quinta-feira, 25 de fevereiro de 2010

Pequenos erros, daqueles que matam

Um terrível choque entre comboios perto de Bruxelas, enxurradas e inundações dantescas na Madeira. Em uma semana, duas catástrofes na Europa, uma lista arrepiante de vidas perdidas, rompidas, abaladas. Perdi para sempre uma colega, ela que naquela manhã apenas procurava vir trabalhar como em qualquer outra segunda-feira, e foi vítima de um comboio desgovernado. Amigos na Madeira também não ficaram ilesos. Não foi uma semana fácil. E as duas tragédias têm muito em comum; nomeadamente, poderiam ter sido evitadas ou mitigadas e não o foram porque os Estados ainda não se preocupam o suficiente em garantir a segurança básica dos que neles vivem.


A perda de uma vida humana, sempre irreparável e estúpida, ainda o é mais quando advém de um acidente – pior ainda quando esse acidente era evitável. Dois comboios chocaram na Bélgica, em Hal, porque um deles, conduzido por um jovem de 31 anos com licença há apenas um, passou um sinal vermelho. Falha humana? O serviço de segurança dos caminhos-de-ferro belgas contou 78 sinais vermelhos transgredidos por comboios ao longo de 2008 – nem todos podem ter sido por culpa dos maquinistas, mas o mais importante aqui seria saber porque é que isto não é evitado, quando seria evitável: bastaria equipar toda a rede com o sistema-padrão europeu ERTMS, que trava o comboio automaticamente se ele passar demasiado rápido num sinal. O sistema existe noutros países desde 2001 – o mesmo ano em que 8 pessoas morreram num outro choque na Bélgica, em Pécrot, devido a um maquinista inexperiente ter passado em sinal vermelho. Estas pessoas morreram em vão, dado que pouca evolução houve desde aí; 18 pessoas acabam de perecer em Hal. Entretanto, os SNCB têm dispendido os seus apreciáveis fundos em muitos domínios, com destaque para novas estações faraónicas (depois da de Liège, que custou 500 milhões de euros, o arquitecto Calatrava ultima a de Mons), mas a dotação para tal sistema no ano passado foi de uns simples… 18 milhões de euros. Agora a sua aplicação é prometida “para 2013, ou 2015 o mais tardar”.

Na Madeira a catástrofe foi “natural”; não há aqui espaço para discutir as importantes responsabilidades humanas nas alterações climáticas e no ordenamento do território inexistente que permite habitações sobre a linha da água ou estradas feitas ao longo de instáveis barrancos… mas a chuva torrencial caiu na manhã de sábado, e logo no dia seguinte o presidente do Instituto de Meteorologia afirmou que a existência de um radar (custo de dois milhões de euros) teria permitido “prever o temporal e lançar o alerta vermelho três horas antes”. Quantas das 42 vidas perdidas até agora contabilizadas teria sido possível salvar em três horas de preparação, não é possível saber. Mas sabe-se que quando as prioridades dos dinheiros públicos não estão em prevenir a vida dos seus cidadãos, os desastres são mortíferos.

segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Os gigantes também caem, mesmo que se chamem Toyota

“How the Mighty Fall”, ainda sem edição em português mas que se poderia traduzir por “Como caem os poderosos”, é um livro escrito pelo especialista em gestão Jim Collins e publicado há alguns meses. Nele o autor identifica cinco fases sucessivas do declínio de grandes e bem-sucedidas organizações humanas – o objecto da análise são as empresas, mas não é difícil transpor os argumentos para universidades, clubes de futebol, países ou mesmo civilizações… Registe-se que aos cinco estádios sucessivos da queda, Collins chamou: 1. Arrogância devido ao sucesso; 2. Procura indisciplinada de mais e mais; 3. Negação de riscos e perigos; 4. Desespero pela salvação e 5. Capitulação perante a irrelevância ou morte.

Conta-se que Akio Toyoda, neto do fundador da Toyota e presidente da maior fabricante de carros do mundo (9 milhões de veículos vendidos em 2008…), ficou muito impressionado após ler o livro, situando a sua companhia pelo menos no terceiro nível, mas mais provavelmente no quarto. De repente, o presidente de um gigante com mais de 300 000 assalariados, criador de toda uma cidade no Japão, orgulhoso de se ter tornado o maior construtor automóvel do mundo (ultrapassando a americana GM) e reputado construtor de sólidos produtos lançava ao mundo declarações muito pouco ortodoxas pelo negrume contido, com referências a “arrependimento ou morte”. Isto foi em Agosto.

Seis meses depois, o horror pressentido por Akio desvendou-se. Pressionada por mais de 2000 incidentes de “aceleração não desejada” – causando pelo menos 19 mortes – a Toyota decide-se finalmente a recolher e consertar os aceleradores de nada menos de 8 milhões de carros, na Europa, nos Estados Unidos, na China e em toda a parte. E como cereja no topo do amargo bolo, até o Prius, veículo destinado não a ser lucrativo mas a apresentar a Toyota como uma empresa nas vanguardas tecnológica e ecológica, não trava bem. Akio Toyoda escreveu esta semana ao mundo: “Lamento profundamente as inconveniências causadas…”

Ainda mais danosas para a marca do que os problemas técnicos são as revelações de que a Toyota já recebia queixas sobre estes problemas desde… 2003. E, como bom gigante em declínio, em plena fase 3 de Collins, nada fez, numa indesejada metáfora de todo um país, o Japão, estagnado numa “década perdida”. Agora pode ser demasiado tarde para a salvação – os concorrentes, grupo Volkswagen à cabeça, parecem muito determinados a arrebatar o ceptro de maiores do mundo.

Já fui o feliz proprietário de dois Toyotas; não desiludiram, não entusiasmaram. Dificilmente procurarei um terceiro, mas o livro de Jim Collins, esse aconselho-o vivamente.