quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Superliga Europeia

O filósofo Albert Camus elogiava o futebol chamando-lhe "a inteligência em movimento". Camus, que tinha sido guarda-redes na sua juventude passada na Argélia, guardava o belo jogo em tão alta estima que mais tarde, reconhecendo-lhe o valor sociológico, dedicou-lhe também uma das suas citações mais famosas: "tudo o que eu sei sobre a moral e os deveres dos homens, devo-o ao futebol".

Haveria certamente uma dose de ironia nas palavras de Camus. Mas este desporto, o único verdadeiramente global, encerra outras qualidades e a mais extraordinária é a capacidade de mimetizar a realidade. Dito de outra forma, podem estabelecer-se paralelismos futebolísticos com as mais diferentes disciplinas. Por exemplo, o mercado único europeu nasceu devido à crescente incapacidade dos mercados nacionais fragmentados em permitir a melhor prosperidade das suas populações. Eliminando fronteiras e barreiras, os 27 compartimentos estanques nacionais passaram a um só, com muito maior potencial (e este é um processo ainda longe de terminado, mas isso ficará para outra crónica).

O futebol europeu também caminha inexoravelmente para uma forma de campeonato europeu que substitua, para os grandes clubes que nele participarem, as cada vez menos competitivas ligas nacionais. Nestas, o fosso entre os dois ou três verdadeiros contendores e os restantes é agora enorme, e não pára de aumentar: só na semana passada, em Inglaterra, as duas equipas de Manchester (actualmente as mais ricas) esmagaram por 8-2 e 5-1 as equipas que terminaram em quarto e quinto na última época, Arsenal e Tottenham. E isto é numa liga onde os direitos televisivos são negociados em conjunto e distribuídos de forma equitativa; onde não são, em Espanha, duas equipas gigantes passam o ano à espera de jogar uma contra a outra. Barcelona e Real Madrid abocanham 75% das receitas do futebol em Espanha; os dois juntos só tiveram cinco derrotas em 130 jogos; e o fosso do segundo para o terceiro, o Valencia, foi de 21 pontos... a mesma distância entre primeiro e segundo em Portugal, com o FC Porto a terminar um campeonato quase só com vitórias e 36 pontos à frente do terceiro lugar, o Sporting. Em Itália também parece só haver dois candidatos crónicos ao título (Inter e Milan); em França e na Alemanha, a competitividade no topo da tabela só parece maior quando Lyon e Bayern Munique, respectivamente, se distraem e têm um ano mau.
As águas agitam-se. O presidente do Sevilha, furioso, acaba de chamar à liga espanhola "a maior porcaria da Europa e talvez do mundo". O treinador do Arsenal e o presidente do Real Madrid já vieram propor uma verdadeira superliga europeia que substitua, em fins de semana consecutivos, a Liga dos Campeões. Eles sabem que a prosperidade do desporto futebol - que, sem o dinheiro dos oligarcas, incorre em défices crónicos - depende da incerteza dos resultados. O mesmo que já descobriram, a seu custo, os gestores da F1 e da NBA, que perderam milhões de seguidores sempre que foram dominados consistentemente por uma ou duas equipas.

Se quiserem lutar o quanto antes por um lugar entre a elite, FC Porto, Benfica e Sporting devem capacitar-se que Superliga Europeia não demorará mais de alguns anos. E que os lugares para Portugal não estão reservados de antemão.

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