segunda-feira, 29 de junho de 2009

Aonde vais, meu menino?

E o prémio da ideia mais original da semana é atribuído… à polícia portuguesa. As forças de segurança anunciaram ir vigiar ruas e casas de suspeitos e criminosos para travar um agravamento da criminalidade nos meses de Verão. Os responsáveis pela PJ, PSP, SEF, GNR e SIS já se reuniram para rastrear os indivíduos e locais a vigiar e identificar – só numa zona da cidade de Lisboa, não divulgada, foram identificados mais de duas centenas de suspeitos (a Assembleia da República comporta 230 deputados mas estou certo de que se trata de uma simples coincidência).
Aplaudo sem reservas. Consciente de que nas casas dos cidadãos de bem, depois de uma crise financeira e anos de consistentes furtos, há cada vez menos artigos que valha a pena vigiar, a polícia prefere concentrar esforços nos locais mais bem fornecidos. A proposta, no que é aliás uma óbvia vantagem durante o verão, é refrescante: as populações sentem-se mais seguras, os ladrões obtêm uma vigilância grátis para os seus próprios pertences residenciais – algo não negligenciável se pensarmos que os integrantes desta classe profissional escolhem muitas vezes zonas arriscadas para viver – e a polícia estará mais perto dos seus clientes, que conhece tão bem a ponto de saber quem são e onde moram, sem querer no entanto ir ao ponto de prendê-los e arriscar assim ficar sem missão e emprego. Afinal, se o Joker estivesse sempre encarcerado, o Batman seria apenas um tipo que se veste de morcego e guia um carro de tuning esquisito.
Claro que anunciar publicamente que as casas dos criminosos vão ser vigiadas durante o verão pode levar alguns meliantes que sejam consumidores de tv ou jornais a, digamos, alterar o seu código postal de residência e ir dormir para outro sítio. Numa altura em que as associações hoteleiras se queixam de uma quebra de reservas na ordem dos 10%, este incentivo ao turismo interno só pode ser considerado bem-vindo.
O único ponto da medida que me suscita, confesso, algumas dúvidas prende-se com aqueles momentos – felizmente raros – em que o suspeito identificado sai de sua casa. Como conseguirá o agente da autoridade destacado distinguir se o facínora acaba de sair com intenções criminosas ou simplesmente para ir comprar um gelado? Presumo que o senhor agente verificará cuidadosamente da existência ou não de um collant negro enfiado na cabeça do suspeito, já que tal será certamente um acessório indispensável num assalto a um banco, mas não dá grande jeito na gelataria. Ninguém percebe quantas bolas queremos no cone.

segunda-feira, 15 de junho de 2009

Não há muitos motivos para estar contente

Ainda as eleições europeias. Para quem goste da Europa, como conceito e como projecto, as eleições não ofereceram grandes motivos de regozijo; as reacções e análises posteriores vieram acrescentar alguns pontos de melancolia a quem sonha com uma grande democracia europeia, participada, interessada, dinâmica e conhecedora. Nenhum destes objectivos parece ser muito bem servido pelas eleições de 2009.
Desde logo, não houve eleições europeias mas sim 27 eleições nacionais simultâneas. Nas (relativamente pobres) campanhas eleitorais, os temas nacionais, locais ou simplesmente patetas eclipsaram os assuntos que os cidadãos iriam no fundo decidir com o seu voto, como as políticas económicas coordenadas, as alterações climáticas, o nível de integração europeia, onde ficam as fronteiras do continente e quão abertas elas devem ser, o lugar da Europa – e o seu poder – num mundo em acelerada mutação... Lembrar-se-á o leitor de ver o(s) candidato(s) em que votou explanar o que pensa sobre estes assuntos? Se sim parabéns, não é fácil.
Reacção dos votantes: não aparecer à cena. Uma campanha tão negativa como a que por exemplo decorreu em Portugal não inspira muita gente a pronunciar-se, nem transmite a importância de um Parlamento Europeu que produz já dois terços da legislação de cada país e que, se o Tratado de Lisboa for aprovado e entrar em vigor para o ano, verá os seus poderes muito acrescidos – poderes esses que serão entregues aos deputados que acabam de ser eleitos. Apenas 43,24% dos europeus que podiam votar o fizeram, o que é um recorde negativo (em Portugal foram apenas 37%, o que não nos deixa ficar bem na fotografia e motivou um discurso duríssimo do Presidente da República contra “aqueles que baixam os braços numa atitude resignada”). E é fraco consolo pensar que nos Estados Unidos, por exemplo, ainda menos gente se arrasta para votar.
Este desinteresse dos eleitores provoca estragos a dois níveis: um de legitimidade – o Parlamento Europeu representa bem todos os europeus? – e outro de capacidade, pois a abstenção elevada favorece os partidos extremistas e populistas que infestam o novo Parlamento com a sua agenda de ódios – ódio à Europa, à globalização, à imigração, aos países vizinhos do seu, ao diferente, à mudança e ao futuro. E porque não se pode estar sistematicamente contra o futuro, é tão importante – essencial mesmo – que as eleições europeias sejam repensadas e melhoradas. Voltarei a este assunto com sugestões.

terça-feira, 2 de junho de 2009

O sofá de veludo de 1979

O Parlamento Europeu criou um sítio web expressamente dedicado às eleições europeias deste domingo (isto no Luxemburgo ou em Portugal; os Países Baixos e o Reino Unido dão o pontapé de saída já na quinta-feira). Talvez a característica mais interessante que lá figura seja a "máquina do tempo": uma comparação directa entre 1979, data das primeiras eleições directas para o Parlamento Europeu, e ano da graça de 2009. Ali podemos ver duas fotos da mesma sala de estar – simbolizando a nossa "casa comum", a Europa – a primeira em estilo muito 70s, no seu papel de parede com motivos laranja e os sofás em veludo faux castanho, e a segunda resplandecente de branco nos seus móveis Ikea e no enorme ecrã plasma. Dentro da imagem, cada item em que clicamos – desde as latas de bebidas até à foto emoldurada na parede – permite ao cidadão obter uma ideia muito genérica da evolução da construção europeia em várias áreas nos últimos 30 anos. E esta comparação, desde o que fazemos com a energia à mobilidade ou a defesa pela ecologia, dá algum reconforto - mas só nos primeiros segundos, pois logo em seguida vem à ideia que decisões fundamentais para nossa vida são tomadas em contínuo e está tudo por fazer. E é disso que se trata numas eleições onde quase 500 milhões de europeus vão escolher os seus representantes para uma câmara democrática e diversa cujos poderes não param de aumentar. Só nos dois últimos meses, foram adoptadas resoluções tão diversas e de alcance tão global como um pacote legislativo de telecomunicações, sempre na perspectiva da defesa do consumidor, ou a proibição do comércio de carne de foca (que levou uma ministra do Canadá, país que mata a maioria das focas no Ártico, a comer um coração de foca cru em frente às câmaras).
As eleições europeias têm perdido paulatinamente participação a cada escrutínio e, embora seja provável que essa tendência se venha a inverter esta semana, tal é reflexo de vários factores. Os eleitores estão fartos de "política" (uma palavra nobre que hoje quase soa obscena) e perderam a sentido da "res publica", bem como a ilusão de poder influenciar o estado das coisas. E é verdade que instituições europeias geograficamente distantes e que não conseguem deixar de ser vistas como algo autistas, visão que é empurrada por um punhado de deputados europeus pouco activos, não ajudam. Pois bem, é altura de começar a olhar para a metade do copo que está cheia, é isso que nos lembra a "máquina do tempo" (em http://www.eleicoes2009.eu); graças a estas eleições, a definição dos próximos 5 anos, na Europa e no mundo, começa por nós. Não estou a ver o que possa ser mais importante de fazer no domingo.