segunda-feira, 13 de julho de 2009

Festivais de verão

Sem festivais de verão, um verão não saberia ao mesmo. Até a cidade de Paris, snob centro da alta cultura, acaba de apresentar 15 dias consecutivos de hip-hop. Há que pelo menos assistir a um destes eventos por ano; não tanto pelo contacto com o que de melhor se vai fazendo nas múltiplas áreas da música moderna – afinal, os nomes que encabeçam o cartaz são habitualmente bandas que tiveram os seus maiores sucessos há um par de anos atrás, na melhor das hipóteses – mas sim sobretudo para nos mantermos actualizados em relação a um tipo de cultura urbana e eternamente adolescente que ferve em banho-maria durante o ano para ser consumida nos grandes rituais iniciáticos que os festivais representam. Aqui se forjam, inclusivamente, novas formas de falar e agir.
Não, a “experiência total” de um festival de verão não tem tanto a ver com música, desce sim a um nível de ensaio sociológico. Durante quatro dias (no caso do festival escolhido para a pesquisa necessária a esta crónica, e que é também o maior desta zona da Europa – Rock Werchter) experimentamos um modo de vida alternativo, onde uma das grandes conquistas da civilização, a higiene pessoal, é esquecida em favor de um novo paradigma em que os mais capazes da espécie humana são os que ingerem quantidades oceânicas de cerveja (e presumo que isto terá as suas consequências ao nível do discernimento, mas não me lembro de muito). Debaixo de um sol inclemente, vaguear por entre os milhares de corpos deitados na terra respirando pó é um exercício de perseverança, sendo que a versão pós-aguaceiros significa fazê-lo encharcado e escorregando na lama, a mesma lama onde alguns festivaleiros mais afoitos improvisam algumas sessões de luta livre (livre de regras e também de quaisquer roupas). No recinto, a expressão “ama o teu próximo” toma um sentido premente e literal, pois os próximos estão sempre muito próximos e com o tempo aprende-se a gostar dos seus suores. E depois há sempre o ritual da refeição, seja ela massa demasiado cozida ou hambúrgueres pouco fritos, deglutida por entre as familiares montanhas de lixo plástico das mais variadas proveniências.
Descrito assim, um festival parece algo saído directamente de “Ensaio sobre a Cegueira”. Mas nem tudo são rosas, e para obter a desejada pulseirinha que dá acesso à chuva de concertos o candidato deve a) correr a comprá-la com três meses de antecedência e b) despender 169 euros, que somados a 22 para acampar, 15 para estacionar, 25 por cada 10 bebidas, mais uns 20 por dia para comer, 30 por uma t-shirt do festival e despesas variadas de viagem significam facilmente 400 ou 500 euros por um fim-de-semana alargado no campo. O pobre estudante que eu era nunca se teria dado a este luxo – mas hoje, do alto das minhas burguesas idade e noções de conforto, continuo a achar que o festival valeu cada cêntimo. Rock on.