segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

O falcão luxemburguês e a pomba portuguesa

Quem é neste momento o líder europeu que torce mais o nariz ao ouvir o nome de Jean-Claude Juncker? Se o leitor respondeu “Sarkozy” é bem possível que se tenha enganado, já que a resposta pode muito bem ser “Sócrates”, ou pelo menos “Teixeira dos Santos”. De facto, a pugna entre Portugal e o Luxemburgo pelo cargo de vice-presidente do Banco Central Europeu está ao rubro e a partida disputada entre os governadores dos bancos centrais dos dois países, respectivamente Vítor Constâncio e Yves Mersch, tem tido alterações constantes no marcador e continua de vencedor incerto no fim do tempo regulamentar. E Teixeira dos Santos, adepto incondicional de Constâncio, acaba de chamar caseiro ao árbitro Juncker.

Juncker foi reeleito como presidente do Eurogrupo e, nessa mesma reunião, a sua primeira tarefa seria precisamente a de organizar uma votação entre os ministros das finanças da zona euro que decidisse o substituto (a partir de Junho) do grego Papademos. Mas sob pretexto de recear um empate (os mais maquiavélicos afirmam que na verdade o receio era de uma derrota de Mersch), o árbitro mandou todos para as cabinas e marcou uma finalíssima para Fevereiro – o pretexto foi o de pedir entretanto um parecer jurídico para definir como votar à luz das novas regras do Tratado de Lisboa (ironias da alta política, a mesma cidade onde labora Constâncio).


O governo português, desconfiando que Juncker sabia ser muito difícil eleger dois luxemburgueses no mesmo dia, não gostou do adiamento (“É estranho e prejudica a candidatura portuguesa”) e preferia ter ido a penáltis. Até porque Constâncio é conhecido por ser bom à defesa, ou seja, por ser em jargão “uma pomba”: menos preocupado com a inflação e mais com o desempenho económico e o desemprego, e reticente em começar a retirar os apoios públicos concedidos nos momentos mais duros da crise.

Mersch, pelo contrário, é a definição do “falcão”: a ortodoxia financeira é o seu credo, o combate à inflação o seu primeiro e grande objectivo; e como tal, a retirada do dinheiro público da economia uma prioridade. Mersch é “tão alemão como um alemão”, monetariamente falando, e isso também parece jogar contra si: a Alemanha quer para um alemão o lugar de presidente em 2011, e sabe que é necessário equilibrar presidente e vice com filosofias diferentes – daí parecer inclinar-se para Constâncio. Resta saber em que equipa jogará a França, depois da operação de charme de Juncker em Paris há duas semanas.

Se o empate persistir, o cargo – e os 21 532 euros mensais que ele significa para o seu titular – pode cair nas mãos de mais um outsider belga, neste caso em Peter Praet, o governador do banco central do país. Ou então num candidato de última hora. Aí está um desfecho que não agradaria a nenhum dos contendores, Portugal ou Luxemburgo, em luta para subir de divisão… política.

O império contra-ataca. E o objectivo é entrar no seu bolso.

Agora, é mesmo a guerra: depois de ter passado 2009 todo a negar que fosse lançar o seu próprio telemóvel, a Google começou 2010 apresentando o seu próprio telemóvel, o Google Nexus One (na verdade o aparelho é fabricado pela HTC). Estamos num novo período da apaixonante (e rápida: há apenas 15 anos, a sua utilização era marginal) história dos telefones portáteis e da sua actual encarnação, ou seja, um pequeno computador que está sempre connosco e faz muitas, mesmo muitas tarefas, e está ligado à internet para a maioria delas. Disse internet? A Google até nasceu depois dos telefones móveis (em 1997), mas já é indissociável da rede e vive dela – 99% das suas receitas advêm da publicidade em linha. Como todos nós vamos começar a fazer as nossas buscas usando telefones em vez de computadores, então o telefone Google está explicado.

Os riscos que o gigante corre são grandes. O negócio dos telemóveis é implacável e só os melhores sobrevivem: um mau aparelho pode arranhar profundamente uma marca, mesmo valiosa. Curiosamente, um bom aparelho também trará problemas à Google, porque o novo telefone usa o Android, um bebé da própria Google, numa versão mais avançada (2.1), irritando as aliadas que tem sido usadas (HTC, Samsung, Motorola, LG, Sony Ericsson, etc.) para fazer o trabalho de sapa de promoção deste sistema operativo. E com bons resultados, a tal ponto que os analistas de mercado prevêem que este seja o segundo maior do mundo em 2012, apenas atrás do Symbian da Nokia – esta empresa europeia continua a vender mais de um em cada três telemóveis no mundo, e também lidera nos smartphones, seguida pela Blackberry. Em terceiro vem o criador e referência deste mercado, o iPhone da Apple. E é esta a grande guerra.

Este seminal objecto de design continua a crescer e já significa 17% dos smartphones mundiais; para ter sucesso, a Google terá necessariamente de conseguir entrar no minado quintal da Apple. As duas empresas, inicialmente aliadas contra o império Microsoft, cada vez se foram dando pior ao competir pelo negócio da publicidade online, e a apresentação do Nexus One é a última declaração de guerra. A Apple respondeu no mesmo dia ao comprar uma empresa cuja tecnologia permite colocar publicidade em dispositivos móveis. Sejam telemóveis ou… computadores tablet, do tamanho de ardósias de escola, que vão ser o próximo campo de batalha.
E o utilizador? Qualquer que seja o seu telefone, a Google sabe muito sobre si. E guarda religiosamente pelo menos por dois anos tudo aquilo que escreve na internet. Em resposta às preocupações quanto à invasão da privacidade dos cidadãos, o CEO da Google acaba de declarar: “Se faz algo e não quer que ninguém saiba, provavelmente nem deveria estar a fazê-lo”. Agora ele também quer conhecer os seus bolsos.