terça-feira, 17 de novembro de 2009

Amanhã há eleições presidenciais

Dia 19 de Novembro, uma fria quinta-feira, talvez o mesmo dia em que o caro leitor está a ler esta crónica em papel: a Europa elegerá o seu primeiro presidente. Claro que esta frase não é tecnicamente exacta – o cargo de presidente permanente do Conselho Europeu, acabado de criar por um Tratado de Lisboa que entra em vigor a 1 de Dezembro, não é realmente o de um Chefe de Estado; e o cargo de presidente do Conselho Europeu já existe há anos, só que durando seis meses e sendo ocupado pelo primeiro-ministro do país que detém a presidência (neste momento a Suécia, a partir de Janeiro a Espanha).
O problema é que a parte mais afastada da realidade na frase “A Europa elege o seu primeiro presidente” é mesmo o início. Não serão os cidadãos europeus a eleger o “seu” presidente. Na verdade, é difícil até identificar quem o faz; em teoria, são os 27 governos dos Estados-Membros, mas na verdade apenas uma ou duas pessoas influenciam a escolha dentro de cada governo, e o peso de cada um dos 27 também é muito diferente… Olhando de perto, o futuro mandatário por dois anos e meio (renováveis uma vez) será escolhido por 10 ou 20 europeus entre os cerca de 500 milhões que habitam esta “casa comum”. Para a causa do envolvimento dos cidadãos no grande projecto europeu, a conclusão não é brilhante. Porque não, por exemplo, eleger um certo número de candidatos, digamos 12, em eleições verdadeiramente pan-europeias, sendo posteriormente um desses 12 magníficos escolhido numa cimeira extraordinária como aquela que decorre amanhã em Bruxelas? A força e legitimidade da Europa sairiam reforçadas e essa grande invenção europeia denominada “democracia” seria mais honrada do que na situação actual, com nomes cozinhados atrás de portas fechadas e nos quais os media vão tentando acertar (ou criar), enquanto a maioria da população passa tranquilamente ao lado de mais uma decisão com impacto real na sua vida.

Quanto impacto? Depende de quem for eleito. Os jornais apontam o primeiro-ministro belga, Van Rompuy, como grande favorito – e o que não deixa de ser interessante, desde domingo que nos famosos bookmakers ingleses já não é possível apostar no próximo presidente, o que indica que o favorito é mais do que isso. Van Rompuy, que tem “Aquiles” no seu nome completo, tem o calcanhar de ser um perfeito desconhecido até há um ano atrás, quando foi designado para pacificar o seu difícil país. A sua eleição significará uma Europa introvertida e um cargo desenhado essencialmente como facilitador de consensos. Juncker, outro candidato, vem de um país que é mal visto devido ao segredo bancário, e detém uma característica que deveria ser uma vantagem mas infelizmente não é: a imagem “demasiado europeísta”. Para os resultados de corridas tão incertas e em que muitas vezes surge um nome inédito à última hora (que o diga Barroso) aos dois postos – também o de Alto-Representante da União para a Política Externa –, eu arriscaria apenas dois prognósticos: o presidente virá de um pequeno país da Europa do Norte; e um dos dois cargos será entregue a uma mulher.

quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Berlim, uma ilha com 20 anos

Em 1989 éramos todos jovens, mas não necessitamos disso como desculpa para explicar porque não nos lembramos das imagens nocturnas de bulldozers a destruir secções do Muro em Berlim entre aclamações de uma multidão ainda incrédula e com os olhos marejados de lágrimas de alegria: isto porque nos lembramos muito bem destas imagens.
Em Novembro de 1989, a situação na Alemanha de Leste era de turbilhão. O velho líder Erich Honecker, o mesmo que tinha em Janeiro afirmado que “o Muro durará mais cem anos”, tinha sido forçado a demitir-se havia duas semanas e a nova direcção do Partido Comunista, pressionada pela abertura das fronteiras nas vizinhas Hungria e Checoslováquia e por uma manifestação gigantesca em Alexanderplatz no dia 4, reúne na manhã do dia 9 e decide abrandar as restrições aplicadas a visitas ao Ocidente, prevendo mesmo a concessão de vistos temporários a cidadãos comuns, dentro de pouco tempo. É o porta-voz do Governo, Günther Schabowski, detentor no regime do cargo de secretário-geral da Propaganda, quem tem a incumbência de anunciar a medida à população. Schabowski senta-se para a conferência de imprensa acabado de regressar de uns diazinhos de férias e desconhecedor dos últimos desenvolvimentos; nas mãos tem apenas uma pequena e incompleta nota do Politburo. Quando os jornalistas lhe perguntam a partir de quando é que as restrições começarão a abrandar, o titubeante Schabowski afirma: “Tanto quanto sei, imediatamente!”. Num primeiro momento os jornalistas nem podem acreditar no alcance daquelas palavras. Segundos depois, a História começa a sua marcha inexorável: milhares de berlinenses inundam as cercanias do Muro e exigem aos atónitos guardas, os mesmos que atiraram para matar centenas de vezes ao longo de 28 anos de existência do Muro, entrar em Berlim Oeste. Depois de desesperados telefonemas sem sucesso para um poder que já não existia, os guardas acedem. A euforia é indescritível e os chamados “pica-paus” (pessoas que com picaretas ou guindastes deitaram abaixo o cimento grafitado) começariam no próprio dia o trabalho de demolição dos 156 km do Muro.

A data de 9 de Novembro é hoje um dos símbolos da reunificação europeia e, passados 20 anos, a grande cidade que é Berlim tenciona festejá-la condignamente. No fim-de-semana que passou foram os envelhecidos líderes políticos daquele tempo, Helmut Kohl, Mikhail Gorbatchov e George Bush pai (Mitterrand morreu e Thatcher tem Alzheimer em estado avançado), que posaram para uma fotografia de grupo; no dia 9 são os seus respectivos sucessores a fazê-lo. Mas a festa vem também para a rua: no dia 5, os U2 – cuja carreira é indissociável de Berlim – tocam na Porta de Brandenburgo. Depois há exposições, desfiles, fogos-de-artifício, concertos, tudo inserido num tão relaxado quanto ambicioso “Festival da Liberdade” que vai transportar os presentes de volta àqueles dias onde a História andou muito depressa, e onde a “ilha verde” que é a cidade de Berlim, 8 vezes mais extensa que Paris, voltou a ser o centro do Mundo.