A
foto foi tirada em 1972 na Cidade do México. Nela vê-se uma montra de uma loja
de mobiliário e por trás da vitrina está uma reprodução de uma sala de estar,
com uns candeeiros design, uma mesinha
de café cromada e um convidativo sofá felpudo. Em primeiro plano, a dois metros
do sofá mas do lado de fora do vidro que serve como divisória, está um
sem-abrigo a dormir no passeio. O seu rosto não é visível – o homem pode ser
qualquer um de nós.
A imagem
é forte e o contraste chocante tornou-a conhecida. Se fosse hoje, no entanto, a
mesma foto arriscar-se-ia a não ser destacar entre tantas outras, até por se
ter banalizado: o número de sem-abrigo não pára de crescer nos países
desenvolvidos. Estes seres humanos ainda sofrem do estigma das razões para a
sua condição passarem por alguma doença mental, ou pelo abuso de drogas ou
álcool. Essa ideia é perfeitamente redutora. A voraz crise tirou emprego e casa
a muitas pessoas; o desmantelamento dos sistemas de saúde pública e protecção
social deixaram sem rede muitas outras que já estavam em situação de risco. Muitos
dos que estão hoje nas ruas têm percursos parecidos com qualquer cidadão comum;
num mundo onde as desigualdades crescem, os ricos estão mais ricos – mas também
há cada vez mais pobres ou em risco de o virem a ser.
E
agora a tenaz fecha-se. Talvez impulsionada por experiências do género nos EUA,
a Europa começa a criminalizar os seus sem-abrigo. A ideia é a de punir quem
está na mendicidade, talvez pela sua “preguiça”, talvez pela “falta de
talento”… chega-se ao ponto de sugerir que há pessoas que almejam fazer
carreira como vagabundo. Mas não será essa vida já punição suficiente? O
direito a uma habitação condigna é, ou deveria ser, inerente à nossa condição
humana, que é certamente afectada pela falta daquela.
Tornar
a simples ocupação do espaço público para dormir como crime – como acontece
agora em vários pontos da Noruega e da Bélgica, de Itália e de Espanha, bem
como em toda a Hungria – representa mais um passo de gigante no nosso resvalar
contínuo em direcção a sociedades impiedosas. Em Verona, a cidade do amor
romântico idealizado em “Romeu e Julieta” que é agora gerida pelos extremistas
da Liga Nord, é mesmo proibido dar de comer a um sem-abrigo – como se
estivéssemos a falar de uma praga de pombos. Confessada a impotência em ajudar
alguns dos seus habitantes, alguns Estados pensam que é solução é escondê-los,
proibi-los, varrê-los para debaixo do tapete. A repressão, como sempre, apenas
vai transferir o problema – para lugares mais recônditos onde será impossível ajudar
quem está em dificuldade, ou para prisões.