terça-feira, 20 de abril de 2010

2010: o ano sem verão

É bem possível que o caro leitor venha a ouvir falar várias vezes nos próximos tempos do ano da graça de 1816, o “ano que não teve verão”. 1816 foi um ano tão estranho quanto terrível: o frio ininterrupto provocou a destruição das colheitas, a fome generalizada, motins em França, Inglaterra e Suíça para obter comida, e epidemias de tifo. O Reno esteve congelado até junho, inundando depois disso devido às chuvas torrenciais. A temperatura média em Inglaterra nos três meses de verão foi de 13 ºC. No início de julho, Goethe escreveu no seu diário: “Hoje o sol brilhou pela primeira vez este ano”.

Houve duas razões para um ano tão anormal. A primeira foi a de em 1816 se estar em pleno período de actividade mínima solar denominado “mínimo de Dalton”; actualmente e desde 2004, atravessamos um outro período semelhante denominado “mínimo moderno” – o ciclo de manchas solares atingirá provavelmente o seu ponto mais baixo em 2010, começando a crescer até 2013 ou 2014.

A segunda razão foi mais importante: a erupção do vulcão Tambora na ilha de Sumbawa, na Indonésia. O Tambora expeliu para a atmosfera toneladas de cinzas, areia, pedras e substâncias tóxicas – a nuvem atingiu as altas camadas da atmosfera e os ventos espalharam-na por todo o planeta, deixando passar muito menos raios solares.


O querido vulcão islandês a quem afectuosamente já podemos chamar “nosso”, o Eyjafjallajökull (eyja=ilhas, fjalla=montanhas, jökull=glaciar, em islandês) é apenas um pequeno vulcão que os islandeses consideram parcialmente extinto. A sua erupção, que continua uma semana depois e tanto pode acabar aqui como demorar meses, teve o condão de bloquear mais de meia Europa, afectar os planos de milhões de pessoas e deixar de joelhos, com perdas de 200 milhões de euros por dia, companhias aéreas que mal tinham saído de uma recessão. Os fantásticos pores-do-sol amarelos e laranja da semana passada são apenas uma amostra das alterações climáticas que um vulcão pode provocar. Mas e se a erupção fosse mais forte? Bem…


No último século, o Eyjafjallajökull entrou em actividade três vezes. De todas, acabou por contagiar o cercano e muito mais poderoso vulcão Katla, cuja hipotética erupção alteraria repentinamente a vida como a conhecemos: não apenas o transporte aéreo, com todas as suas implicações, mas o próprio clima, a alimentação, o combustível, as migrações forçadas… tal como aconteceu em 1816.


O lado positivo do “ano sem verão” foi o impulso que deu à cultura. Mary Shelley escreveu “Frankenstein” porque não parava de chover durante as suas férias na Suíça, e as paisagens amarelas pintadas por Turner continuam impressionantes.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Como treinares o teu urso alemão

O mais recente filme saído dos estúdios da Pixar, estreado há poucos dias no Luxemburgo, chama-se “Como treinares o teu dragão” (How to manage your dragon). Não é um conjunto de conselhos para Jesualdo Ferreira, mas parece que o título serve também de código entre a equipa económica de Obama para as delicadas relações com a China, em que esta será o “dragão”. A Europa tem um desafio parecido, interno e mais premente: como lidar com a Alemanha, o país mais importante da União Europeia sob vários aspectos, nomeadamente os económico e populacional. Um país especial que se vem tornando mais “normal”, e isso traz consequências para os seus parceiros.
A Alemanha actual já não está agrilhoada pelo seu terrível passado; a geração no poder viveu na sua juventude 1989, o ano da queda dos muros, e embora carregue ainda aos ombros algum sentimento de culpa colectiva, dá passos firmes no sentido do renascer de um orgulho benigno. O exército desfila em Paris e participa em missões no estrangeiro (Afeganistão); durante o campeonato de 2006, os germânicos agitaram a sua bandeira negra, vermelha e dourada como verdadeiros discípulos scolarianos (os portugueses aliás também, o que enfureceu alguns sectores da intelligentsia luxemburguesa). Mais significativo: a Alemanha, verdadeira inspiradora de uma Europa funcionando como enquadramento e caixa amplificadora da sua relevância mundial, está um pouco cansada de pagar as facturas e, para desespero dos que querem uma UE forte e agindo em bloco, tem interesses de curto prazo muitas vezes divergentes dos europeus e age, qual França ou Reino Unido, apenas em função destes.
A Grécia descobriu-o da forma mais dura – e Portugal pode seguir-lhe os passos. A depauperada economia grega sofre e a ajuda financeira é mitigada e tardia, sob o signo do redutor argumento “as cigarras gregas podem reformar-se aos 57 anos, enquanto as formigas alemãs terão em breve de trabalhar até aos 67”. Não há dúvidas de que são precisas alterações dolorosas nas economias do sul da Europa, e de que a Alemanha comprimiu de forma brutal os salários nos últimos 10 anos de forma a manter-se competitiva (custos unitários do trabalho caíram 1,4% entre 2000 e 2008, enquanto em França e Luxemburgo não pararam de subir...); mas os desequilíbrios não podem ser corrigidos só por um lado. Os défices grego ou português acontecem também porque estes países, não podendo desvalorizar a sua moeda, perdem competitividade e importam maciçamente bens alemães (a Alemanha exporta metade dos seus bens para a UE). Não o reconhecer, e sobretudo não o corrigir – fazendo os alemães gastar mais dinheiro, seja em turismo ou vinho do Porto... –, não é a longo prazo do interesse de nenhum europeu. E pode mesmo levar ao desmembramento da zona euro.

A maior feira de arte do mundo está a 200 km

Maastricht é um nome popular entre os habitantes do Luxemburgo. A cidade é bonita, tem canais e arquitectura antiga e moderna, a universidade é reputada, e o carácter estudantil que esta lhe empresta cria uma atmosfera fresca e lojas muito originais que vendem todo o tipo de coisas difíceis de encontrar no Grão-Ducado, algumas mesmo ilegais aqui.

Mas a pequena cidade neerlandesa encerra um às na manga, ultrapassando de forma notável o velho choradinho da “falta de dimensão”: em Maastricht celebra-se todos os anos a maior feira de arte do mundo. O leitor já não vai a tempo de pagar os 55 euros da entrada para a visitar – encerrou no domingo – mas o centro de congressos e exposições albergou um certame de superlativos, com 263 expositores (24 mais que no ano passado) vindos de 17 países diferentes, e pelo menos 25 000 obras de arte à venda – tudo o que estava exposto, desde antigas estatuetas egípcias até pinturas pós-modernas –, que valiam no total uns extraordinários 3 mil milhões de euros. Na sua maioria as obras de arte estavam orientadas para o pequeno coleccionador, o que não impede que alguns verdadeiros tesouros, bem como outros de gosto discutível, não só estavam disponíveis como encontraram comprador. Exemplos notáveis: um dos grandes últimos quadros de Paul Gauguin no Tahiti ("Deux femmes"), por 18 milhões de euros; uma cama que pertencia ao grande diplomata Talleyrand (400 mil euros); um dos primeiros trabalhos do artista plástico britânico Damien Hirst, e que consiste num enorme porco conservado num tanque cheio de formaldeído (8,8 milhões de euros); outro quadro, este de Modigliani ("Jeune fille en bleu"), vendido por 13 milhões; uma pulseira em ouro maciço e diamantes feita em 1979 para Elton John (52 mil euros); ou belos exemplos de arte oriental e africana, cada vez mais procuradas. Seria interessante que os curadores dos museus do Grão-Ducado, com especial destaque para o MUDAM – um museu com magníficas instalações e quase nada na sua colecção para mostrar – seguissem com atenção a TEFAF (é o nome da feira). Lá estavam representados muitos dos museus europeus e norte-americanos.

Depois de dois anos de marasmo, o mercado da arte está outra vez vivo e vários negociantes afirmaram que esta foi a sua "mais bem-sucedida feira de sempre". Ou seja, nos escalões mais altos da sociedade, representados no desfile de jactos privados e roupas em caxemira que é também parte integrante desta feira, a crise está ultrapassada e esquecida. E a arte recuperou a sua função de bom investimento.

Mas se quiser comprová-lo ao vivo, só para o ano: a edição de 2011 começa a 18 de Março. Marque no seu smartphone.