-poderoso líder do partido (islamista) da Justiça e do
Desenvolvimento, resiste no poder há 13 anos à cabeça de um aparelho que se
auto-perpetua enquanto reprime e bombardeia parte da sua própria população
(curda). O regime turco vai perseguindo e desmantelando os meios de comunicação
social que ainda não lhe tecem loas encantadas, como acaba de fazer com o
jornal mais lido do país, o Zaman – invadido e saneado, os seus jornalistas
despedidos e acusados de assédio sexual, artigos apagados dos arquivos, e o
“novo” jornal coberto de gloriosas fotos de Erdogan e de como a Europa se verga
perante o estadista.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiv_Ku32yngydpaoekBzH_ExlBGuz_tFC9Ldu4oGMKKFBFDBxCBRIaYd9l5grmMpJicQGY5Uq-Dy1rZ8FTq_GN_zTtmJYX3HM6hGaGJaKpvF0v-j7qjFcQyHywXlk9slCEqrGtJ12X6MafY/s1600/erdogan.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="212" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiv_Ku32yngydpaoekBzH_ExlBGuz_tFC9Ldu4oGMKKFBFDBxCBRIaYd9l5grmMpJicQGY5Uq-Dy1rZ8FTq_GN_zTtmJYX3HM6hGaGJaKpvF0v-j7qjFcQyHywXlk9slCEqrGtJ12X6MafY/s320/erdogan.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">E o pior é que neste último ponto estão certos. Nós,
europeus, não queremos acolher as vagas de refugiados que batem às nossas
portas. Nós, europeus, também não sabemos como resolver o problema, não sabemos
como estancar essas mesmas vagas, não diremos como a América de outros tempos
“Dai-me os vossos fatigados, os vossos pobres, as vossas massas ansiosas por
respirar livremente” (o poema na base da estátua da Liberdade, da autoria da
luso-americana Emma Lazarus). Decidimos subcontratar o trabalho duro a outrem,
e para o fazer vimo-nos de repente a negociar, e ceder, perante o autocrata de
um país vigiado e inseguro.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">A Europa convenceu a Turquia – através de miraculosas
promessas e generosos pagamentos (6 biliões de euros…) – a servir de
zona-tampão para filtrar as dezenas de milhar de sírios, iraquianos ou afegãos
que todos os meses chegam às margens do Mediterrâneo. Cada refugiado saído da
Turquia que conseguir chegar à Grécia de forma “irregular” será reenviado à Turquia,
que em troca enviará um refugiado presente no país para a Europa, já de forma
“regular”, até um máximo de 72 000 pessoas (a partir daí os europeus só aceitam
mais refugiados se quiserem).</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT;">O acordo é muito frágil no plano legal (para ser suave).
Pressupõe que a Grécia vai processar todos os indivíduos que ali chegarem, o
que será tarefa hercúlea; pressupõe também que a Turquia seja considerada “país
seguro de reenvio”, algo que manifestamente não é (nem assim é reconhecida por
nenhum país da UE, tirando a Grécia, que é obrigada a fazê-lo). Depois, em
termos práticos, um acordo que aceita 72 000 sírios, quando há neste momento
2,7 milhões refugiados na Turquia, não lhes oferece uma perspectiva
suficientemente animadora. Ou seja, os sírios (e os restantes) continuarão a
arriscar a vida pelo mar; e não será necessário esperar muito para que tal se
torne evidente.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-family: "Times New Roman"; mso-bidi-language: AR-SA; mso-bidi-theme-font: minor-bidi; mso-fareast-font-family: Calibri; mso-fareast-language: EN-US; mso-fareast-theme-font: minor-latin;">Mas o pior falhanço deste acordo não é legal, nem
sequer prático, mas sim moral. Demitindo-se das suas obrigações e
responsabilidades, os líderes europeus estão dispostos a pagar bem, a contornar
o direito internacional e, sobretudo, a satisfazer as vontades de um governante
insalubre, tudo para evitarem sujar as mãos acolhendo refugiados. A Europa
fundou-se sobre valores éticos profundos, de respeito pela igualdade e
dignidade humanas, da democracia e do Estado de Direito. Hoje em dia,
atemorizada, prefere esconder-se atrás da ilusão de uma empresa de segurança
colocada à porta. Uma das coisas que aprendemos na semana passada: não são os
refugiados que devemos temer. Eles fogem precisamente de terror como aquele
sentido em Bruxelas.</span>Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-16981357873872634802016-03-23T17:17:00.000+01:002016-03-23T17:20:44.628+01:00Só não sabíamos o onde e o quando<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">"Há algo mau que se passa. Vai a Paris. Vai a Bruxelas.
Ali estas pessoas querem a lei sharia, querem isto, querem aquilo... Eu visitei
Bruxelas há muito tempo, 20 anos, tudo era tão bonito. Agora é um buraco
infernal".<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Estas palavras foram proferidas em Janeiro por aquilo que há
de mais próximo a um político inimputável: Donald Trump. E no entanto... Trump,
pelo menos por uma vez (estatisticamente é sempre possível que isso aconteça),
tem razão no diagnóstico, mesmo que não nas soluções. Há realmente algo de mau
que se passa em Bruxelas, a tal ponto que até um demagogo perigoso como Trump
consegue passar por balbuciar profecias em relação à cidade.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0N_G25ByS4D4865UJV8bcITU35PtneEIJ4lw7w4YP2te5HhpLa1lGz4jOk9lGN-gxFvPNiCgne31W7BwKjZvJx4-qULtZqnvihgj1GutJD3fyicksmZanl49Q4o8jcpkv90rDM75D9sgf/s1600/brussels-train-21.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="360" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj0N_G25ByS4D4865UJV8bcITU35PtneEIJ4lw7w4YP2te5HhpLa1lGz4jOk9lGN-gxFvPNiCgne31W7BwKjZvJx4-qULtZqnvihgj1GutJD3fyicksmZanl49Q4o8jcpkv90rDM75D9sgf/s640/brussels-train-21.jpg" width="640" /></a></div>
<o:p></o:p><br />
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: georgia, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Sabemos que há algo de errado quando sabemos,
antecipadamente, que a cidade e os seus habitantes vão sofrer um selvático
atentado terrorista. Era o caso. Só não sabíamos o onde e o quando, mas
sabíamos que iria acontecer. Mais, sabíamos que estava para breve. Quando digo
sabíamos, refiro-me a todos nós os que passamos muito tempo neste "buraco
infernal"; a detenção de Salah Abdeslam, o nojento operacional dos
atentados de Novembro em Paris, tinha ocorrido apenas quatro dias antes e só
veio acelerar o horror. Isto mesmo foi dito por vários responsáveis, e peritos
em terrorismo, nos dias e horas que mediaram a detenção e as explosões.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Os atentados de ontem não são surpreendentes. Provocam uma
dor enorme; provocam raiva, fúria, desejos de vingança, medo, pesar, desespero,
luto e até, estranhamente, uma certa atitude de desafio, como o café que
insisti em ir tomar ao meu café preferido, como o amigo que ao ler as notícias
decidiu ir fazer jogging para o parque, como as pessoas que, aparentemente
calmas, continuam a caminhar pelas mesmas ruas onde horas antes mais de 300
concidadãos foram chacinados ou feridos. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Mas não provocam surpresa. Não depois do que aconteceu em
Paris, por duas vezes, em 2015. Não depois dos quatro mortos à queima-roupa no
museu Judaico, em pleno centro de Bruxelas, em 2014. Não depois dos atentados
evitados in extremis em Verviers e dentro de um comboio Thalys que ia de
Bruxelas para Paris. Em comum, à primeira vista, todos estes actos abjectos têm
algo em comum - foram idealizados em Molenbeek, e executados por islamistas
provenientes de Molenbeek. Não é um acaso. Bruxelas sofre duplamente, por um lado
com as doenças da Bélgica, por outro com as doenças da Europa.<o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">A Bélgica é um Estado falhado. Eventualmente não ao nível
desta classificação quando aplicada à Somália ou ao Sudão do Sul, dado que o
país é mais rico e tem, na aparência, as estruturas que mentalmente associamos
a um Estado-providência de cariz europeu - e esse é desde logo um dos
problemas, o laxismo com dinheiros públicos que criou subsídios de desemprego
para a vida e encorajou a réplica de radicais estruturas de clã marroquinas no
coração de um Estado laico e liberal. Não é esse o único laxismo: a Bélgica não
se reforma, deixa-se ir. Os túneis da cidade estão a desmoronar-se sobre os
carros, porque durante 40 anos ninguém se preocupou em dar-lhes manutenção.
Foram ficando. As polícias (porque só em Bruxelas há seis diferentes) são
completamente ineficazes. Os tribunais são inoperacionais. As prisões estão
cheias e não corrigem. Os serviços secretos permitem que indivíduos altamente
perigosos, conhecidos de todos e ajudados pelas suas redes de subterfúgios, se
passeiem impunes por meses. <o:p></o:p></span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: georgia, serif; font-size: 12pt; line-height: 115%;">Bruxelas é um caso particular, mas é também um símbolo
genérico de uma certa Europa, uma Europa que sempre foi ingénua, que não pensou
no longo prazo, que tem preguiça de agir pelos seus interesses vitais. Mas que
também (ainda) defende muitos valores pelos quais nos tornámos um alvo: a
liberdade, a tolerância, a igualdade, a união. Estão todos colocados em causa,
mas é precisamente estes que temos de manter, a todo o custo, para que valha a
pena sobreviver. Não nos podemos deixar intimidar. Não podemos dar parte de
fracos. Nesta guerra aberta contra o islamofascismo, prevaleceremos.</span>Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-85736674350806726092016-03-23T17:09:00.001+01:002016-03-23T17:11:41.593+01:00Dinheiro caído do helicóptero<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">E se na rua um banco
desconhecido lhe oferecer dinheiro? Isso não é um impulso, como diria uma
antiga publicidade a desodorantes, mas sim uma tentativa ponderada de trazer de
volta à vida as nossas estagnadas economias. E há um homem em Frankfurt que,
agora que as outras estão a esgotar-se, talvez venha a convencer-se dos
benefícios da ideia de distribuir dinheiro pelos cidadãos.<o:p></o:p></div></span>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O homem em questão, Mario
Draghi, do alto do seu cargo de governador do Banco Central Europeu, tem poder
para o fazer. Mas terá mesmo? A Draghi teremos de estar sempre agradecidos por
ter salvado, em 2012, o euro da desintegração com apenas três palavras
(“whatever it takes”, ou seja, prometendo que o BCE faria o que fosse
necessário para defender a moeda). A afirmação resultou porque era credível: os
famigerados “mercados” sabiam que se havia uma vontade férrea para que o euro sobrevivesse,
isso poderia ser feito. Quatro anos mais tarde, a situação é menos premente,
mas mais complexa: o euro não corre perigo imediato, mas a Europa continua no
pântano económico de um crescimento anémico e uma inflação quase inexistente (a
nova previsão para 2016 é que os preços subam apenas 0,1%...), o que significa
que estamos perto de um pesadelo: uma deflação persistente, aumentando os
encargos com a dívida e paralisando a actividade económica pela incerteza que
provoca quanto ao futuro. Por outras palavras, caminhamos direitinhos para
repetir a “década perdida” do Japão, preso nas mesmas condições a partir de
1990 (e ainda não totalmente refeito das mesmas, já quase uma geração depois).<o:p></o:p></div></span>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">O Banco Central Europeu
tem apenas um objectivo no seu mandato: manter uma taxa de inflação “abaixo mas
próximo de 2%”. Está a falhar perigosamente, mas nem sequer é por inacção ou
desinteresse. Os economistas de Frankfurt têm sido especialmente proactivos,
entrando mesmo nas águas desconhecidas da “flexibilização quantitativa” (QE na
sigla inglesa), que é basicamente um eufemismo para o acto de imprimir dinheiro
novo e injectá-lo na economia através de bancos e compra de títulos. Na semana
passada, ultrapassando mesmo todas as previsões mais arriscadas, o senhor
Draghi atacou com todas as munições ao seu dispor, anunciando seis medidas
diferentes para tentar fazer subir a inflação e aumentar a circulação de
dinheiro. Todas estas medidas são históricas, ou seja, nunca tinham acontecido
antes, e além da injecção de ainda mais dinheiro, incluem o facto de os bancos
comerciais poderem agora pedir dinheiro emprestado ao BCE à taxa de 0%, sem qualquer
custo… tudo para os incentivar a conceder mais crédito. O que acontece, no
entanto, é que os bancos preferem agarrar-se a todos estes biliões vindos de
crédito barato ou injecções estatais (públicas) para sanear as suas contas
tóxicas e conceder bónus chorudos a administradores, ao invés de reemprestar o
dinheiro à economia real.<o:p></o:p></div></span>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNr-VJ81VcvPzxoWzQ2HiAP14yQiAp8Z54tQPqeieeL3YtGYzvjoYwyJ-uCD7CukT0T7vmqQXEvPDDp0s01NmbaJsuavRbdVm-rKY8FYSp3wOQmdu3oSiA8UVwVb9Thua3YAdLoWPR8NlD/s1600/helicopter.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiNr-VJ81VcvPzxoWzQ2HiAP14yQiAp8Z54tQPqeieeL3YtGYzvjoYwyJ-uCD7CukT0T7vmqQXEvPDDp0s01NmbaJsuavRbdVm-rKY8FYSp3wOQmdu3oSiA8UVwVb9Thua3YAdLoWPR8NlD/s320/helicopter.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">Pouco importa. A
influência do BCE já não é a mesma, e todas estas medidas (apelidadas
carinhosamente de “a bazuca de Draghi”) não serão suficientes para nos tirar da
estagnação. As verdadeiras boas notícias é que, ao anunciá-las, e reconhecendo
desde logo que está a chegar o fim da linha das opções convencionais, Draghi
não fechou a porta a uma ideia que é defendida por cada vez mais académicos e
tem verdadeiras hipóteses de resultar: injectar dinheiro na economia, sim, mas
distribuí-lo directamente às pessoas, sem passar pelo filtro poluidor dos
bancos e instituições financeiras, que procuram que este dinheiro permaneça
parado nas mãos de muito poucos.<o:p></o:p></div></span>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span style="font-family: "georgia" , serif; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;">É possível assegurar que novo dinheiro injectado beneficie cidadãos trabalhadores,
consumidores, pensionistas ou desempregados. Três formas de o fazer:
empréstimos directos à economia real através do Banco Europeu de Investimentos,
a esquecida instituição europeia sediada no Luxemburgo; investimentos em
infra-estruturas, cujo efeito multiplicador no crescimento é conhecido desde,
pelo menos, 1933; e transferências directas a cada empresa ou agregado familiar
de um montante a determinar – aquilo que é conhecido por “dinheiro de helicóptero”.
Seria óptimo ter a minha conta bancária reforçada com, digamos, uns 10000
euros, senhor Draghi. Prometo gastá-los todinhos de formas produtivas – e nada de
produtos chineses, isto se conseguir encontrar algo que ainda seja feito na
Europa.</span>Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-2797218566106639982016-03-08T17:25:00.002+01:002016-03-08T17:33:25.467+01:00#NemUmaMais<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Ontem foi Dia
Internacional da Mulher. No mundo ocidental, o 8 de Março tem vindo a ganhar
progressiva e saudável importância ao longo dos anos (curiosamente, na Europa
de Leste a data está muito conotada com os antigos regimes comunistas e como
tal é vista com desconfiança por parte da população). O dia serve diferentes
propósitos, mas sobretudo permite parar para pensar e avaliar em que ponto
estamos nisso da igualdade de género.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">E o quadro continua
negro.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">É inegável que
muitos progressos foram feitos, sobretudo nas últimas décadas (também mau
seria…). Já não estamos na Antiguidade Clássica de Lisístrata, e muito nos
separa das sufragistas que lutaram, por vezes com meios violentos, pelo direito
de voto. O papel essencial das mulheres no domínio político e económico também
já é (ou vai sendo…) reconhecido mundialmente. Tudo isto são conquistas árduas
e meritórias.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Mas depois olhamos
para os “factos duros” e somos forçados a perceber que muito está ainda por
fazer. As últimas semanas têm sido pródigas em derrotas simbólicas para as
mulheres; por exemplo quando alguma multinacional, como a Zara ou a McDonald’s,
decide por razões puramente gananciosas criar produtos “neutros em género”,
estes são invariavelmente uma capitulação ao gosto predominantemente masculino.
Outro caso amplificado pelas redes sociais é a foto agora divulgada de Leonardo
DiCaprio, aos dois anos de idade, carregado pelos pais; a “notícia” que se
tornou viral não versa sobre o actor enquanto jovem, mas sobre as críticas às
axilas não depiladas da sua mãe, como se esta não tivesse o direito de decidir
sobre como tratar o próprio corpo (as guedelhas do pai nunca são referidas).</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Esta exigência mais
alta pode ser injusta, mas nem é nada comparado com o que se passa no mercado
de trabalho, onde as mulheres participam, sim, mas continuam – não obstante
legislação já antiga que procura assegurar “salário igual por trabalho igual” –
a receber menos que os seus colegas homens. Quanto menos? As variações são
grandes consoante o sector de actividade e o país, mas grosso modo será cerca
de 25% a menos para o mundo todo, 15% se contarmos apenas os países da OCDE,
onde alguns fazem fraca figura (Estónia ou Países Baixos, por exemplo) e outros
ficam melhor na fotografia (os poucos dados disponíveis para o Luxemburgo
apontam para uma diferença de 8,6%). No Reino Unido, novos cálculos afirmam que
ser mulher pode significar, no total da carreira, auferir menos 400 000 euros
que o seu colega masculino. É o preço de uma casa…</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqDAkeLkOuSA4Ds9S3S4qnPDQ3yjf25Se9OWkuVfJFPGqcluPTRwEWaKY-3VyRZUOMt5Silm8KFBMgQww2R4jj4fl2DnZkBogQhxoDwoxcF45EOtQLHt8XHx9FgsTI8Xz5zdLvJL3Zn0_t/s1600/desaparecidas.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhqDAkeLkOuSA4Ds9S3S4qnPDQ3yjf25Se9OWkuVfJFPGqcluPTRwEWaKY-3VyRZUOMt5Silm8KFBMgQww2R4jj4fl2DnZkBogQhxoDwoxcF45EOtQLHt8XHx9FgsTI8Xz5zdLvJL3Zn0_t/s320/desaparecidas.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Mas ainda há pior,
como o demonstrou um recente crime hediondo. Duas jovens argentinas foram
agredidas sexualmente e depois assassinadas enquanto viajavam pelo Equador no
final de Fevereiro. O caso comoveu grande parte da América Latina, mas os media
relataram o caso, mais uma vez, culpando as vítimas – que “viajavam sozinhas”,
por “sítios perigosos”, “brincando com o fogo”. Mas como podiam as turistas,
maiores de idade e estando as duas juntas, “viajar sozinhas”? Tal nunca seria
escrito sobre dois homens, mas se duas mulheres viajam juntas, parece que falta
algo, e que os seus direitos se desvanecem – não têm elas o direito de ser
respeitadas, de poder andar no espaço público sem receio, de manter o seu corpo
intacto, nem sequer o de voltar a casa vivas?</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Aparentemente ainda
não. Por isso a missiva escrita por uma estudante paraguaia sobre o caso, e que
começa com as palavras “ontem mataram-me”, é tão forte quão difícil de ler sem
sentir lágrimas nos olhos. Por isso foram criadas nas redes sociais as
campanhas #ViajoSola e #NiUnaMás. Ou seja, nem mais uma mulher duplamente
vítima: de crime, e do machismo remanescente.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-60522414410945247922016-03-08T17:22:00.002+01:002016-03-08T17:22:38.082+01:00O Caso Spotlight<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Um filme sobre três
crises acaba de ser considerado o melhor do ano. O Caso Spotlight venceu, para
surpresa generalizada, o Óscar de Melhor Filme, ultrapassando grandes produções
– cheias de vedetas e efeitos especiais, muito mais ao gosto de Hollywood –
como eram O Renascido ou Mad Max. Mas não é só por isso que a vitória de
Spotlight numa competição industrial tão desacreditada como os óscares
surpreende: é porque se trata de um filme sério, sóbrio, bem delineado, que não
apela para os instintos mais básicos do espectador mas antes lhe desenvolve (e
o envolve em) uma óptima história que o vai fazer pensar. Assim chegamos à
primeira crise de que trata Spotlight: a do cinema, uma arte tornada produto, e
um produto tornado de consumo rápido que deixa nos nossos sentidos um certo
sabor a plástico. Mais do que isso, um produto esgotado de ideias, agora que o
barril das sequelas de super-heróis já foi raspado até ao fundo. O óscar de
Spotlight também acontece porque a indústria do cinema tem a consciência pesada
(ainda mais por, no ano passado, não ter outorgado a estatueta ao ponto de
viragem conceptual que representava “Boyhood – Momentos de uma vida”) e quer
ser vista como também sendo capaz de gostar de filmes para gente grande.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4HFkCViqWHeB018QgHNAk8PNErCoDoV1dTNhpIWvE6_WMhvBpQhZ7VKexNwXVvo0V2kRY_OdYYsPy_qxejQ6oYO4Wpu7CTST00bC2lGDpDxTmhkyGsOFepiy8K47ONdkpJ2UaD0cs5gva/s1600/spotlihghy.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi4HFkCViqWHeB018QgHNAk8PNErCoDoV1dTNhpIWvE6_WMhvBpQhZ7VKexNwXVvo0V2kRY_OdYYsPy_qxejQ6oYO4Wpu7CTST00bC2lGDpDxTmhkyGsOFepiy8K47ONdkpJ2UaD0cs5gva/s320/spotlihghy.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Spotlight é um filme
sobre a investigação feita por um jornal americano, o Globe, desvendando o
escândalo de abusos sexuais cometidos por padres sobre menores na arquidiocese
de Boston, nos EUA. O próprio filme, no final, refere que no total foram
acusados em tribunal 169 padres, e referindo “mais de 1000 sobreviventes” na
área (muitas das vítimas caíram em dependências várias e não viveram muitos
anos). Naturalmente, estas revelações encorajaram muitas outras vítimas a
ousarem falar, tendo escândalos similares sido revelados em outros locais do
planeta. A crise subsequente, não obstante algum trabalho de reconciliação que
tem sido feito, continua hoje a abalar os próprios pilares da Igreja Católica.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Não pretendo
escrever sobre cinema, até porque o Raúl Reis já o faz muito bem neste mesmo
jornal, que por sinal conta também com cronistas muito mais habilitados em
dissertar sobre a acção da Igreja. A crise de Spotlight que me interessa é a
terceira: a do jornalismo. A investigação do jornal durou seis meses, durante
os quais a célula de jornalismo de investigação (quatro pessoas que podiam
passar um ano sem escrever uma linha no jornal, um luxo já na altura, em 2001,
e algo utópico nos dias de hoje) sofreu todo o tipo de pressões para abafar a
história: desde advogados a outros jornalistas, passando por católicos devotos
e antigos colegas de escola. Logo no início, ao ouvir as possíveis implicações
do caso, o maior accionista do jornal avisa o repórter: “mais de metade dos
nossos leitores são católicos… e eles não vão gostar de ler esta história”. O
jornalista responde “acho que lhes vai interessar”.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Como se lida com a
descoberta de uma verdade explosiva? Os jornalistas do Globe, entre eles o
lusodescendente Mike Rezendes, ganharam o prémio Pulitzer, recompensando o
“excepcional serviço público graças a um corajoso trabalho de investigação que
furou o secretismo, provocando reacções internacionais e reformas nas
instituições”. Triste é que talvez este trabalho não pudesse acontecer hoje, em
jornais que baixam a circulação todos os meses, redacções depauperadas por
cortes, histórias cada vez mais leves e patetas, e um clima de insegurança no
emprego e pressão económica latente que faz dos jornais pouco mais do que caixa
de ressonância do(s) poder(es), e das mulheres e homens que neles escrevem
pouco livres, logo pouco capazes de exercerem o essencial papel dos media.
Descobrir, denunciar, garantir, mostrar, explicar, enquadrar… contam-se pelos
dedos os meios de comunicação que ainda o conseguem. Em Portugal, por exemplo,
não há nenhum. Quantas conspirações, quantos escândalos acontecem à nossa volta
sem que alguma vez o venhamos a saber?</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-79807866453956792842016-03-08T17:19:00.003+01:002016-03-08T17:19:32.054+01:00Sabotar por dentro<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">“Deixe-me
explicar-lhe algo, senhor ministro”, diz com ar divertido o funcionário
público. “Estamos determinados a fazer tudo o que seja necessário para que a
Comunidade Europeia não funcione; tentámos sabotá-la a partir de fora, mas não
estava a resultar, por isso entrámos e agora sabotamos a partir de dentro.
Dividir para reinar. Porque haveríamos de mudar a nossa política centenária,
que tem funcionado às mil maravilhas?”</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7iuSezqp7wWw8ux54p4-52-px8zlqTB92RfPExTcoOKa8uwszkUL8ck7rjuKQnIbZ2El2qSGlCu0BdCuJpZXAOSwE7P0EfEybyan8ouXQpMNXQhtkwXkU6m-mz3pkRmh0UNJ21Xbsx1vq/s1600/yes+min.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="179" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi7iuSezqp7wWw8ux54p4-52-px8zlqTB92RfPExTcoOKa8uwszkUL8ck7rjuKQnIbZ2El2qSGlCu0BdCuJpZXAOSwE7P0EfEybyan8ouXQpMNXQhtkwXkU6m-mz3pkRmh0UNJ21Xbsx1vq/s320/yes+min.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">“Sim, senhor
ministro”, como produto inteligente que é, resiste muito bem à passagem do
tempo – mais até, a série da BBC continua actualíssima em muitos aspectos, e
isto passados mais de 35 anos. O Reino Unido, ou para ser mais preciso, a
Inglaterra continuam hoje a ter esta relação de amor-ódio com a Europa, e para
ser ainda mais preciso, a relação oscila entre o puro interesse (comercial,
financeiro, económico) e o ódio desabrido, porque amor, se existe, é muito
pouco perceptível. E é precisamente a falta de amor o drama da situação actual.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Em Junho os
eleitores britânicos vão ser chamados a uma tomar uma decisão enorme, um
veredicto que, sem qualquer tipo de exagero, vai definir o curso da História. E
não apenas dentro do próprio país – o resultado do referendo sobre a
permanência na União Europeia vai também moldar o futuro desta, e em parte, do
mundo inteiro. A decisão não vai ser discutida no plano da racionalidade. As
organizações empresariais vão aconselhar o voto no “sim” (permanência na União)
argumentando com os efeitos nefastos que uma saída traria aos números do
emprego, do crescimento económico e das exportações. Os grandes partidos
políticos tradicionais, desde o Labour aos próprios conservadores passando
pelos liberais-democratas, vão de forma mais ou menos sincera apelar ao voto no
“sim”, alegando a segurança, a posição geopolítica ou a capacidade de atrair
investimento, todas potenciadas pela pertença à UE. Os analistas financeiros,
receosos pela incerteza e já avisados pela queda da libra durante estes
primeiros dias pós-acordo, vão aconselhar ao voto no “sim”. Os aliados
norte-americanos já avisaram que a sua “relação especial” com o Reino Unido
seria menos especial com o país isolado da Europa.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">São tudo argumentos
fortes e sólidos, que provavelmente inclinarão muitas pessoas a votar pela
permanência. Mas o resultado final do referendo vai jogar-se num campo muito
menos racional: grandes questões complexas, multifacetadas e de tantas
implicações futuras que se tornam impossíveis de abarcar pelo mais bem
informado dos cidadãos foram repentinamente reduzidas à simplificação máxima.
Sim ou não? Branco ou preto? Dentro ou fora? Não há lugar a ponderação nem
razoabilidade. O que significa que as emoções viscerais vão desempenhar um
papel fortíssimo; o “amor” pela Union Jack, a nostalgia pelo império perdido, a
repulsa por um imaginado ataque aos valores tradicionais da “old England”
consubstanciado numa suposta fúria normalizadora e burocratizante de
“Bruxelas”, e tantas outras questões sentidas pelas entranhas de cada súbdito
de Sua Majestade e agitadas regularmente pela imprensa tablóide vão, muitas
vezes, levar a melhor sobre previsões económicas feitas por peritos em quem,
afinal de contas, o público confia cada vez menos.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Por razões
mesquinhas de pura política partidária interna – para ganhar espaço eleitoral
dentro de um partido conservador cada vez mais extremista –, David Cameron
inventou um facto político que pensava ter sob controlo mas que na verdade pode
muito bem terminar com um “não”, enviando repentinamente o país para um limbo
económico e político (pois nessa altura a Escócia quererá separar-se do RU), ao
mesmo tempo que enterra a UE num círculo vicioso de egoísmos e separatismos.
Chama-se a isto brincar com o fogo. Daqui sairemos pelo menos chamuscados,
talvez mesmo queimados.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-12308162237070661532016-03-08T17:15:00.003+01:002016-03-08T17:15:59.037+01:00Revolução duas rodas<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Yang Liu, uma
designer gráfica de origem chinesa que se mudou para a Alemanha quando tinha 13
anos, acaba de publicar “Oriente encontra Ocidente”, um livro de pictogramas
comparando, de forma tão elegante quanto observadora, as duas culturas que
conhece tão bem. Com a alemã a azul e a chinesa (obviamente) a vermelho, as
páginas sucedem-se com contrastes curiosos, como em “Ruas ao domingo” (três
almas perdidas no lado azul, uma imensa multidão no lado vermelho) ou
“Resolução de problemas”, onde as pegadas germânicas passam por cima do
obstáculo e as orientais contornam-no. E depois chegamos a “Transporte em
1970”, onde o país da Volkswagen está representado por um carro, enquanto a
China, previsivelmente, está associada a uma bicicleta.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Se o livro ficasse
por aqui a análise seria um pouco insossa – e falsa, como uma visita a Pequim
ou Xangai, onde é possível passar dias no trânsito sem ver uma única bicicleta,
pode comprovar. Mas a imagem que se segue é “Transporte, hoje” onde a China já
está representada por um automóvel (é agora o maior mercado mundial para este
produto), enquanto o símbolo da Alemanha é… uma bicicleta.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Claro que as
Autobahnen continuam congestionadas, claro que a Volkswagen ainda é a segunda
maior empresa automóvel do mundo e a BMW e Mercedes mantêm-se altamente
lucrativas. E no entanto, ela move-se: a mudança de paradigma está a
desenrolar-se perante os nossos olhos, e os europeus têm já uma aguda
consciência de que o sacrossanto carro, do alto da sua tonelada e meia de peso
e das suas emissões de gases fortemente poluentes, nem sequer chega a ser a
forma mais rápida de nos deslocarmos para trajectos curtos dentro das cidades –
e é óbvio que também não é a mais barata, a mais prática, a mais saudável ou
nem mesmo a mais segura.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUBiYe-6pYdMlemYp4j7Ysw_hcYiyieO1zEjksOb1TPDTOQX3wo9O7TmlgDPCvhF4LRiP0MWRsHarIK1iKh-pLZGMbM16M36VQPxzNAFSJIm_SGyz7Gcsc5VgMn_Cm7nWPM0GaWdtb9IEF/s1600/bicycle-highway-889x592.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgUBiYe-6pYdMlemYp4j7Ysw_hcYiyieO1zEjksOb1TPDTOQX3wo9O7TmlgDPCvhF4LRiP0MWRsHarIK1iKh-pLZGMbM16M36VQPxzNAFSJIm_SGyz7Gcsc5VgMn_Cm7nWPM0GaWdtb9IEF/s320/bicycle-highway-889x592.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Assim vão surgindo
sinais encorajadores, e a Alemanha, que nos anos 1930 inventou o conceito da
autoestrada moderna, acaba de inaugurar aquela que é talvez a primeira
super-ciclovia a ligar duas metrópoles, Essen e Mülheim. Essa verdadeira
autoestrada para as duas rodas, com 6 metros de largura, iluminada à noite e
com direito a ser limpa quando neva, estende-se agora por 11 km. O plano é mais
ambicioso: atravessar toda a bacia do Ruhr, a maior aglomeração urbana da
Europa, de Duisburgo no oeste a Hamm no leste passando por Dortmund e
Gelsenkirchen. Serão mais de 100 km de exclusiva utilização por ciclistas,
servindo uma população de mais de 2 milhões de potenciais interessados e
apresentando a vantagem adicional de reutilizar o traçado de antigas linhas de
caminho-de-ferro abandonadas. E claro, já antes muitos quilómetros de pistas
dedicadas, embora mais antigas e não com este perfil, ligavam muitos pontos da
Dinamarca, dos Países Baixos e da Bélgica. </span><span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Até o Luxemburgo tem
alguns bocados para apresentar.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">A revolução ciclista
tem um potencial tremendo que, se bem aproveitado, pode ajudar-nos a sair de
várias das complicações em que nos fomos metendo. Existe um problema grave de
saúde pública ligado à vida sedentária para a qual não fomos feitos – e aqui a bicicleta
pode ajudar, como também pode ajudar a melhorar a terrível qualidade do ar que
respiramos e que nos mata aos poucos. Também reduz a nossa dependência
energética do petróleo, ajuda ao nosso próprio equilíbrio financeiro… e tem a
possibilidade de reinventar todo o espaço público urbano (que foi construído em
função do automóvel e está amiúde decadente), devolvendo-o ao usufruto das
pessoas e das comunidades. Ao invés de uma via rápida ou um viaduto que divide
e deprime a área em que é construído, uma ciclovia abrilhanta, atrai, faz
renascer. Há uma luz ao fundo do túnel da mobilidade urbana, e essa luz
aproxima-se a pedais.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-58659491941736758082016-03-08T17:06:00.001+01:002016-03-08T17:28:30.608+01:00TAA - Transportes aéreos alfacinhas<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Mesmo não sentindo
qualquer tipo de entusiasmo por um governo liderado por António Costa,
reconheço algumas melhorias (no relacionamento com os parceiros europeus, por
exemplo). Sobretudo, estava convencidíssimo que a queda do governo tão
economicamente incompetente liderado por Passos Coelho, Portas e Maria Luís
Albuquerque só podia mesmo significar algo de bom.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Enganei-me. A queda
do governo anterior também trouxe más notícias. É que logo no dia seguinte a
ter sido demitido, Passos Coelho tinha conseguido resolver um sorvedouro de
impostos que se arrasta há décadas - os Transportes Aéreos Portugueses. Sim, a
venda foi feita à pressa e de forma quase clandestina, a um consórcio estranho
de homens de negócios sem liquidez e com ligações perigosas aos partidos então no
governo; sim, do valor obtido pela privatização só 10 milhões de euros entraram
nos cofres do Estado – um valor menor, que nem chegaria para pagar as perdas da
transportadora sofridas por cada uma das enésimas greves de pilotos, mas já
aceitável por uma empresa em falência técnica e cujo passivo chega aos 100
euros por cada português em idade activa. A venda livraria por fim os
portugueses de um luxo incomportável e pouco eficiente. Mas eis que António
Costa acaba de despender mais 31,9 milhões de euros do Estado para recomprar
50% da TAP. Isso dá-lhe direito a um “controlo estratégico” e aos sempre
apetecíveis lugares principescamente remunerados no Conselho de Administração;
isso sim, a gestão corrente da companhia aérea será privada – no que configura uma
nova versão das desastrosas parcerias público-privadas em que, como sempre, o
risco (e os prejuízos) ficam para os contribuintes, mas os salários e os
eventuais lucros ficam firmemente do lado de um punhado de pessoas.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">As perguntas
cruciais a colocar são simples: devem, querem e podem os portugueses ter uma
companhia estatal de aviação? A resposta é três vezes não: 1. Não devem, porque
andar a brincar aos aviões não é uma função do Estado; essas estão reservadas
para os bens que pela sua natureza o mercado não saiba ou consiga produzir tão
eficientemente, como a educação, a saúde, a defesa… não é claramente o caso do
competitivo (e altamente poluente) sector da aviação aérea, melhor servido por
privados. 2. Não querem, como demonstrado em várias sondagens a apoiar a
privatização ou nos próprios resultados das eleições portuguesas – e tudo isto
antes das recentes revelações de abandono de rotas e de todos os aeroportos
portugueses que não se chamem Lisboa, factores que obrigam a questionar se uma
“transportadora de bandeira” deve servir apenas uma pequena fracção da
população que, além disso, já é a mais privilegiada do país. 3. Não podem,
porque como está em voga dizer-se, “não há dinheiro”; o país tem uma dívida
gigantesca, os recursos públicos são finitos e é muito mais importante que eles
sejam canalizados para manter um nível civilizacional decente (o que implica,
por exemplo, voltar a ter médicos em hospitais durante a noite) do que para
subvencionar companhias historicamente deficitárias e que se distinguem pelo
sofrível serviço prestado (a TAP terminou 2015 em 70.º lugar do ranking
Skytrax, os “óscares da aviação”, atrás de colossos como a Air Azerbaijão ou a
Air Maurícias; os seus níveis de cortesia, pontualidade ou número de malas
perdidas são ainda piores).</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAfH8rCz4N09XetYkw0HW-bPgaJ-yfWWrU17TsEANy4iUXQYZvYHp68dybd3fxXeXNaRnyHz5NZd3kUjxbQOnckqGt8QQab774Q_SgSEXwP8dTy_Deh1wyt-BshpPUEmp8alI3Ex05N6Yw/s1600/tap.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="179" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiAfH8rCz4N09XetYkw0HW-bPgaJ-yfWWrU17TsEANy4iUXQYZvYHp68dybd3fxXeXNaRnyHz5NZd3kUjxbQOnckqGt8QQab774Q_SgSEXwP8dTy_Deh1wyt-BshpPUEmp8alI3Ex05N6Yw/s320/tap.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">A solução encontrada
é, para quase todos os portugueses, o pior de dois mundos: continuam a garantir
com os seus impostos a empresa, mas esta passa a estar liberta do aborrecimento
de fingir que presta algum tipo de “serviço público”. Daí a inacreditável
decisão de fechar rotas que liguem o Porto à Europa e cujas taxas de ocupação –
a preços exorbitantes, convém não esquecer – estão entre as mais altas do
mercado. Daí as quotas de mercado vergonhosas detidas pela TAP no aeroporto de
Faro (uns míseros 4%), do Porto (19%, menos de metade da Ryanair), de Ponta
Delgada (um ano depois da liberalização, passou de líder incontestada para 7%
dos passageiros) e mesmo do Funchal, onde a Easyjet a ultrapassará em pouco
anos. Tudo isto para justificar que tudo passe e fique em Lisboa, para onde a
TAP já leva por ano 3 milhões de passageiros “contrariados”, ou seja, que não
querem ir ali mas não têm alternativa, números que vão aumentar com a supressão
de rotas no Porto, fortemente utilizadas pela diáspora portuguesa. Assim se
manipula a justificação de mais aviões e de até um novo aeroporto em Lisboa,
este último desde sempre um forte desejo do PS… mas se os lisboetas querem
muito ter uma transportadora local que os leve a passear pelo mundo, onde está
escrito que os restantes portugueses têm de lhes pagar o capricho?</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-66389017262069509252016-03-08T15:58:00.000+01:002016-03-08T16:57:40.242+01:00Em Roma, sê puritano<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Quando, em Julho do
ano passado, as potências mundiais (Alemanha, França, Reino Unido e Federica
Mogherini pela Europa, mais os EUA, a Rússia e a China) se sentaram à mesa com
o Irão para lhe declarar que estavam convencidas que o país não estava a tentar
fabricar bombas nucleares, abrindo o caminho para o levantamento das sanções
internacionais (estas terminaram formalmente há duas semanas), quase pudemos
ouvir o som de milhares de caixas registadoras abrindo, em uníssono, por todo o
Ocidente. É que a antiga Pérsia tinha espartilhado o seu potencial económico,
mas o seu regresso ao concerto financeiro internacional vai gerar uma cascata
de dinheiro. O país está sentado em cima das maiores reservas mundiais de gás
natural e a sua produção petrolífera está também entre as maiores do planeta,
tendo a capacidade de inundar o mercado global com petróleo barato. Mesmo
cálculos cautelosos dos efeitos do final do embargo ao Irão preveem uma bonança
tanto interna como externa, apontando para o crescimento do PIB do país logo em
5% este ano. E os seus 80 milhões de habitantes são um novo mercado potencial
interessantíssimo para escoar todos aqueles produtos europeus que fabricamos e
sem os quais a nossa vida consumista não pareceria possível.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Está explicado
porque uma visita de Estado do presidente iraniano Rouhani a Itália e França
deixou os serviços protocolares de cabeça à banda com tanta sofreguidão em
agradar aos futuros parceiros de negócio. Em Roma, estavam em cima
da mesa contratos
que poderiam valer à Itália 17 mil milhões de euros, o que é significativo. A
tal ponto que algum assessor mais zeloso entrou em pânico com tantas estátuas
nuas no percurso do presidente e decidiu escondê-las atrás de biombos,
repetindo a idiotice de Volterra, cinco séculos antes.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7Ptft83I6WSemmKXYM3tzXLgK1bE-X2_EAEGDJ1HyWNAz_sNlrqBzkXUsayoR-VHYosp1Y75jNyqrkA9dXw6nSDVOlGlZ207iM3hYa-FucD95Ar_7GZhDkplsN369ZWa5rDhl3muT1CQW/s1600/david+censored.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="320" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7Ptft83I6WSemmKXYM3tzXLgK1bE-X2_EAEGDJ1HyWNAz_sNlrqBzkXUsayoR-VHYosp1Y75jNyqrkA9dXw6nSDVOlGlZ207iM3hYa-FucD95Ar_7GZhDkplsN369ZWa5rDhl3muT1CQW/s320/david+censored.jpg" width="240" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Volterra era um
pintor italiano do século XVI contratado para tapar as partes pudendas dos nus
pintados na Capela Sistina – já nesse tempo outro assessor tinha convencido o
papa Paulo III que aquelas pinturas “eram mais apropriadas para uns banhos
públicos ou uma taverna do que para uma capela papal”. Pelo meio das pernas dos
personagens de Michalengelo, Volterra sobrepôs vestimentas coloridas e folhas
de figueira, o que lhe granjeou o ridículo ainda em vida e para todo o sempre.
A ele, pintor, mas também à hipocrisia anti-humanista da sociedade (Volterra
era apenas o executor de uma ordem superior, no Concílio de Trento a Igreja
Católica tinha acabado de decretar a proibição da nudez na arte).</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Desde 1565 a Europa,
e com ela a Humanidade, aprendeu muito, evoluiu muito, cresceu muito. Mas a
impressão que temos presentemente é de regressão – e mais do que regressão, é
de um verdadeiro desmoronamento de que falamos quando olhamos para os valores
que nos definem a serem imolados no altar do deus-dinheiro. O problema é que
quando começamos a triturar um dos nossos princípios, a calçada torna-se
extremamente escorregadia – e rapidamente fazemos o mesmo com todos os outros.
Não admira assim que na Europa dos nossos dias, a tolerância e a compaixão soem
a palavras vãs em breve atiradas para o mesmo caixote onde jaz a solidariedade.
Agora também já estão a caminho o laicismo, a liberdade, a própria alegria de
estar vivo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">“Valeu a pena, para
evitar ofender o presidente iraniano, que nos ofendêssemos a nós mesmos?”,
questionou o melhor jornal de Itália, “La Repubblica”. Mas a pergunta era
retórica. Ao cobrir as estátuas, parte da nossa cultura, da nossa História e do
nosso ethos, a Itália cobriu-nos de vergonha. </span><span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">E tudo só para
conseguir segurar um cliente.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-25937869312083931902016-03-08T15:55:00.001+01:002016-03-08T15:55:09.953+01:00Davos é uma festa<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Chegou mais uma vez
aquela altura do ano... em que os líderes deste mundo se reúnem publicamente
numa aldeia de montanha suíça, cuidadosamente fechada ao exterior e onde os
preços são, durante uma semana, duplamente exorbitantes. A aldeia é Davos, e o
grande campo de férias tem o nome de Fórum Económico Mundial. Basicamente, é-se
alguém na vida uma vez que se é convidado - e então se o convite for para
discursar, ainda melhor. Mesmo que durante as conferências falte muito daquele
"factor bem-estar", pois os temas são espinhosos e o mundo anda um
lugar perigoso (a organização lembrou que "nunca antes tivemos tantos
problemas graves a discutir como nesta edição”), esse bem-estar despreocupado
domina ainda assim os eventos sociais assim que o sol se põe. Uma espécie de
Congresso de Viena dos nossos tempos – em 1815, os diplomatas e monarcas
europeus traçavam fronteiras no mundo durante o dia e dançavam valsas durante a
noite.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyAwSAly3myOAHjxWV-_ZfdXGwv7LYiaCOxBh5UHqXf0HmjzyXunHdwaMKX_BVr3Y58DW523WP0xhS-b0vWgrW97PJUNoI1hJ7sqg9ZqJFTocysQGe5b8eWGLRSSCP56Ut8sfwXaPqxOne/s1600/dbpix-davos-party-1-tmagArticle.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjyAwSAly3myOAHjxWV-_ZfdXGwv7LYiaCOxBh5UHqXf0HmjzyXunHdwaMKX_BVr3Y58DW523WP0xhS-b0vWgrW97PJUNoI1hJ7sqg9ZqJFTocysQGe5b8eWGLRSSCP56Ut8sfwXaPqxOne/s320/dbpix-davos-party-1-tmagArticle.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Davos, um gigantesco
seminário de elite combinado com festas sumptuosas bem regadas com álcoois
sofisticados, estava nesta edição (a 46.ª) subordinado ao tema “a Quarta
Revolução Industrial” – a forma como a internet permanente e ubíqua permite uma
transformação profunda na troca e tratamento de dados e na capacidade dos
computadores aprenderem e assim substituírem a intervenção humana em muitas
áreas, rompendo com uma força e velocidade nunca antes vistas os contextos
económico, ecológico, social ou cultural que conhecemos até hoje. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">É habitual que Davos
siga um tema a cada ano, a diferença esteve no nervosismo latente com que este
foi tratado. Porque mesmo num ecossistema tão específico – e altamente
especializado – como é o Fórum Económico Mundial, é possível notar a clivagem
entre os insiders e os outsiders, ou seja, entre aqueles cujos conhecimentos
digitais lhes permitem surfar a onda das mudanças rapidíssimas que se estão a
dar na nossa sociedade e... os outros, sendo que entre estes se encontram quase
todos os líderes políticos tradicionais que se vêem repentinamente tão
ultrapassados pelos acontecimentos, e tão desprovidos de poder, que as suas
comunicações soam quase dinossáurias.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Joe Biden,
vice-presidente dos Estados Unidos, é um desses líderes. A sua conferência em
Davos foi interessante porque desassombrada, e as suas palavras contêm nas
entrelinhas imensos motivos de preocupação para todos aqueles – a esmagadora
maioria de entre nós – que não estão preparados, nem sequer alerta, para essa
revolução digital que se avizinha (e que já começou). Biden improvisou:
"chamam-me Joe Classe Média, mas não como elogio: referem-se à minha falta
de sofisticação. Mas a classe média, e a sua estabilidade, são o cimento que
une a sociedade, e parece-me que sacrificá-la no altar da tecnologia criará
certamente mais perdedores que vencedores". Sente-se aqui um certo odor a
desespero antecipado, o que nos deve fazer soar todas as campainhas de alarme.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Que mundo estamos a
desenhar para o futuro? Em Davos ouviram-se muitas frases preocupantes, duas
delas proferidas pela mesma mulher, Sharan Burrow, secretária-geral da
Confederação Internacional de Sindicatos: "Não há empregos para os
trabalhadores num planeta morto", mas também: "O nosso actual modelo
económico chama-se desigualdade planeada". De facto, descobrimos na semana
passada – e nunca na História tínhamos chegado a este ponto – que apenas 68
indivíduos (0,000001 % da população do planeta) detêm tanto dinheiro como toda
a metade mais pobre da Humanidade, quase 4 biliões de pessoas. O medo
justificado é que a "quarta revolução industrial" venha piorar este
estado de coisas, lançando alguns biliões mais numa pobreza remediada,
traduzida como toda a vida trabalhando de sol a sol sem nenhum outro objectivo
ou possibilidade que o de produzir riquezas para outrem. Uma sociedade feudal
com um punhado de lordes acima de qualquer poder terreno e exércitos de
mercenários facilmente substituíveis ou completamente redundantes. Uma
sociedade predatória de recursos, incluindo aqui as mentes e os corpos. Um
sistema profundamente insustentável a longo prazo. E no entanto, em tantos
sentidos, é já assim em que vivemos hoje.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-53407280782725126932016-03-08T15:53:00.000+01:002016-03-08T15:53:05.798+01:00O homem do Renascimento<br />
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiGu7Rd7rfVBU3SRvIyDMgjRbtapNZ1lPNcRU9qE83fKUSKR6IkEhj6t6M-TvBVTU5-9YQcr0n772iEf4w3hzmFVO9BOImsxofRA_GophWBG17_I1dzuWhEoC3Q8Y6ZgnoMYh6ahbOuWTN7/s1600/david-bowie-blacks_3530005b.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="248" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiGu7Rd7rfVBU3SRvIyDMgjRbtapNZ1lPNcRU9qE83fKUSKR6IkEhj6t6M-TvBVTU5-9YQcr0n772iEf4w3hzmFVO9BOImsxofRA_GophWBG17_I1dzuWhEoC3Q8Y6ZgnoMYh6ahbOuWTN7/s400/david-bowie-blacks_3530005b.jpg" width="400" /></a><span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">"Look up here, I'm in Heaven". </span><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O homem que nos convida a olhar para cima e vê-lo no
paraíso está num quarto sombrio, levitando sobre a cama. Tem um aspecto
emaciado, a pele pálida e os olhos tapados por uma ligadura, enquanto sobre
esta, no lugar dos olhos, estão dois botões negros. Mais acima, os cabelos em
pé, agora prateados, não parecem em perigo. Pouco a pouco, o espectador percebe
que aquele personagem é Lázaro, que biblicamente ressuscita quatro dias depois
da sua morte; a música que acompanha o vídeo – um jazz negro vocal – tem por
título “Lazarus”.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O nome do actor é
David Bowie, representando-se a si próprio nas arrepiantes imagens que nos
deixou apenas dias antes de morrer. “Lazarus”, o vídeo, foi gravado em apenas
um dia de Novembro de 2015 – ou para ser mais preciso, em apenas cinco horas:
os tratamentos que Bowie seguia tinham-no fragilizado a tal ponto que qualquer
tempo a mais seria desaconselhável. E todos os cuidados com o seu belíssimo
cabelo eram poucos, dado que após a quimioterapia existia o risco de qualquer
puxadela o fazer cair em tufos.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O cantor sabia há
seis meses que o seu cancro no fígado, possivelmente provocado por anos de
abuso de drogas e tabaco, era terminal. Sabia, portanto, que não lhe restava
muito tempo para completar o seu mais extraordinário projecto: um último
trabalho que fosse muito mais do que um (excelente) álbum musical, constituindo
um testamento público – e uma despedida macabra. Logo, Bowie acelerou, e aos
que com ele trabalharam pediu o mesmo. Ao realizador de “Lazarus” avisou-o de
que talvez viesse a ser necessário de um sósia para completar as filmagens; mas
no vídeo final é mesmo o artista quem dança em pose, quem escreve febrilmente
as suas ideias infinitas e quem canta “agora serei livre” antes de se enfiar
dentro de um armário com fortes semelhanças a um caixão. Por um segundo, ainda
vislumbramos a mão que lentamente fecha a porta sobre si. Nunca mais veremos
Bowie.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">“Blackstar”, o álbum
aberto ao mundo a 8 de Janeiro (dia de aniversário de Bowie, e dois dias antes
da sua morte), é música feita por um artista que contempla a sua própria
sepultura. Pressentindo a chegada da morte, Mozart também procurou apressar o
seu Requiem, sem sucesso. Beethoven, já surdo e fraco, completou ainda uma
Grande Fuga que foi tão mal recebida publicamente que levou o grande compositor
a alterar mais uma vez o final da Op. 130, o seu último trabalho. Bach, já no
seu leito de morte, cego e a recuperar de um ataque cardíaco, não deixou de ser
perfeccionista e ditou correcções a uma pequena peça coral, alterando-lhe
também o nome para “Perante o Teu trono agora me apresento”. Uma forma serena e
crente de terminar a vida e a carreira, diferente do dramatismo teatral e
altamente mediático de David Bowie.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">É que com ele
desaparece também a possibilidade de um artista cativar toda uma geração, quase
atingindo a impossível unanimidade de públicos completamente fragmentados numa
miríade de estilos musicais diferentes. A carreira deste jovem de Brixton, em
Londres, confunde-se com a própria História da música moderna, que seria bem
diferente se o seu talento nunca tivesse sido descoberto. Tantos são – eu incluído,
obviamente – os que têm a agradecer-lhe a “banda sonora das suas vidas”… </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Bowie, o homem que
estava sempre à frente do seu tempo, o “homem que tinha caído na Terra” (título
do primeiro filme que protagonizou), era simultaneamente um génio renascentista
pois destacava-se em diferentes campos artísticos, na imagem, no teatro, no
cinema, na moda, até na pintura. A esta espécie de Da Vinci renascido das
cinzas é inevitável prestar uma homenagem sentida no momento em que ele se
torna a estrela negra que tinha profetizado, voltando às cinzas. </span><i style="mso-bidi-font-style: normal;"><span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Ashes to Ashes.</span></i><span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;"></span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-59910712320050672832016-03-08T15:50:00.000+01:002016-03-08T15:50:03.162+01:00Submissão<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">“Submissão” de Michel Houellebecq é talvez o livro mais
controverso de 2015. Numa macabra coincidência, o livro foi publicado em França
no mesmo dia dos ataques ao Charlie Hebdo, o que o tornou estranhamente
premonitório; ainda no mesmo dia, saiu uma entrevista do autor que afirmava
“haver um desprezo total pelas autoridades neste país, e sente-se que tal não
pode continuar. Algo terá de mudar. Não sei bem o quê, mas algo”.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Muita coisa mudou naquele dia odioso, e o livro, que é
uma ficção política, acertou em cheio no seu nervo. A acção passa-se em 2022, e
de forma a impedir a vitória da Frente Nacional de Marine Le Pen nas
presidenciais, o Partido Socialista e a UMP aliam-se ao novo Partido da
Irmandade Islâmica e ao seu carismático candidato, Mohammed Ben-Abbes, que
vence e se torna Presidente de França. A terra da Liberdade, Igualdade e Fraternidade
muda para sempre. Ben-Abbes proíbe professores não-muçulmanos, e o outrora
“sexo fraco” reencontra o sentido destas palavras: a poligamia é legalizada, as
mulheres proibidas de trabalhar, tornadas crentes forçadas e obrigadas a usar
roupas “que não aticem o desejo”.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Por vezes a realidade ultrapassa a ficção; outras vezes
imita-a. A presidente da Câmara usou quase as mesmas palavras no desastroso
rescaldo das agressões sexuais ocorridas em Colónia na noite de passagem para o
ano 2016, quando hordas de homens “de aspecto árabe” atacaram, roubaram,
humilharam, apalparam e, pelo menos num caso, violaram as mulheres que apenas
se queriam divertir e viver a vida numa cidade, país e continente onde, até
agora, parecia ser possível fazê-lo. Mas de acordo com Henriette Heker, já não
é: primeiro a burgomestre ficou muito perto de culpar as vítimas por terem sido
agredidas, e alguns dias depois sugeriu um perfeitamente imbecil “código de
conduta” para as mulheres de Colónia: não usar saias; ficar sempre à “distância
de mais de um braço” de estranhos; ficar dentro “do seu grupo” (logo, não andar
sozinhas); pedir ajuda a estranhos se estiverem ameaçadas. Um código de conduta
provavelmente inspirado naquele vigente em áreas controladas pelos taliban ou
pelo Daesh. Um código submisso.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;"></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-d2cXOIlnk4gVcbx4gHhMVbav0RwZQFyRzSzxIaMSQVShlOofzumSIaNzaLjpCtH2lIb0mgyoeqm8TZfIYSwRaT39nPya6UGKks4WRwVLIYmUBf7pi5E35rFnp5X18DLh6RxNkFoV8RQh/s1600/image-941115-breitwandaufmacher-rgky-941115.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="236" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj-d2cXOIlnk4gVcbx4gHhMVbav0RwZQFyRzSzxIaMSQVShlOofzumSIaNzaLjpCtH2lIb0mgyoeqm8TZfIYSwRaT39nPya6UGKks4WRwVLIYmUBf7pi5E35rFnp5X18DLh6RxNkFoV8RQh/s640/image-941115-breitwandaufmacher-rgky-941115.jpg" width="640" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">A senhora Heker – e não é indiferente que se trate de uma
senhora, pois um político homem não poderia ter proferido estas pérolas e
manter-se num cargo público – atraiçoou todos os que a elegeram há apenas três
meses, após uma campanha em que, pelas suas posições pró-imigração, foi
esfaqueada por um homem desequilibrado. As cidadãs europeias não esperam que os
seus líderes políticos as culpem por serem assaltadas e lhes cerceiem as
liberdades de uma sociedade igualitária que levaram séculos a conquistar
(tarefa ainda não terminada). E os europeus não esperam que a máquina do
Estado, muito competente a controlar os impostos, a nossa utilização da
internet ou o nosso tempo de estacionamento, se demita pura e simplesmente de
garantir a ordem pública e a integridade física de quem nele vive, ao mesmo
tempo que faz recair a maior parte do ónus da absorção e integração de um
gigantesco fluxo de refugiados nos mesmos cidadãos. Construímos as sociedades
mais justas e livres do planeta e esperamos que quem nos lidera seja pelo menos
capaz de as defender tão bem como nós.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Mas esta é a visão de pormenor. Uma visão de conjunto
realça questões políticas mais profundas, das quais a menor não será a
inabilidade que a esquerda (sobretudo esta, mas também parte do centro-direita)
tem em obter a quadratura do círculo: defender uma sociedade progressista, com
igualdade de direitos, deveres e oportunidades, que defende a liberdade de
pensamento, de culto ou simplesmente de ser diferente – e ao mesmo tempo, apregoar
o direito alienável que as pessoas têm em fugir da guerra e da opressão, sendo
acolhidas em locais mais afortunados sem serem vistas como uma praga de
gafalhotos. Basta de ingenuidade, é necessário tomar opções difíceis, fazer
muito mais junto de todas as partes interessadas, e sim – adoptar regras do
jogo mais duras na admissão e controlo de quem quer viver na Europa. As
alternativas residem em que, por razões erradas, todo o poder mude para mãos
perigosas – de um lado os vários neonazismos, do outro o fundamentalismo
islâmico, existe o perigo real de que o nosso futuro seja feito de submissão. </span><span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Como nos livros
premonitórios.</span><span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;"></span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-75136461789894143622016-03-08T15:47:00.002+01:002016-03-08T17:34:59.890+01:001916<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Henry Ford, o homem
que com métodos implacáveis ajudou a massificar o automóvel, via-se a si
próprio como o protótipo do “Homem Novo” que iria ajudar a Humanidade a cortar
com o passado e evoluir desenfreadamente. Nesse contexto, Ford afirmou,
peremptório: “a História não passa de uma grande treta”. O industrial americano
também famigerado pelo seu anti-semitismo viria mais tarde a tentar
desculpar-se por estas palavras. O curioso é que a frase foi proferida
exactamente há um século, em 1916 – um ano significativo como poucos, cheio de
eventos desastrosos cujas consequências perduram até aos nossos dias.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O mundo tinha
enlouquecido. A Grande Guerra tinha começado por disputas orgulhosas entre
cabeças coroadas que, embora de impérios diferentes, pertenciam à mesma família
(a excepção é o presidente francês Poincaré, talvez o principal instigador do
início da catástrofe); os soldados mobilizados naquele outono de 1914
acreditavam jovialmente já poder vir passar aquele Natal a casa. Na verdade,
milhões não passaram mais nenhum Natal na Terra, e em 1916 a guerra tinha
mudado de natureza. A ideia de que a dinâmica ofensiva e a estratégia no terreno
eram suficientes para derrotar defesas entricheiradas e equipadas com armas
modernas estava, também ela, a morrer; no seu lugar tinha nascido, dos dois
lados da barricada, uma convicção fatalista que a guerra era interminável,
inútil e impossível de ser ganha, tendo-se transformado numa máquina
trituradora cujo único propósito seria o de devorar carne para canhão.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Duas batalhas
contribuíram decisivamente para se chegar a este ponto, batalhas cujos nomes
viverão para sempre como sinónimos de infâmia: Verdun e Somme. Ambas se
desenrolaram em 1916. Verdun foi, muito simplesmente, a batalha mais longa da
História da Humanidade, 10 longos meses de Fevereiro a Dezembro que provocaram
a morte de 700 000 franceses e alemães e traumas para a vida em muitos mais, 10
meses em que a aldeia de Fleury mudou de bandeira por 16 vezes, 10 meses após
os quais os dois campos ocupavam exactamente as mesmas posições em que
começaram. No Somme, a 1 de Julho, os britânicos sofreram o pior dia de sempre
do seu exército (57 000 perdas, homens enviados com uma espingarda e um cantil
contra uma impressionante barreira de canhões alemães) e a carnificina
continuou por meses até tomar 1,5 milhões de vidas, vindas de todo o mundo para
lutar pelo seu imperador e conquistar, no total, uns meros 9 km de terreno.</span><br />
<br />
</div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;"></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9G1icqMdim-KPMyVbz9UKAC5tl869dXsgjn-OFH2V2ZoTMgJVyHC0fHth75x8M1KnMRQQi2tyFvNs8DnQADCeEFs6btTXWg3Seq9bH7JpzDhcnRAQJMkZa06J_FxMlGpCGbBwRMOv3oE3/s1600/dec-15-battle-of-verdun.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="298" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEi9G1icqMdim-KPMyVbz9UKAC5tl869dXsgjn-OFH2V2ZoTMgJVyHC0fHth75x8M1KnMRQQi2tyFvNs8DnQADCeEFs6btTXWg3Seq9bH7JpzDhcnRAQJMkZa06J_FxMlGpCGbBwRMOv3oE3/s400/dec-15-battle-of-verdun.jpg" width="400" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">A combinação de
lama, canhões, futilidade e mortes em massa fez mover para sempre as placas
tectónicas de um mundo que não parou de acelerar desde então. Na frente leste,
o império Austro-Húngaro desfazia-se aos poucos dando origem a um novo fenómeno
que não parou de criar instabilidade desde então: o nacionalismo. Entretanto, a
Alemanha, desejosa de se desfazer do czar russo e livrar-se assim de um
inimigo, começa a apoiar um jovem revolucionário a preparar a sua tomada do
poder: o seu nome era Lenine, e o mundo não mais será o mesmo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Sem o saberem, as
grandes potências europeias, ou seja a própria Europa enquanto centro do mundo,
vivem em 1916 o seu último ano de uma supremacia global que se tinha iniciado
com os Descobrimentos. Nesse ano a Irlanda revolta-se pela primeira vez,
marcando o início do declínio de um império, o Britânico, onde “o sol nunca se
punha”; será uma jovem nação ambiciosa, os Estados Unidos, a desequilibrar a
balança da guerra e tomar o seu lugar, tornando-se o polícia do mundo. Mas a
Europa não sairá de cena sem o seu canto do cisne: um diplomata britânico e um
francês, o sr. Sykes e o sr. Picot, assinam um tratado que divide abruptamente
o Médio Oriente em zonas de influência dos seus países. A divisão é feita em
linhas rectas, sem olhar a povos, culturas ou religiões, criando um barril de
pólvora permanente. Hoje, 100 anos depois, o Estado Islâmico desenvolve-se
precisamente numa dessas fronteiras artificiais, entre a Síria francófona e o
Iraque anglófono. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">De 1916 a 2016, em
linha recta.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-33509245657905402122016-03-08T15:42:00.000+01:002016-03-08T15:42:28.004+01:00O Cálice de Fogo<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="color: #222222; font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Em “Harry Potter e
o Cálice de Fogo”, a escritora inglesa Jo Rowling desenvolve o sistema de
personagens da sua série de ficção adolescente criada e largamente inspirada em
elementos da cidade do Porto (onde Rowling vivia, teve uma filha e escreveu
grande parte do primeiro volume da série, quando era ainda uma professora
anónima e infeliz).</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcRATmdNj_9hZICzfVJFYz5Xz310H8NwvFmuByJNTDm2IgfVTXtF0myi0vXKhrJ2OpYTfb_VR9642xZeANC9WJTxb8d_H604beG3gX5ljcqIwi2l6MpmUGLaZVMFydmL9goscJtWg-p_RP/s1600/incendio3.jpeg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="250" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgcRATmdNj_9hZICzfVJFYz5Xz310H8NwvFmuByJNTDm2IgfVTXtF0myi0vXKhrJ2OpYTfb_VR9642xZeANC9WJTxb8d_H604beG3gX5ljcqIwi2l6MpmUGLaZVMFydmL9goscJtWg-p_RP/s400/incendio3.jpeg" width="400" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
</div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="color: #222222; font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">No livro, o fogo do
título refere-se a um elemento místico, misterioso, insondável. Mas na vida
real é frequente que o fogo nos recorde que ainda não está domado, demonstrando
o seu lado implacável e voraz. Assim aconteceu há uma semana em São Paulo,
quando um rápido incêndio destruiu o Museu da Língua Portuguesa. Um museu que,
talvez mesmo sem o saber, todos nós partilhávamos. Um lugar de celebração deste
nosso bem tão precioso, mas também de comunhão entre todos aqueles que temos a
sorte de a falar, e de reverência para os mais dignos vultos que a elevaram aos
píncaros, a ela, língua portuguesa, a quem Pessoa - objecto de uma magnífica
retrospectiva no museu, ainda em 2010 - chamava poética e (também) amargamente
"a minha pátria".</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="color: #222222; font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">São Paulo, a maior
cidade no mundo a falar português (com perto de 20 milhões de habitantes na sua
área metropolitana, é também a mais populosa do continente americano e de todo
o hemisfério sul), não é virgem nestes desastres culturais provocados pelo fogo
– três outros locais importantes sofreram incêndios nos últimos anos, expondo
falhas profundas ao nível da vigilância e do combate às chamas. Mas ver
desaparecer o Museu da Língua Portuguesa é uma espinha cravada mais fundo, e
desde logo pela beleza do edifício: construído no início do século XX, a
imponente Estação da Luz tinha como missão centralizar os comboios da grande
cidade – e o museu simbolizava a sua recuperação depois de meio século de
decadência, iniciada por outro incêndio em 1946…</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="color: #222222; font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Este museu era
diferente. As suas colecções eram interactivas, evolutivas, brincalhonas; ao
invés de adoptar o tom sério e professoral com que tantas vezes, e sobretudo
pelos portugueses, se ensina e se “vende” o português, o MLP celebrava a
diversidade das diferentes versões, sotaques e utilizações da língua,
procurando chamar a atenção para aspectos menos conhecidos da sua origem bem
como da actualidade. Nunca se tinha feito um museu assim, voltado para a
língua. Os brasileiros médios encontravam ali um enquadramento orgulhoso para
este património que, mal ou bem, são os únicos a defender por esse mundo fora,
quase sem ajuda dos portugueses; os portugueses saíam do museu com uma
inconfundível sensação mista de orgulho e inveja, esta última por não terem
sabido criar um espaço minimamente comparável; e mesmo quem não fala português
ficava entretido com a sua sonoridade extraordinária e o seu lado lúdico
passível de ser ali explorado, sem escusada reverência. Isso traduzia-se em ter
Camões a partilhar a “praça da língua” com Chico Buarque, ou ver a cronologia
de uma língua que parte de elementos do latim e do etrusco antigo até ser
moldada pelas rimas de um <i style="mso-bidi-font-style: normal;">rapper</i>
paulista, por exemplo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="color: #222222; font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Curiosamente, na saga
de Harry Potter (bem traduzida para português, felizmente), ao livro sobre um
“cálice de fogo” seguiu-se um livro sobre “a Ordem da Fénix”. E é exactamente
uma fénix aquilo em que o museu se pode tornar, renascido das cinzas e tornado
ainda mais forte. Devido à natureza interactiva e contemporânea do museu, todo
o seu acervo estava já digitalizado e pode ser recuperado – ou seja, existe o
proverbial <i style="mso-bidi-font-style: normal;">backup</i>. As perdas são
sobretudo arquitectónicas, mas mesmo aí os poderes públicos brasileiros já
garantiram a reconstrução do edifício (e o novo governo português, pela voz do
ministro da Cultura, já prometeu apoio “no que puder”). A língua portuguesa
merece-o, e nós, os seus utilizadores, os seus amantes, também; afinal, estamos
cansados dos maus tratos que quotidianamente lhe são infligidos. </span><span style="color: #222222; font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Até pelo fogo!</span><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;"></span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-23654649382828487182016-03-08T15:37:00.002+01:002016-03-08T15:37:59.810+01:00O império contra-ataca<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Talvez não haja
nenhum anúncio televisivo mais inadvertidamente irónico que o da Volkswagen em
2011. A empresa alemã pagou então uma enorme soma de dinheiro pelos direitos de
utilização das personagens de “Guerra das Estrelas”, e nomeadamente de Darth
Vader. Na publicidade, uma criança disfarçada com a máscara do sinistro
personagem descobre “a Força” que emana do (então) novo modelo Passat diesel,
cuja grelha frontal tem oh-tantas-semelhanças visuais com o vilão mais
conhecido da História do cinema.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZp0FCOA_xHtFSFaHHYnFEvH3bmsDtcehY-sv3ucp9VxrL62DKCj95EFqKDRIKcpAWWejUs-9EvIJLApJWLTyn666zNsLaDxK7D4B8Ka3dF2xUnGOgzYK5_-_OLYxgJfXSZ2cARXj4S630/s1600/VW+Darth+Vader+92815.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="230" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhZp0FCOA_xHtFSFaHHYnFEvH3bmsDtcehY-sv3ucp9VxrL62DKCj95EFqKDRIKcpAWWejUs-9EvIJLApJWLTyn666zNsLaDxK7D4B8Ka3dF2xUnGOgzYK5_-_OLYxgJfXSZ2cARXj4S630/s320/VW+Darth+Vader+92815.png" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Mas, como diria a
canção, “que força é essa, que força é essa?” É uma força fraudulenta,
conseguida à custa de emissões para o ar que respiramos de partículas altamente
nocivas – e daí a suprema ironia de usar Darth Vader, um personagem com
notórias dificuldades respiratórias - em concentrações que chegam a ser 40
vezes superiores ao anunciado, e o anunciado já seria muito mau... As
partículas nem sequer constituem todo o problema, dado que os números oficiais
de consumo e de emissões de dióxido de carbono nos motores a diesel também
estão longe da negra fuligem da realidade; mas enquanto estes números só nos
afectam indirectamente, as partículas de NOx matam-nos aos poucos e muito
directamente.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O escândalo
Volkswagen revelou tantos podres que ameaçou, por momentos, pôr em risco a
própria sobrevivência da empresa; também questionou a racionalidade de aplicar
tecnologia tão poluente em pequenos carros de passageiros. Mas os interesses em
jogo são de tal ordem, a quantidade de dinheiro que poderia deixar de fluir é de
tal forma infinita, que, tal como no melhor filme da saga operática-espacial,
também aqui O Império Contra-Ataca. Terminou o período (de meses) em que a
reacção da Volkswagen, apanhada em flagrante, foi impreparada, tonta e cómica,
cheia de contradições, mentiras e desculpas balbuciadas. Na última semana, o
grupo alemão explicou-se numa mega-conferência de imprensa onde a ideia-chave
foi minimizar sistematicamente os problemas, atirando-os ao mesmo tempo para as
costas de “alguns indivíduos e unidades isoladas dentro da empresa”. Em seguida
vieram as tentativas insistentes de virar as nossas cabeças (e pulmões) de
consumidores do presente, apontando-os para um futuro mirífico. Um futuro em
que os motores diesel começam a ser reparados na Europa (mas não nos Estados
Unidos, cujos padrões ambientais mais exigentes são difíceis de atingir sem
batota). Um futuro em que a cultura da empresa vai supostamente melhorar,
tolerando o erro, gastando menos tempo em viagens e reuniões e mais em
efectivamente projectar e construir melhores carros.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Essas são as
palavras musicais proferidas para o público. Em privado, dois dias depois, o
império automóvel alemão contratou um aliado poderoso: Kenneth Feinberg, um
super-advogado que se especializou em processos envolvendo compensações em
massa. Foi Feinberg que lidou com os milhares de processos por compensações
devidas depois dos atentados de 11 de Setembro, do derrame da plataforma BP no
Golfo do México, e da ignição de carros General Motors cujo funcionamento
defeituoso acaba de custar 550 milhões de euros à empresa - mas não sem antes
provocar 124 mortos e 275 feridos em acidentes arrepiantes. O facto de a
Volkswagen, para se tentar proteger, ter de recorrer ao homem com experiência
em gerir ataques terroristas e desastres ambientais diz bem sobre a dimensão da
catástrofe.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O
escândalo é de tal magnitude que até os amordaçados poderes políticos europeus
sentiram a necessidade de investigar. O Parlamento Europeu acaba de constituir
(mesmo com os votos contra de toda a direita, sempre encarniçada na sua defesa
das grandes multinacionais quando estas se opõem aos cidadãos) uma comissão de
inquérito sobre o “dieselgate” - durante um ano, os eurodeputados vão ter
poderes alargados para descobrir quem enganou os cidadãos, até que ponto, e com
que cúmplices governamentais. O relatório final pode vir a ter consequências
explosivas - e 2015 pode ficar na História como o ano em que o diesel começou a
desaparecer. Esperemos que sim, até porque as máscaras de Darth Vader são
caras.</span>Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-66729140684420205212016-03-08T15:35:00.000+01:002016-03-08T15:35:07.470+01:00De vitória em vitória até à derrota final<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Paris. Vértice da
civilização ocidental, construção real como imaginária de diferentes vontades,
sonhos e realizações. E como cidade global, Paris apresentou-se como anfitriã
da “cimeira da última oportunidade”: ou os líderes mundiais chegavam a um acordo
para limitar as emissões de gases e salvar a Terra do futuro, ou seria
demasiado tarde.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">A dramatização
ajudou a negociação, claro. Sem esse sentimento de ter os olhos ansiosos e
reprovadores da população postos sobre si, os líderes políticos estariam muito
menos preocupados em conseguir algum tipo de acordo. Mas essa mesma
dramatização ajudou à criação de uma narrativa política autocongratulatória,
onde o problema é vendido como titânico e as possibilidades de conseguir algo
de positivo consideradas como muito baixas, para que no final qualquer acordo
seja apresentado como um enorme alívio e uma retumbante vitória – e os seus
obreiros políticos, claro, vistos como autênticos heróis.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O guião foi seguido
à risca, os líderes mundiais foram pressurosos a anunciar uma “vitória
histórica” logo no sábado à noite, e a imprensa mundial alinhada serviu-lhes
mais uma vez de caixa de ressonância com títulos feitos a metro. “Acordo
ambicioso”, “186 países signatários”, “Aumento da temperatura contido a +1,5
ºC”. Foi um fim de semana recompensador em termos de notícias mundiais, se
também contarmos as eleições na Arábia Saudita (onde mulheres puderam ser
eleitas pela primeira vez) e as regionais em França (onde uma mulher, líder da
Frente Nacional, ficou de mãos vazias).</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-omYXVUtFNV6jeS8LzOuwjXMze9z5g-FKTTwEPWMaFrnxEtJcVPi-2-UuQTLYWwnvHqiI1ZRAQIyhGpzhTDktNThbOAvPckuyxScBVRW9UrR9RvDXyyk7pmdqKe4MtCXlmVi-W95VxT6o/s1600/7-most-terrifying-global-warming.jpg.644x0_q70_crop-smart.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="259" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEg-omYXVUtFNV6jeS8LzOuwjXMze9z5g-FKTTwEPWMaFrnxEtJcVPi-2-UuQTLYWwnvHqiI1ZRAQIyhGpzhTDktNThbOAvPckuyxScBVRW9UrR9RvDXyyk7pmdqKe4MtCXlmVi-W95VxT6o/s320/7-most-terrifying-global-warming.jpg.644x0_q70_crop-smart.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Pouco a pouco, no
entanto, a realidade teimou em vir à tona. Uma pouco noticiada mas enorme
manifestação de 15000 desfilou em Paris para protestar contra o acordo, o que
não faria sentido se este fosse a panaceia anunciada. E o cientista James
Hansen, uma voz respeitadíssima que é amiúde considerado o “pai” das ciências
climáticas após ter divulgado o efeito de estufa provocado por alguns gases
ainda em 1988, não teve meias palavras ao classificar o que se passou em Paris
como uma “fraude” e uma “falsidade”.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Apontar para um
objectivo de “apenas” 1,5 ºC graus de aumento de temperatura global é uma
espécie de resolução de Ano Novo: uma intenção louvável que não passará disso
se a determinação falhar e os meios não existirem. Hansen avisa que isto não
passa de uma promessa vazia, “só palavras, nada de acção”. Os combustíveis
fósseis podem ter visto em Paris o início do seu declínio, mas continuarão a
ser os mais baratos, pois continuam livres de taxação ecológica – uma conquista
das petrolíferas em Paris. E as emissões provindas de transportes, a indústria
mais poluente do planeta, nem sequer são consideradas no acordo – mais uma
conquista de lobbyistas poderosos em relação ao texto final. Texto esse que não
inclui na sua parte obrigatória as contribuições de cada país – ou seja, a
parte das medidas concretas cabe às melhores decisões de cada um, e isso é uma
história que raramente tem um final feliz. Actualmente, as propostas actuais de
cada país já significam um aumento a longo prazo de de 3,7 ºC.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">A diferença parece
subtil mas na realidade é catastrófica. A esse nível, metade das ilhas do
Pacífico desaparecem, e metrópoles costeiras como Barcelona, Nova York ou
Shanghai ficam ameaçadas devido à subida do nível dos oceanos. Além disso a
água potável do mundo reduz-se em um terço, e as colheitas em 25%, tornando a
vida no planeta insustentável para grande parte da Humanidade. Paris, “uma
grande vitória”, como outros acordos antes assim foram anunciados. E assim
vamos de vitória em vitória, até à grande derrota final.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-70242554048671750442016-03-08T15:30:00.001+01:002016-03-08T17:30:18.617+01:00Acabem com a Segunda Emenda<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Mais uma semana,
mais um ataque selvagem. Uma festa entre colegas de trabalho na Califórnia é
devastada por um casal de cobardes de forma particularmente atroz. O homem, que
todos os dias trabalhava com aqueles que assassinou, ouve um comentário
trocista sobre a sua barba e sai furioso em direcção a casa; passados não mais
de 20 minutos volta, vestido com roupas militares de fancaria e acompanhado da
sua esposa, e vinga a sua “humilhação” disparando 90 balas que matam 14 pessoas
(ironicamente 6 delas eram homens com barba) e deixam 21 em estado grave.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">É tristemente óbvio
que a matança não foi originada por algum tipo de ofensa pessoal. O casal tinha
alugado um jipe há quatro dias e alimentava um verdadeiro arsenal pronto a
utilizar; a esposa, que já tinha sido uma “mulher moderna” quando vivia no
Paquistão, frequentava agora nos Estados Unidos uma seita que levava mulheres a
“descobrir o islão”, mas na realidade levando-as aos limites do radicalismo. O
marido, reservado, taciturno, era um muçulmano devoto que demonstrava uma
predilecção obsessiva por armas de fogo. Mas mais uma vez os comportamentos
suspeitos passaram despercebidos a todos os sofisticados esquemas de vigilância
que nos vigiam a todos, cidadãos comuns de democracias supostamente livres.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;"></span></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaj9VImSRF-QWTSLIpQW0cVy7-3RbH954UH_QPvKaPcipKXN8pGR1rSZ4q5GvIrVZj_YNMtvKPUGEr9d9C7xxAgU2hMOCmBPZOhzwYs9boH_7OxxthJ_z34-IUclkoZyh7I_nJLBDmcFTf/s1600/san+berna.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhaj9VImSRF-QWTSLIpQW0cVy7-3RbH954UH_QPvKaPcipKXN8pGR1rSZ4q5GvIrVZj_YNMtvKPUGEr9d9C7xxAgU2hMOCmBPZOhzwYs9boH_7OxxthJ_z34-IUclkoZyh7I_nJLBDmcFTf/s320/san+berna.jpg" width="320" /></a></div>
<br />
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O problema é que nos
Estados Unidos, matar pessoas com uma arma semi-automática já quase nem é
notícia, antes um dano colateral de uma sociedade que fez escolhas ideológicas
igualmente extremistas. O rescaldo deste último massacre trouxe-nos um dado
absolutamente estarrecedor: nos últimos 1066 dias, aconteceram nos EUA 1052
tiroteios em massa.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Tirando os feriados,
dá uma média superior a um atentado por dia.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Um tiroteio em massa
é definido por um incidente em que pelo menos quatro pessoas, entre mortos e
feridos, são atingidas por balas. E nos últimos três anos aconteceu um… por
dia. Em um país apenas. Com um total macabro de 1347 mortos e 3817 feridos
(graves, necessariamente, que apanhar com uma bala não deve ser agradável). A
isto há que somar as outras vítimas em incidentes mais isolados – as armas de
fogo matam ali 13000 pessoas por ano, 300 vezes mais do que em Portugal ou em
França, por exemplo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Isto acontece,
claro, porque a cultura estado-unidense glorifica a violência. Desde tenra
idade, uma criança é ali exposta a milhões de assassínios televisivos antes de
atingir a idade adulta; uma percentagem enorme da população pratica o tiro por
desporto; há 270 milhões de armas a circular pelo país – uma média de quase uma
por habitante… E claro, existe a Segunda Emenda, um aditamento à Constituição
que garante a cada americano o direito a possuir armas, escrito há mais de dois
séculos para permitir aos colonos defenderem-se do exército britânico numa
altura em que a ex-colónia americana não tinha exército e as espingardas
disparavam uma bala a cada 20 segundos. Há dias, o casal de terroristas tinha
consigo 1400 balas prontas a disparar em pouco mais do que esses 20 segundos.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Por tudo isto o
venerável New York Times escreveu, pela primeira vez em um século, um editorial
de primeira página: “Acabem com a epidemia de armas na América”. Nele verbera,
finalmente, os que votam em líderes políticos que demonstram publicamente muito
pesar e encomendam orações fervorosas, mas que em seguida protegem, contra a
segurança dos seus concidadãos, os privilégios e os lucros da indústria de
armamento – lucros de que, obviamente, os mesmos políticos também partilham. </span><span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Nada
vai melhorar por ali.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-27840592326303555652016-03-08T15:26:00.003+01:002016-03-08T15:26:38.556+01:00Good COP/bad COP<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Qualquer pessoa que
veja filmes americanos o sabe: a estratégia para fazer falar um suspeito é
metê-lo numa sala com dois polícias, o mau e o bom (“good cop/bad cop”); o mau
ameaça o bandido com décadas de cadeia, o bom tenta ganhar a confiança do
meliante, diz que está ali para o ajudar se ele colaborar, acalma o parceiro…
no caso seguinte, os polícias trocam de papel.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMrD-qRYpWMME8uTzozRrbSZ0sA486nTE3oc2kAvIbROG6-NNWNIxPStIvoCQ8vrJV2vTuMct3UdLdfp0UCsiPTMc8RZ8Kygst-L-7PZDat7EDptOBKZz0Pejyxf0dgdpMHG37eE6LIcn_/s1600/cop21-paris.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhMrD-qRYpWMME8uTzozRrbSZ0sA486nTE3oc2kAvIbROG6-NNWNIxPStIvoCQ8vrJV2vTuMct3UdLdfp0UCsiPTMc8RZ8Kygst-L-7PZDat7EDptOBKZz0Pejyxf0dgdpMHG37eE6LIcn_/s320/cop21-paris.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Esta é um pouco a
metáfora da Conferência sobre o Clima que começou esta semana em Paris – a COP
(Conferência das Partes). O mundo político reúne-se em mais uma tentativa para
limitar as alterações climáticas. E os líderes dos maiores países, os que
contribuem de forma mais significativa para aumentar as emissões de gases
poluentes, expressam-se em coro alinhado. “Sim, as alterações climáticas são um
grande desafio que se nos coloca. Sim, apenas uma acção decisiva e concertada
de todo o planeta será capaz de responder adequadamente. De Paris terá de sair
um acordo firme e ambicioso que consiga controlar as emissões globais. E sim,
claro, o país que eu lidero está na linha da frente, a fazer um enorme
esforço!”</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Mas as belas
palavras são contrabalançadas por um discurso mais assustador – e mais
inconvenientemente realista. Os presidentes do Quiribati e das Maldivas, por
exemplo, apelaram a que se faça algum combate de concreto, mas sublinharam que
para eles já é tarde: as suas populações já fizeram as malas e estão preparadas
para abandonar as ilhas, em breve submersas. E os países em desenvolvimento,
hoje em dia já responsáveis por 65% das emissões globais, continuam a insistir
que as “responsabilidades históricas” dos países mais ricos devem fazer cair o
grosso dos esforços de redução para o nosso lado, enquanto a China e a Índia
abrem a cada ano dezenas de centrais de queima de carvão – essa divisão entre
países mais ricos e aqueles em vias de o ser foi afinal o que provocou o
falhanço de todas as outras cimeiras até agora, desde a do Rio de Janeiro em
1992 até Lima em 2014. As probabilidades de novo estrondoso fracasso em Paris
são enormes.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">É irónico. O que
está em cima da mesa é simplesmente a manutenção do planeta Terra de forma a
que a espécie humana nele possa sobreviver – dir-se-ia que o tema merece alguma
da nossa atenção. Alguns factos que resumem a dimensão do problema: 13 dos 14
anos mais quentes de sempre aconteceram neste século, e 2015 será o mais quente
de toda a História; isto acontece porque a concentração de CO2 na atmosfera é a
maior dos últimos 800 000 anos, e está sempre a aumentar. Além da subida da
temperatura, há mais fenómenos climáticos extremos e uma subida rápida do nível
dos oceanos devido ao derretimento dos gelos polares – nos últimos 35 anos
perdemos ali o equivalente à área de toda a Europa Ocidental. O custo da
inacção passada é tremendo, já só podemos limitar os danos. Mesmo adoptando
todas as medidas propostas em Paris, no ano 2100 a temperatura do planeta será
ainda assim de +2,7 ºC em relação aos níveis pré-industriais; o custo de não
fazer nada será, por outro lado, um aumento de 4,5 ºC que tornará a vida neste
planeta inviável para a maior parte dos seres vivos, privados de água e comida.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">As
perspectivas de longo prazo não são nada boas. E foi o líder das Nações Unidas,
Ban Ki-moon, a colocar a cereja no topo do bolo lembrando que as alterações
climáticas também alimentam as ameaças de curto prazo: foram as secas extremas
de 2006 na Síria a impelir vagas enormes de refugiados climáticos para as
grandes cidades, cidades onde não encontraram empregos, perspectivas nem paz –
facilitando assim o trabalho dos cantos de sereia do Daesh para o recrutamento de
fanáticos capazes de levar a cabo atentados na mesma Paris onde, por dez dias,
o mundo se encontra em busca de alguma redenção. </span><span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">É o fechar do macabro círculo.</span>Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-7905925628362542712016-03-08T15:21:00.001+01:002016-03-08T15:21:49.140+01:00Burros de Tróia
<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">E ao terceiro dia, a
polícia francesa viu o cérebro do ataque, Abdelhamid Abaaoud, a dar entrada num
prédio do subúrbio parisiense de Saint-Denis. Abaaoud estava acompanhado por
uma suposta prima, Hasta Boulahcen – uma eterna adolescente cujas ocupações
eram vender droga e glorificar o Daesh nas redes sociais; dentro do apartamento
já se encontravam outros cúmplices.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Às 4:20 da madrugada
seguinte, ou seja há exactamente uma semana, a polícia atacou. Seguiram-se seis
horas de cerco implacável, em que os terroristas usaram mais uma vez uma
brutalidade desumana apoiada em munições pesadas, granadas e explosivos. Saldo
final, quatro mortos – incluindo os personagens já referidos e o cão-polícia
Diesel –, mais cinco detidos.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">O momento de
tragicomédia já tinha acontecido na fase inicial do cerco, ainda estava escuro:
as câmaras de televisão entrevistam um jovem árabe que se identifica como o
proprietário do apartamento onde se refugiam os terroristas. Com a melhor cara
de inocente que conseguiu mostrar, Jawad B. encolhe os ombros: “ah, eu não
sabia quem eram, pediram-me para alojar duas pessoas por três dias e eu claro,
prestei o serviço. Não sei de onde vêm, quem são… não sei nada. Se soubesse
acha que os teria alojado?”</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXxhKolWiCMYgwAmKzF3SlgeH9dOnYf1XRp0thlKn6e9R9_HtSX2FAfolgEScTt1fOaLhttygkyJ1u7BCeSmX4mmQ_MHwljFIqq4MbKkbiF4SrYbbALWwFFa9lILVC1uVSKhFyDeYZhpvA/s1600/4816427_6_bd27_jawad-b-lors-de-son-entretien-a-bfmtv-a_29dad1004b72a43f725fa1db58c4b736.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="179" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiXxhKolWiCMYgwAmKzF3SlgeH9dOnYf1XRp0thlKn6e9R9_HtSX2FAfolgEScTt1fOaLhttygkyJ1u7BCeSmX4mmQ_MHwljFIqq4MbKkbiF4SrYbbALWwFFa9lILVC1uVSKhFyDeYZhpvA/s320/4816427_6_bd27_jawad-b-lors-de-son-entretien-a-bfmtv-a_29dad1004b72a43f725fa1db58c4b736.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">A falsa ingenuidade
de Jawad não enganou ninguém, e no dia seguinte a web já estava repleta de
piadas com a sua foto e legendas imaginárias (exemplo: “eles perguntaram-me se
sabia fazer cocktails molotov, eu respondi que não percebia nada disso, não sou
barman”). Em seguida, descobrimos que não somente Jawad já foi condenado a 8
anos de prisão pelo assassínio do seu melhor amigo após uma discussão sobre um
telemóvel, como também ele não é o proprietário legal do destruído apartamento.
E percebemos então que estamos a assistir à ponta do iceberg de mais um
monumental embuste.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">De facto, todo o
caso exemplifica bem a magnitude do adversário que as democracias ocidentais,
as sociedades mais avançadas do planeta, têm pela frente. Não se trata só de
nos defendermos de um bando de bárbaros fanáticos com armas automáticas. Esses
fanáticos têm<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>a) bolsos fundos, dado que
são financiados por amigos poderosos em outros Estados árabes (com dinheiro que
por sua vez provém dos nossos gastos em petróleo, e possivelmente de negócios
estranhos entre capitais qataris e empresas luxemburguesas, por exemplo…); e, o
que é talvez ainda mais importante,<span style="mso-spacerun: yes;"> </span>b)
uma extensa e generalizada rede de silêncios, conivências e ajudas por toda a
Europa, sobretudo em zonas de alta concentração de comunidades muçulmanas. É
por isso que o agora infame bairro de Molenbeek, em Bruxelas, onde não há
qualquer multiculturalismo (ou cultura) e a agressão e intolerância são comuns,
é considerado “o esconderijo ideal”; é por isso que “alguém” (quem?) pede a Jawal
que aloje duas pessoas por três dias e este “faz o serviço” sem fazer mais
perguntas; é por isso que criminosos nunca são apanhados, e atentados são
planeados durante meses – por vezes em plena mesquita – sem que apareça um
único informador, sem que ninguém se insurja. Cúmplices, por colaboracionismo.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">E depois do mal
feito, vêm as lágrimas. Mas há muitas que soam a falso. Já ouvimos o costumeiro
“ai mas ele era tão bonzinho, nunca pensei!”. Já ouvimos o irmão de um
terrorista que continua a monte a pedir-lhe que se entregue à polícia “pela
honra da nossa família” – ou seja não pelo sangue derramado, não pelas vidas
promissoras cortadas a meio, mas por si próprios; já ouvimos muitos
queixando-se que o Daesh está a “destruir a reputação dos muçulmanos” – mas são
muito poucos os que condenam sem reservas a destruição de famílias, ou o ataque
a esta nossa louca ideia de sociedade liberal e aberta. Na guerra que estamos,
desgraçada e involuntariamente, a travar, aqueles são os nossos cavalos de
Tróia. </span><span style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Ou talvez sejam só burros.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-14980548506294975922016-03-08T15:16:00.003+01:002016-03-08T15:16:41.809+01:00Sangue, suor e lágrimas<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">George W. Bush tinha
razão. Dick Cheney, o sinistro líder na sombra, também tinha razão. Os neocons
americanos tinham razão. Uma semana após o 11 de Setembro de 2001, o então
presidente americano proferiu perante o Congresso o "seu" (escrito
por Michael Gerson) mais memorável discurso de sempre. Foi a primeira vez que o
mundo em geral ouviu falar na Al-Qaeda, nele se utilizou pela primeira vez a
frase "war on terror", e o texto incluiu passagens quase proféticas:</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">"Esta guerra
não será como as anteriores. A nossa resposta será muito mais do que retaliação
instantânea e ataques isolados. Não deveremos esperar uma batalha, mas sim uma
longa campanha, diferente de tudo o que vimos até agora, baseada sobretudo em
operações secretas até mesmo depois de concluídas." E Bush poderia ter
acrescentado (mas seria demasiada sinceridade num discurso que almejava ser
épico): e vamos sofrer derrotas amargas, tal como agora em Paris, e tal como no
início da II Guerra as democracias sofreram tantas derrotas amargas contra o
nazismo (por exemplo quando Hitler conquistou Paris…).</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Essa equiparação do
nazismo ao islamismo radical já era feita no mesmo discurso de 2001.
"Sacrificando a vida humana ao serviço das suas visões radicais,
abandonando todo o qualquer valor para além da sede de poder, os terroristas
seguem o caminho do fascismo, do nazismo e do totalitarianismo. E seguirão esse
caminho até ao fim, onde ele acaba, na vala comum da História reservada aos
embustes desmascarados." De facto há imensos paralelismos entre os tempos
que vivemos e os anos 1930; o nazismo germinou por entre o fanatismo de uma
população humilhada, pobre e que acreditava estar a ser injustiçada. O ovo pôde
dar origem à serpente por Hitler não ter sido levado suficientemente a sério,
primeiro, e por uma absolutamente errada estratégia de apaziguamento, depois,
que assumia que era possível negociar com a loucura e a barbárie. Nunca é.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiE71ZVmBo_-0KEvo5R8g9Z0qwwyW-y-oYqVCmv8-vk-vdPTNAuoKMGXhzb568bqyLwkrTPNfS-inXDPPWgUp4qevZJkMf6W49seedU82-_0IYLeCai5LJxAL7H1yXYAbDLWemzuJqzXDZ9/s1600/batclan.jpg" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="213" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEiE71ZVmBo_-0KEvo5R8g9Z0qwwyW-y-oYqVCmv8-vk-vdPTNAuoKMGXhzb568bqyLwkrTPNfS-inXDPPWgUp4qevZJkMf6W49seedU82-_0IYLeCai5LJxAL7H1yXYAbDLWemzuJqzXDZ9/s320/batclan.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">“A História repete-se
sempre, primeiro como tragédia” – a frase até é de Marx, mas grande parte da
esquerda recusa-se a admitir que a civilização tem no islamofascismo outro
inimigo do mesmo calibre. “Pode ser que não estejas interessado na guerra, mas
a guerra está interessada em ti” – a frase até é atribuída (erradamente) a
Trotsky, mas também não ajuda alguma esquerda a compreender o que é agora
dolorosamente evidente: a guerra já nos escolheu a nós. E estamos a perdê-la.
Também por isso é particularmente gravoso ouvir, vindo dos quadrantes do
costume, e ao abrigo de uma liberdade de expressão e de crítica que a nossa foi
a única civilização de sempre a conceder, as velhas cassettes gastas e
ligeiramente lunáticas: “foram os EUA que criaram o ISIS, foi a França que lhes
vendeu as armas, fomos nós os ocidentais os autores morais do crime, só ligamos
aos parisienses e não aos outros mortos, tudo não passa de uma grande
conspiração dos donos do mundo para nos manterem assustados e com uma mão firme
no poder, eles até são capazes de mandar matar os próprios cidadãos para isso…
e já agora, aqueles tipos do Charlie Hebdo estavam a pedi-las”.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Basta. Respeito
pelas vítimas e pela nossa inteligência. Há momentos decisivos em que até as
mentes confusas, repletas de dogmas, se devem definir. Entre a Liberdade e a
escravidão, escolher a primeira. Entre a Igualdade e o sectarismo, escolher a
primeira. Entre a Fraternidade e o ódio, escolher a primeira. Entre a França e
o IS, escolher a primeira. Entre o humanismo e a bestialidade, escolher o
primeiro. Entre a civilização ocidental e a barbárie medieval, escolher a
primeira. Por vezes o mundo é a preto e branco. É muito confortável lançar um
“o que todos querem é uma guerra e não lhes vamos dar esse gostinho”, mas isso
não passa de uma variação da atitude da avestruz: quer queiramos quer não, HÁ
uma guerra em curso que representa o desafio de toda uma geração – da forma
mais inteligente possível, é certo, mas temos mesmo de a travar. Ou o futuro
apenas nos reservará mais sangue, suor e lágrimas.</span></div>
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt; line-height: 115%;"></span>Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-12199824277756060312016-03-08T15:10:00.002+01:002016-03-08T15:11:02.017+01:00Porto inseguro<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">“Muito simplesmente,
podemos infringir as leis europeias de protecção de dados. Nunca vai acontecer
nada”. Um jovem de 24 anos ouviu esta frase durante o semestre em que resolveu
continuar os seus estudos na Califórnia. A arrogância do professor
norte-americano despertou-o; a evidente impunidade irritou-o. A frase funcionou
para o austríaco Max Schrems como uma gota de água, a gota que o fez iniciar
uma luta particular pela recuperação da sua privacidade e pela aplicação da lei
– a Europa tem leis, mas só as aplica contra os fracos. “Uma grande companhia
multinacional vive no Velho Oeste, onde funciona a lei do mais forte, e pode
fazer o que lhe apetece”, afirmou Schrems ao explicar as suas motivações.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Ao regressar nesse
ano de 2011 à Europa, Max Schrems pediu ao Facebook que lhe entregasse toda a
informação que a empresa detinha sobre si próprio. No Portugal de 1974, ou na
Alemanha de Leste de 1989, muitos se surpreenderam com o tamanho da sua ficha individual
de informações detida respectivamente pela PIDE e pela Stasi, mas nenhuma delas
chegava perto da extensão do ficheiro que Schrems recebeu do Facebook: 1222
páginas com absolutamente todos os cliques, fotos, gostos, mensagens,
comentários que o austríaco tinha feito ao longo de anos – incluindo muitos que
ele tinha apagado. “Quando pensas que apagas algo do Facebook, na verdade
apenas estás a escondê-lo de ti próprio”, avisa.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Schrems, um europeu,
sabia que os seus dados não estavam a ser protegidos. Mais do que isso, sabia –
como todos temos a obrigação de saber depois das revelações de Edward Snowden
sobre a espionagem em larga escala de tudo, de todos, em toda a parte – que os
seus dados pessoais eram transmitidos à NSA, a PIDE americana, através do
programa secreto PRISM. E por isso fez uma queixa às autoridades irlandesas (a
sede europeia do Facebook é na Irlanda, onde a companhia quase não paga
impostos), que prontamente a rejeitaram. Schrems persistiu: apresentou 22
queixas, todas rejeitadas na base do papel de conveniência que a Europa
produziu há 15 anos chamado “Safe Harbour” (Porto Seguro) e que permite às
empresas europeias entregarem tudo e mais alguma coisa às suas congéneres
americanas desde que elas se certifiquem como “garantindo aos europeus um nível
adequado e equivalente de protecção dos seus dados” – seja lá o que isso queira
dizer. Quem certifica essa protecção como adequada? As próprias empresas.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O caso subiu até ao
Tribunal de Justiça, no Luxemburgo. E aí, em Outubro, o pequeno David austríaco
derrotou vários Golias: o Facebook, o esquema Safe Harbour de transferência de
dados (utilizado por mais de 4000 grandes companhias), e a Comissão Europeia
que o engendrou e logo se desinteressou da defesa de um direito fundamental dos
cidadãos europeus – a privacidade. Um estudante de doutoramento venceu o caso e
estilhaçou o Porto (In)seguro. Desde o seu exílio, esse outro D. Quixote
moderno, Snowden, congratulou-o: “Parabéns, Max Schrems. Mudaste o mundo para
melhor”.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYP05eN54vE1a9ysp5QUiI6wuy0uPIQiw1zEflPr06aQw5dSWgnRoqExP3IIIRPbDHHIwAgIexqWzHMR2pCy6RFSiu5Pp78wwayOv8sYNGg4c6GljI-R5gIzWuaJ7W7vMIxu3cU_qWoXVo/s1600/Slide11.png" imageanchor="1" style="clear: right; float: right; margin-bottom: 1em; margin-left: 1em;"><img border="0" height="180" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgYP05eN54vE1a9ysp5QUiI6wuy0uPIQiw1zEflPr06aQw5dSWgnRoqExP3IIIRPbDHHIwAgIexqWzHMR2pCy6RFSiu5Pp78wwayOv8sYNGg4c6GljI-R5gIzWuaJ7W7vMIxu3cU_qWoXVo/s320/Slide11.png" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Mudou mesmo? Depende
do desfecho das próximas batalhas. A decisão do Tribunal de Justiça encoraja e
até obriga as autoridades europeias de protecção de dados a fazer o seu
trabalho – mas é preciso que isso aconteça. Está iminente uma outra decisão
importante, caso Microsoft vs Governo dos EUA, em que aquela se recusa a
entregar a este os emails guardados em servidores europeus. E há apenas dois
dias a Bélgica proibiu o Facebook de espiar o comportamento na rede de quem não
tem uma conta e se limitou a seguir um link na rede social (os que têm conta
podem continuar a ser espiados, mas ainda assim já é um princípio). </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Pode ser que Max
Schrems seja um ponto de viragem. Talvez, apenas talvez, as arrepiantes
palavras de Mark Zuckerberg proferidas em 2010, “a era da privacidade acabou”,
se venham a revelar prematuras ou até… erradas.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-31589208272455296162016-03-08T15:07:00.002+01:002016-03-08T15:07:42.761+01:00Querida, eu derrubei o muro de Berlim<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Novembro de 1989. No
regime comunista da Alemanha de Leste, nem tudo se passa como antes: o velho
ditador Erich Honecker sai finalmente de cena – poucos meses antes tinha
afirmado “o Muro estará de pé daqui a 50 ou mesmo 100 anos” – e é substituído
pelo mais moderado Egon Krenz. Pressionado pela recente abertura das fronteiras
na Hungria, no que tinha sido a primeira brecha na Cortina de Ferro (numa
amarga ironia histórica, a Hungria dos nossos dias foi o primeiro país a erguer
um muro para bloquear os refugiados de 2015), afundados pela depauperada
situação económica da RDA, os novos dirigentes encontram uma única forma de
fazer dinheiro rapidamente: rentabilizar a liberdade de circulação dos seus
cidadãos. À capitalista Alemanha Ocidental chega então uma proposta milionária,
o relaxamento dos controlos de fronteira entre Leste e Oeste, em troca de 5 mil
milhões de euros à cabeça mais 2 mil milhões anuais. Mas em Bona, Helmut Kohl
recusa a chantagem.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">O regime
leste-alemão tentou então ganhar tempo para sobreviver, introduzindo algumas
reformas. Um dos membros do partido, o ex-jornalista Günter Schabowski, ia
surgindo como porta-voz oficioso para, em monótonas conferências de imprensa,
dar a impressão que algo ia mudando para que tudo pudesse continuar na mesma em
Berlin-Leste, na Cidade de Karl Marx e na restante RDA. Era esse o caso, mais
uma vez, naquele fim de tarde no dia 9; após uma hora, a conferência estava
prestes a terminar. </span><span style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Até que…</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhMrCRQmaTiUmrFNMmcQzMyCt6E8h15GlEZG5GJ2X5udlmpZIhggwsiL6arSgSJtmaDL9_Ih_JoECl_wK5znuORxkEfiki0lbxsWJw7V4IDRuCehFm-UppdPgHUz0J_sB7-9aNbFhrhSFX/s1600/hqdefault.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="240" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEhhMrCRQmaTiUmrFNMmcQzMyCt6E8h15GlEZG5GJ2X5udlmpZIhggwsiL6arSgSJtmaDL9_Ih_JoECl_wK5znuORxkEfiki0lbxsWJw7V4IDRuCehFm-UppdPgHUz0J_sB7-9aNbFhrhSFX/s320/hqdefault.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Alguém traz uns
papéis com uma decisão fresca dos órgãos do Comité Central do partido que
Schabowski, após uma hora de cinzento discurso, passa a ler: em resposta à
contestação nas ruas, qualquer pessoa passará a poder pedir um visto para uma
visita ao estrangeiro sem ter de alegar razões especiais. “Quando é que essa medida
entra em vigor?” pergunta um repórter. Schabowski não sabe a resposta. Procura
por uma data nos papéis que recebeu, não a encontra, e – num momento de loucura
genial – decide, talvez lembrando-se da regra nas provas orais em que uma
resposta errada mas convicta é melhor que nenhuma, improvisar: “tanto quanto
sei… imediatamente. Sem demora!”</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Depois do burburinho
na sala, a notícia espalhou-se como fogo numa floresta de eucaliptos durante o
verão. Pouco depois das sete da tarde, a televisão pública ocidental já
avançava a notícia. Os alemães de leste começaram a dirigir-se em massa para o
Muro, arriscando-se a levar um tiro como tantos outros antes deles. Os guardas
não faziam ideia como reagir, nada daquilo estava previsto, tinha surgido de um
lapso de um burocrata do aparelho. Finalmente, às 23:30, os portões do Muro
foram abertos – o momento metafórico em que o Muro caiu. Os habitantes de
Berlim-Leste irromperam pelo Oeste, em lágrimas, a divisão comunismo vs
capitalismo dissolveu-se aí, os regimes totalitários na Europa caíram como
dominós. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "georgia" , "serif"; font-size: 12.0pt;">Günter Schabowski
apagou-se este domingo, aos 86 anos. Vivia na parte Oeste de Berlim, e depois
do desaparecimento da RDA ainda escreveu mais alguns capítulos da sua história
pessoal: voltou ao jornalismo, foi condenado a 3 anos de prisão por “autoria
moral” dos disparos dos guardas de fronteira (cumpriu um) e fez assessoria de
candidatos políticos da CDU alemã (o partido de Merkel, de centro-direita).
Também deu origem a uma expressão em alemão – um “momento Schabowski” é aquele
em que dizemos algo sem prever as consequências. Mas acima de tudo, com uma
frase atabalhoada, este homem derrubou o Muro de Berlim naquela noite.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-86335043546638787692016-03-08T15:03:00.002+01:002016-03-08T15:03:31.366+01:0030 milhões de euros? Não, obrigado
<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">"Margrethe
Vestager é a minha nova heroína", leu-se no Twitter na semana passada. O
sentimento de admiração é perfeitamente justificado: em apenas um ano, a
determinada comissária fez muito pela causa da reforma económica europeia. A
dinamarquesa foi proposta pelo seu país para a Comissão Europeia e Juncker
deu-lhe a pasta da Concorrência - talvez a mais poderosa do executivo
comunitário. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Pela voz de
Vestager, a Comissão acaba de anunciar que os acordos fiscais que o Luxemburgo
e os Países Baixos ofereceram à Fiat e à Starbucks constituem na verdade
auxílios estatais que distorcem a concorrência - uma forma enviesada de os
classificar como aquilo que eles na realidade são, formas institucionalizadas
de evasão aos impostos. E agora uma pausa para respirar, porque este é um
momento histórico. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">A decisão da equipa
de Vestager representa um precedente que pode vir a mudar as regras do jogo. Os
governos perceberam finalmente que fazer dumping fiscal contra o vizinho
significa, a médio prazo, uma corrida para o fundo onde todos tentam ser
aqueles que mais miminhos distribuem pelas multinacionais – e são estas as
únicas que ficam a ganhar, enquanto os Estados definham nas suas contas,
privados das legítimas fontes de receita, e nas suas funções, o que
inevitavelmente penaliza todos os cidadãos com destaque para os mais
vulneráveis. Entretanto, também as pequenas e médias empresas não conseguem
sobreviver, asfixiadas pela concorrência desleal de quem já é enorme e ainda
por cima não tem de se preocupar com pormenores como esse de pagar impostos.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Os truques usados
pelas multinacionais são tão… indignos, que se torna evidente que só podem
durar anos, como duram, com a colaboração tácita do poder político. O caso da
Starbucks é exemplar. A multinacional de café tinha a sua sede europeia em
Amesterdão e em 2008 criou uma série de subsidiárias, como a Emerald City, que
por sua vez detinham novas subsidiárias, como a Alki LP. Esta última era uma
empresa baseada em Londres que não pagava impostos nem no Reino Unido nem nos
Países Baixos, e que “geria a propriedade intelectual do grupo”; como tal, a
sede em Amesterdão pagava regularmente a esta empresa fantasma royalties
exageradíssimas por uma “receita de café” que não era mais do que a temperatura
a que os grãos devem ser torrados (e pela qual mais nenhuma empresa Starbucks
no mundo tinha de pagar). Por outro lado, a sede em Amesterdão também
“comprava” a preços exorbitantes grãos de café verdes a uma outra subsidiária
sua na Suíça (como seria talvez de prever a este ponto, os grãos de café nunca
passavam sequer perto dos Alpes). </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Os dois estratagemas
retiravam dos Países Baixos quase toda a base de imposição dos lucros. No ano
passado, a Starbucks pagou 2,6 milhões em impostos, depois de ter obtido lucros
de 407 milhões – uma taxa efectiva de imposto de 0,63% que faz rir (ou chorar).
Um processo semelhante acontece há anos no Luxemburgo com a Fiat Chrysler.
Agora a Comissão Europeia instruiu os dois países a recuperarem cada um até 30
milhões de euros em impostos atrasados – dinheiro que supostamente seria
bem-vindo na conta do Estado, por exemplo para auxiliar refugiados para os
quais, avisam os governos, “não há folga orçamental”. Mas tanto os Países
Baixos como o Luxemburgo não estão de acordo e vão recorrer da decisão europeia
para não terem de cobrar esse dinheiro…</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="separator" style="clear: both; text-align: center;">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7hJr1ZIHdvDG6ZQW1BzrHqwC5B8qff1yor8k8Nj8xHsJzxtsKn_C7Zwe4Orsoi1b8fItsK77DiVx92D37YmTCgVCV05fQZk2Kb87iHhZ55DeCfQzGlO4d4P1h7sREDenYtesqgqCudZvg/s1600/vestager.jpg" imageanchor="1" style="margin-left: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="193" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEj7hJr1ZIHdvDG6ZQW1BzrHqwC5B8qff1yor8k8Nj8xHsJzxtsKn_C7Zwe4Orsoi1b8fItsK77DiVx92D37YmTCgVCV05fQZk2Kb87iHhZ55DeCfQzGlO4d4P1h7sREDenYtesqgqCudZvg/s320/vestager.jpg" width="320" /></a></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Pouco importa. Seja
como for, uma multa de 30 milhões significa pouco mais que amendoins para a
Starbucks. Mas o precedente está criado – e as próximas decisões serão sobre a
Apple na Irlanda e a Amazon no Luxemburgo, onde as somas em questão serão muito
maiores. Se Vestager contribuir para criar um sistema justo onde as grandes
empresas contribuem realmente para as comunidades em que se integram e de que
se aproveitam para enriquecer, passa a ser também a minha heroína.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0tag:blogger.com,1999:blog-2349494936457757925.post-29790939164515485502016-03-08T14:59:00.006+01:002016-03-08T15:04:19.362+01:00O Canadá vai salvar o planeta<br />
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">“Culpem o Canadá!”,
cantavam as subversivas personagens de South Park. A canção tornou-se notória
não apenas pelo seu humor para lá dos limites (chega a chamar “bitch” a uma
conhecida cantora canadiana) mas também pela sátira a quem nunca enfrenta as
responsabilidades – quem a canta é um casal com filhos mal-educados que prefere
culpar um filme canadiano, e por inerência todo o país, a admitir que eles
próprios possam ter criado uns monstrinhos. </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Culpar o Canadá tem
sido um desporto favorito entre quem está preocupado com as alterações
climáticas no nosso planeta. E por boas razões: apoiado nas suas enormes
reservas de carvão e areias betuminosas, liderado por um primeiro-ministro que
não acredita que a acção humana esteja a aumentar a temperatura da Terra e se
ri das energias renováveis, o Canadá – juntamente com a Austrália, cujo chefe
de Governo uma vez definiu toda a ciência climática como “uma grande treta” –
tem persistentemente minado as diferentes tentativas globais para reduzir as
emissões de dióxido de carbono para a atmosfera. A sabotagem é extremamente
eficaz porque o argumento dos países emergentes é imediatamente validado – se
países ricos como o Canadá e a Austrália se recusam a reduzir o seu consumo de
energias fósseis por medo de afectar a sua economia, é fácil à China ou à Índia
alegar que não há outra forma de atingir o mesmo desenvolvimento que a de
utilizar as mesmas energias. E de facto, a Índia aumenta o seu consumo de
carvão a um ritmo de quase 10% ao ano, enquanto a China utiliza mais desta
energia suja que todo o resto do mundo em conjunto.</span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">Estamos na contagem
decrescente para a grande cimeira sobre o clima que decorrerá em Dezembro em
Paris – a COP21. A situação actual, medindo cuidadosamente as palavras, é dramática:
a mão destruidora humana – está provado para além de qualquer dúvida razoável –
é já responsável pelo aumento de 0,8 ºC na temperatura global da Terra; mesmo
que por magia parássemos hoje de emitir CO2 para a atmosfera, o acumulado iria
a médio prazo continuar a aquecer o planeta até 2 ºC adicionais – o “ponto de
viragem” a partir do qual a sustentabilidade da nossa espécie começa a entrar
em dúvida. Baseando-se nos apelos científicos cada vez mais estridentes, vários
líderes estão a pôr pressão sobre as discussões que vão ocorrer em Paris,
insistindo em que precisamos mesmo de chegar, pela primeira vez na História, a
um acordo global e vinculativo sobre o clima da Terra, com reduções de emissões
a partir do ano 2020 (quando termina o protocolo de Quioto). </span></div>
<div class="MsoNormal">
<br /></div>
<div class="MsoNormal">
<a href="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAWtG-GjtH_deAYrFwnSOo2F4qw97FqaGgUaG-GwrIde6ZrwmFZt8XawzDP0mGMLnPtcvFQkg1mjDmil4aGvZDRC0exlnK-PAM1CWV78R1a5yoIed66VD6_vLN7d00lYjCEJAlUfKfTzUC/s1600/0307-trudeau-panda.jpg" imageanchor="1" style="clear: left; float: left; margin-bottom: 1em; margin-right: 1em;"><img border="0" height="215" src="https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgAWtG-GjtH_deAYrFwnSOo2F4qw97FqaGgUaG-GwrIde6ZrwmFZt8XawzDP0mGMLnPtcvFQkg1mjDmil4aGvZDRC0exlnK-PAM1CWV78R1a5yoIed66VD6_vLN7d00lYjCEJAlUfKfTzUC/s320/0307-trudeau-panda.jpg" width="320" /></a><span lang="PT" style="font-family: "Georgia","serif"; font-size: 12.0pt; mso-ansi-language: PT; mso-bidi-font-size: 11.0pt;">As boas notícias?
Esse acordo acaba de ficar mais próximo. Na boa tradição de intriga palaciana
da política da Austrália, este país acaba de substituir o seu primeiro-ministro
“negacionista do clima” por outro, Turnbull, que já considera que “as consequências
de alterações climáticas sem controlo serão catastróficas”. E o Canadá foi a
eleições há dois dias, nas quais os eleitores finalmente retiraram a maioria
aos conservadores de Stephen Harper, viciados em petróleo e carvão,
entregando-a aos liberais – um partido de centro-esquerda que se vai estrear na
cena internacional em Paris jogando um papel construtivo, incentivando a
transição das energias fósseis para as renováveis, e desbloqueando a permanente
oposição entre os que procuram um acordo de redução ambicioso e os que arrastam
os pés. Chega de culpar o Canadá – os canadianos não votaram apenas para eleger
um governo, votaram também para salvar o planeta.</span></div>
Zerohttp://www.blogger.com/profile/06082018901814826399noreply@blogger.com0