Que miséria então que este extraordinário jogo,
nos seus melhores momentos capaz do sublime e do épico, tenha caído nas mãos da
mais cínica máfia. Uma máfia cuja única preocupação é ganhar o máximo de
dinheiro possível à custa dos fãs, tratados com a condescendência habitualmente
reservada aos viciados em drogas – os dirigentes sabem que, façam eles o que
fizerem, nós vamos sempre vibrar com a bola que entra ou bate na trave.
E muito tem a FIFA feito para destruir a nossa
fé no desporto. Seria fastidioso – e virtualmente impossível neste espaço –
enumerar os escândalos de corrupção conhecidos no organismo que governa com mão
de ferro o futebol mundial, sobretudo a partir de 1974, ano em que um
apaniguado da ditadura militar brasileira, João Havelange, foi eleito
presidente com a ajuda da Adidas – a mesma marca que ganhou em seguida
contratos milionários e exclusivos com tudo o que era federação. Havelange, que
aos 98 anos ainda é vivo, viu-se obrigado a renunciar à sua “presidência
honorária” da FIFA para não ser acusado nos vários dossiers de corrupção que o implicam, mas ainda vai poder ver um
Mundial no seu país – condição que impôs a Blatter antes de lhe passar o
apetecido lugar de imperador do futebol. Blatter, o dinossauro que nunca
pontapeou uma bola e é conhecido pelas suas declarações públicas de velhote
pervertido ou simplesmente pateta (bem como por ter interrompido ao fim de 11
segundos o minuto de silêncio em honra de Mandela no dia seguinte ao da sua
morte), insiste sem se rir que a FIFA é “uma organização sem fins lucrativos”.
Na verdade é mesmo esse o estatuto oficial desta máquina de fazer dinheiro (1
bilião de dólares numa conta suíça, dinheiro a que Blatter chama “uma reserva”)
que não paga impostos de qualquer espécie em nenhum país e que não responde
perante nenhum governo nem, na prática, perante nenhum tribunal.
O passado obscuro da FIFA arrisca-se a parecer
impoluto comparado com o presente e futuro. As acusações de resultados
combinados e influências arbitrais não param de crescer. A Copa no Brasil vai
encontrar oposição violenta de uma parte da população que não aceita viver na
miséria enquanto o seu país gasta 10 mil milhões de euros sob condições
colonialistas para organizar o torneio, sem tocar num tostão dos lucros. O futuro
é pior: os próximos torneios serão na Rússia e no Qatar, escolhidos sem outro
critério que o dinheiro sujo, compra de votos e influências políticas. Platini,
ex-jogador apanhado nas malhas do doping,
presidente da UEFA e futuro presidente da FIFA, ia votar pelos EUA mas mudou de
repente a agulha para o Qatar depois de um jantar no Eliseu com o presidente da
federação daquele país (actualmente indiciado por corrupção) e com o então
presidente francês Sarkozy. Uma semana depois do jantar, o Qatar ganhou o
campeonato do mundo – e na sua sociedade semi-esclavagista, calcula-se que só construir
os estádios vá custar 4000 vidas humanas. Seis meses depois daquele jantar,
dinheiro provindo duma fundação do Qatar comprou o Paris Saint-Germain FC.
Sabemos tudo isto e muito mais, e no entanto
vamos estar colados à tv para vibrar com Ronaldo e seguir todo o Mundial. É por
isso que somos tratados como viciados.