sexta-feira, 6 de setembro de 2013

V de Vinagre

Quando um país de 200 milhões de habitantes tem convulsões, o mundo toma nota. Sobretudo quando esse país representa uma potência ascendente, daquelas que pode vir a influenciar o mundo nas próximas décadas: senhoras e senhores, eis as dores de crescimento do B dos BRICs, o Brasil.

250 000 pessoas saíram à rua em mais de 100 cidades brasileiras, e muitas outras onde a diáspora do país é importante (incluindo Lisboa e Porto). Os protestos, agora um pouco mais suaves, continuam – maioritariamente pacíficos, mas entrecortados por combates desiguais com a polícia militar. De um aumento dos bilhetes de autocarro em S. Paulo equivalente a cerca de sete cêntimos de euro nasceu o movimento V de Vinagre, uma sátira certeira ao ridículo que constitui ver pessoas na cadeia por transportarem consigo vinagre (que reduz os efeitos dos gases pimenta e lacrimogéneo atirados pela polícia), ao mesmo tempo que faz uma referência directa a V, o mascarado anti-totalitário do filme V de Vendetta.

Há várias questões levantadas pelo facto extraordinário de o Brasil estar a manifestar-se nas ruas enquanto a sua amada seleção de futebol joga em estádios novos em folha (e caríssimos). A primeira é: porquê logo agora? A última década significou um avanço social extraordinário, com milhões de pessoas a poderem abandonar as grilhetas da pobreza; em 2009, pela primeira vez na história, o país podia finalmente afirmar que mais de metade da população pertencia à classe média ou abastada. Sim, mas a lista de queixas é enorme, e qualquer uma delas poderia ter enchido o copo que transbordou por 7 cêntimos: impostos de país desenvolvido (36% do PIB) para serviços públicos muitas vezes terceiro-mundistas estão à cabeça – e ficou famoso o cartaz de um jovem que dizia simplesmente “Adoro futebol – mas dou prioridade à educação”. Mas também a alta inflação, a corrupção endémica, a brutalidade policial, ou a recente iniciativa dos deputados que procura limitar os poderes dos investigadores sobre as actividades ilícitas do mesmo governo. A sociedade civil está a crescer a uma velocidade estonteante, e acaba de amadurecer ao ponto de tomar consciência  da sua força, mas também das tarefas titânicas que ainda tem pela frente.


Outra pergunta é em forma de autocrítica. Os brasileiros perguntam-se “será que mais uma vez vai tudo acabar em pizza?”  Ou seja, após uma discussão violenta volta a calma, o sol volta a brilhar e tudo se mantém exactamente como antes? Os protestos no Brasil são complexos: um mosaico de causas, uma indefinição quanto às reinvidicações, a diversidade dos manifestantes... e a alta popularidade de que a presidente Dilma Roussef continua a gozar. A isso não será alheia a sua habilidade política ao colocar-se quase do mesmo lado de quem, nas ruas, protesta contra o “governo” que ela personifica – tremendo contraste com o ditador eleito Erdogan que, na Turquia, continua a bramir contra as redes sociais que permitem que alguém ainda fuja ao seu controlo. Mas seja ali ou no Brasil, como antes na Grécia, na Bulgária ou em Espanha, e no futuro em Portugal, há uma indisfarçável impaciência na sociedade: urge melhorar as regras do jogo. É isso que a rua nos está a dizer.