O romance é uma
ficção e, com licença da presente crise, as previsões catastrofistas do Nobel
português não se confirmaram – Portugal e Espanha estão hoje no coração da
Europa, como aliás quase sempre fizeram ao longo da História. Mas o Velho
Continente tem uma nova jangada de pedra: o Reino Unido. Ou melhor, a
Grã-Bretanha. O absurdo da voragem isolacionista é tamanho, que nem conhecemos
exactamente os limites do território a (possivelmente) separar.
O
primeiro-ministro britânico, David Cameron, anunciou ao mundo que o seu país
vai decidir em referendo se se mantém, ou não, na União Europeia. Dito assim,
poderia ser uma ideia bem-vinda que contribuísse para uma clarificação, há
muito necessária, das relações entre o Reino Unido e os seus parceiros
europeus. Os britânicos sempre estiveram com um pé fora e outro dentro da UE, o
que lhes vale (e de forma crescente) a pouca abonatória reputação de não
passarem de um cavalo de Tróia dos interesses americanos; nunca esquecerei a
explicação que Sir Humphrey deu ao seu superior hierárquico na impecável série
televisiva “Sim, senhor Ministro” (já em 1982!), em que era dito: “Nós
decidimos aderir à Comunidade Europeia porque não estavamos a conseguir
sabotá-la por fora, é mais fácil fazê-lo a partir de dentro”.
Essa clarificação
nunca chegará. Cameron desceu a um ponto politicamente muito baixo, além de
altamente irresponsável: está a usar a Europa como arma de arremesso no jogo
partidário. Prometeu um referendo “se ganhasse as próximas eleições” – estamos
assim a falar de uma mera promessa eleitoral cavalgando o imaginado populismo
eurocéptico, ao pior estilo “votem em mim que eu vos guairei para fora da
Europa”. A oposição, tanto os trabalhistas indecisos sobre o que pensar de um
referendo que pode ter um resultado catastrófico para a economia do país como
os extremistas de direita, ficaram agora confusos sobre o sua própria
estratégia. Mas o que o PM fez foi prometer um referendo se conseguisse
“renegociar a ligação do seu país à Europa” – o que isoladamente só poderá
fazer sentido para assuntos menores, dado que o Reino Unido já não faz parte de
muitas das políticas pan-europeias, como Schengen, o euro ou a Carta Social; e
conjuntamente, ou seja se estivermos a falar de um novo tratado, levará muito
provavelmente a um aprofundar dos laços e um passo na direcção do federalismo,
ou seja, precisamente o contrário do desejado pelos eurocépticos. E como cereja
no topo do bolo, ainda há a incógnita da Escócia, que tem em 2014 o seu próprio
referendo sobre a independência – e não se quer separar da Europa. Uma
confusão.