terça-feira, 3 de maio de 2011

Acenda as luzes quem quiser mais um museu em Lisboa

Este é um texto sobre a conta da luz. Não, não inclui piadas à vergonhosa atitude da direcção benfiquista de apagar as luzes do seu estádio quando o FC Porto comemorava um campeonato, mas tem sim a ver com o surpreendente anúncio feito pela EDP (a empresa monopolista de vários mercados da electricidade em Portugal) nesta segunda feira: a Fundação EDP vai gastar 19 milhões de euros na construção de um novo espaço cultural em Lisboa, mesmo junto ao rio.

Um apreciador de arte fica em princípio sempre satisfeito com a criação de um novo museu. Mas esta ideia suscita interrogações, para não dizer objecções, de variada índole. Para começar: o timing deste anúncio, indissociável da questão financeira. De facto, o gestor António Mexia (3 milhões de euros de salário em 2009) anunciou o novo projecto com mal disfarçada vaidade no preciso dia em que o rating da empresa foi cortado, pela segunda vez em 15 dias, pela Fitch. Dado que os títulos da dívida do próprio Portugal são considerados agora apenas um nível acima de “lixo”, no que é um reflexo (e também a causa, mas isso será para outra crónica) de graves situações financeira, económica e política no país, as preocupações das pessoas estão longe da criação de novos museus, sobretudo quando eles custarão 19 milhões – o orçamento da “Fundação EDP” é de 14 milhões anuais. A organização foi supostamente criada para apoiar “projectos de natureza social”, mas na mesma conferência de imprensa, Mexia apelou para que os consumidores de electricidade, ao pagar a sua conta da luz, contribuíssem voluntariamente com 50 cêntimos a mais para esses projectos. Isto faz franzir o sobrolho – se a fundação pode usar quase todo o seu orçamento para um novo museu ao lado do que já detém (o Museu da Electricidade, também em Lisboa), precisa mesmo de contribuições voluntárias adicionais?

É que os portugueses já pagam bem a sua electricidade – o preço está na média da UE, mas num país com baixo poder de compra; o preço por kW horário é apenas um cêntimo mais baixo que no Luxemburgo, por exemplo, e há uma ressalva importante – o Estado subsidia, através de um IVA reduzido, o consumo de electricidade (na Europa apenas o Reino Unido, que produz petróleo, faz algo parecido). E o Estado também ainda detém 25% da EDP...

Há objecções menos tangíveis. Numa altura em que Souto Moura ganhou o segundo Prémio Pritzker para o Porto, caso único numa cidade com dois premiados desde a atribuição deste “Nobel da Arquitectura”, e afirmou quase só trabalhar fora de Portugal por não existirem projectos no país, a EDP escolhe para construir o edifício uma arquitecta britânica conhecida apenas pelo seu trabalho com o falecido marido, o checo Kaplicky.

E como se não bastasse, o local escolhido para mais um museu financiado pelos contribuintes e consumidores de electricidade de todo o país é... Lisboa. Enquanto todo o país definha à míngua de empregos, investimentos e equipamentos sociais e culturais, o desequilibrado Estado encoraja mais um flamejante museu na capital de todos os gastos e todos os edifícios existentes desaproveitados. Já nem sequer surpreende. Mas ainda indigna.

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