quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Onde estavas no 11 de Setembro?

Dez anos passaram sobre o pior ataque terrorista da História (naturalmente, este medonho título depende da distinção entre "acto terrorista" e "acção de guerra", já que no último caso entram momentos ainda mais negros, como Estalinegrado ou Hiroxima). 2984 pessoas perderam a vida em 100 minutos, só na queda das Torres Gémeas de Nova York, não contando com outros aviões que em princípio se despenharam sobre o Pentágono e num descampado da Pensilvânia. O acto foi tão inesperado, tão tremendo e inenarravelmente cruel, que os 150 000 seres humanos que perderam a vida durante a subsequente e iníqua, interesseira e interminável Guerra do Iraque quase parecem um dano colateral dos primeiros.

Dez anos não foram suficientes para esbater a memória. Todos sabemos o que fazíamos naquele dia quente de 2001, cada um de nós se lembra de como tomou conhecimento, pela tv, da tremenda nuvem de pó e fumo. Alguns de nós viram em directo, incrédulos, o segundo avião explodir contra a segunda torre. A mim aconteceu-me num restaurante português do Luxemburgo, durante uma hora de almoço que de repente se prolongou para lá do que seria admissível. Ao fim do dia, saí do emprego, pálido e abalado, e fui... comprar mobília — uma vã tentativa de aconchegar a casa, transformando-a em castelo inexpugnável; pois sem aviso o mundo tinha-se transformado num local perigoso. É essa a natureza daquela data de 11 de Setembro que não precisa de ano: ninguém sabia o que ia acontecer a partir dali, mas todos tivemos a percepção de que nada seria como antes. Em uma manhã, avançámos (ou retrocedemos?) várias décadas.

Dez anos não foram suficientes para mudar as recordações daqueles dias excepcionais que se seguiram. Em Nova York, o centro do mundo, eram os dias dos telefones que não funcionavam, do espaço aéreo fechado, da cidade sitiada, do cheiro nauseabundo a queimado, dos infindáveis camiões a remover entulho, dos ratos desalojados de esgotos, da corrida às lojas para comprar coletes à prova de bala e pára-quedas, só para prevenir. Dos funerais das vítimas, um após outro após outro. Os dias em que, no planeta, nenhuma conversa ou notícias poderia passar sem se referir à tragédia.

Dez anos não foram suficientes para encerrar o capítulo e fechar o livro. O arrepiante memorial inaugurado neste domingo, com Obama e Bush lado a lado e duas enormes fontes no local onde antes estavam as bases dos gigantescos edifícios, é um passo para a normalização; mais de um familiar declarou "agora que vi o seu nome aqui, em relevo, tudo se tornou mais real... e ajuda-me a seguir com a minha vida". Mas a preocupação em emprestar um tom patrioteiro e exaltante a todos os discursos soou a falso. "Os apátridas quiseram vergar-nos e só nos fizeram mais fortes". É bonito de ouvir, mas não é verdade; todos, inclusive os americanos, estamos mais inseguros que há dez anos. As feridas ainda estão por sarar — e a guerra de civilizações continua.

Superliga Europeia

O filósofo Albert Camus elogiava o futebol chamando-lhe "a inteligência em movimento". Camus, que tinha sido guarda-redes na sua juventude passada na Argélia, guardava o belo jogo em tão alta estima que mais tarde, reconhecendo-lhe o valor sociológico, dedicou-lhe também uma das suas citações mais famosas: "tudo o que eu sei sobre a moral e os deveres dos homens, devo-o ao futebol".

Haveria certamente uma dose de ironia nas palavras de Camus. Mas este desporto, o único verdadeiramente global, encerra outras qualidades e a mais extraordinária é a capacidade de mimetizar a realidade. Dito de outra forma, podem estabelecer-se paralelismos futebolísticos com as mais diferentes disciplinas. Por exemplo, o mercado único europeu nasceu devido à crescente incapacidade dos mercados nacionais fragmentados em permitir a melhor prosperidade das suas populações. Eliminando fronteiras e barreiras, os 27 compartimentos estanques nacionais passaram a um só, com muito maior potencial (e este é um processo ainda longe de terminado, mas isso ficará para outra crónica).

O futebol europeu também caminha inexoravelmente para uma forma de campeonato europeu que substitua, para os grandes clubes que nele participarem, as cada vez menos competitivas ligas nacionais. Nestas, o fosso entre os dois ou três verdadeiros contendores e os restantes é agora enorme, e não pára de aumentar: só na semana passada, em Inglaterra, as duas equipas de Manchester (actualmente as mais ricas) esmagaram por 8-2 e 5-1 as equipas que terminaram em quarto e quinto na última época, Arsenal e Tottenham. E isto é numa liga onde os direitos televisivos são negociados em conjunto e distribuídos de forma equitativa; onde não são, em Espanha, duas equipas gigantes passam o ano à espera de jogar uma contra a outra. Barcelona e Real Madrid abocanham 75% das receitas do futebol em Espanha; os dois juntos só tiveram cinco derrotas em 130 jogos; e o fosso do segundo para o terceiro, o Valencia, foi de 21 pontos... a mesma distância entre primeiro e segundo em Portugal, com o FC Porto a terminar um campeonato quase só com vitórias e 36 pontos à frente do terceiro lugar, o Sporting. Em Itália também parece só haver dois candidatos crónicos ao título (Inter e Milan); em França e na Alemanha, a competitividade no topo da tabela só parece maior quando Lyon e Bayern Munique, respectivamente, se distraem e têm um ano mau.
As águas agitam-se. O presidente do Sevilha, furioso, acaba de chamar à liga espanhola "a maior porcaria da Europa e talvez do mundo". O treinador do Arsenal e o presidente do Real Madrid já vieram propor uma verdadeira superliga europeia que substitua, em fins de semana consecutivos, a Liga dos Campeões. Eles sabem que a prosperidade do desporto futebol - que, sem o dinheiro dos oligarcas, incorre em défices crónicos - depende da incerteza dos resultados. O mesmo que já descobriram, a seu custo, os gestores da F1 e da NBA, que perderam milhões de seguidores sempre que foram dominados consistentemente por uma ou duas equipas.

Se quiserem lutar o quanto antes por um lugar entre a elite, FC Porto, Benfica e Sporting devem capacitar-se que Superliga Europeia não demorará mais de alguns anos. E que os lugares para Portugal não estão reservados de antemão.