Lembrei-me destas divagações ao ver publicadas as 313 reformas adoptadas por Raúl Castro (que apenas ostenta um leve bigode) debaixo da supervisão cheia de bonomia do seu irmão mais velho Fidel (ele sim portador de barba rija e densa). As mudanças em Cuba desde o advento da "primavera raúlista" são de monta, e esta nova lista de objectivos inclui: a possibilidade dos cubanos comprarem e venderem casas ou automóveis, ou seja, a sua propriedade privada; a regra de que que os bancos (todos estatais) podem conceder créditos a trabalhadores que se queiram estabelecer por conta própria; e a intenção de limitar a dois os mandatos de presidente (de cinco anos cada), num país liderado há 52 anos consecutivos por Fidel (idade 84) e Raúl (79).
Mas a ideia mais bombástica, e naturalmente aquela que capturou a imaginação dos media, é a de permitir aos cubanos viajar e ver o mundo. O velho conceito do regime totalitário que só se mantém cerrando fronteiras e capturando balseiros vai ruir pela base. A medida é ainda mais extraordinária por ser genuinamente motivada pela pressão da sociedade cubana, já que sempre esteve no topo das reinvidicações deste povo alegre e amante das liberdades. De facto, não se descortina qual é o interesse do regime numa medida que pode levar a uma sangria de jovens educados para fora do país, a não ser talvez querer tornar os seus cidadãos menos infelizes.
Em rigor, já é teoricamente possível a um cubano viajar para fora da ilha, e uns poucos milhares por ano fazem-no (e voltam). Mas os candidatos precisam de dinheiro — no mínimo uns 400 euros — só para obterem convites e vistos do país de destino e a famosa "carta branca" do governo cubano, sistematicamente negada a várias categorias de pessoas (nomeadamente às que têm meios para a pagar). Num sistema onde um médico aufere legalmente 15 euros por mês, o visto burocrático e o mar do Caribe servem de serôdio Muro de Berlim: a liberdade é um conceito nominal esvaziado ao primeiro choque com a realidade.