terça-feira, 15 de janeiro de 2013

O Louvre já não é só em Paris

Uma antiga cidadezinha mineira de 36000 habitantes, sem história ou monumentos relevantes e economicamente deprimida tal como a sua zona circundante, é um local altamente improvável para que ali seja possível encontrar um quadro de Leonardo ou Rubens. Se a esta hipótese adicionarmos um enorme museu cheio de preciosidades culturais e construído na vanguarda da técnica, e no topo de tudo chamarmos a este museu "Louvre", então entramos no domínio onírico da realidade alternativa. E no entanto... é exactamente isso que se passa em Lens, no norte de França, a uns meros 300 km do Luxemburgo.

O Louvre já não é só em Paris. A veneranda instituição fundada em 1793 decidiu começar a rentabilizar a sua "marca", provavelmente a mais forte do mundo no que à cultura diz respeito; ciumento do sucesso relativo dos seus competidores (o Guggenheim, a quem é creditado o renascimento de uma cidade inteira, Bilbao, a partir de um novo museu, ou o Centro Pompidou, que criou em Metz um novo farol arquitectónico), o Louvre avança agora timidamente para a conquista do mundo, abrindo duas franchises em sítios antes desprovidos de alma cultural. O Louvre-Lens abriu as portas na semana passada, a 12 de Dezembro; daqui a três anos, será a vez do Louvre-Abu Dhabi. O emirado desértico e rico em petróleo pagou uma soma absolutamente astronómica (832 milhões de euros) pelo direito de usar o nome durante 30 anos; parece um grande negócio, mas a estratégia de "McDonaldização" do maior repositório da arte mundial tem valido ao museu fortíssimas acusações de ter vendido a sua alma por um pouco mais de trinta dinheiros. Nestas considerações éticas nunca entra, infelizmente, a forma como o museu reuniu grande parte da sua colecção inicial, roubando e pilhando outros países através do "braço armado" que era o exército napoleónico. Portugal, em particular, muito perdeu durante essa altura, com igrejas e colecções particulares a serem esventradas por soldados franceses e britânicos das suas preciosidades antiquíssimas (isso sim, muitas delas por sua vez pilhadas das colónias do império, no Brasil, Índia ou África). A propósito, existem actualmente existem vários Estados soberanos, com Grécia, Turquia e Egipto à cabeça, que reclamam a restituição das riquezas subtraídas ao seu solo, e seria mais que tempo de Portugal se juntar ao mesmo grupo de pressão.


Perdidas na bruma do tempo, algumas destas peças que um dia adornaram, por exemplo, um altar minhoto ou uma casa rica no Porto encontram agora o seu caminho até Lens, dispostas na extraordinária "Galeria do Tempo" – uma sala enorme, sem pilares, onde os tesouros são expostos por ordem cronológica e paralela entre as diferentes civilizações, podendo ser visitadas transversal ou verticalmente e sublinhando o diálogo existente entre diferentes eras e culturas. É uma experiência enriquecedora e fascinante que se inicia logo pela visão do serpenteante edifício do museu imaginado pelos japoneses do gabinete SANAA – um pavilhão baixo e longo, minimalista e esbranquiçado, que segue as ondulações do terreno. Completamente contrário à imagem que formamos na mente quando falamos em "Louvre", e certamente era mesmo essa a intenção.

Numa Europa desindustrializada, com um sector primário ligado à máquina, e onde já nem sequer os serviços fogem à constante "deslocalização" para o Oriente, é o "quarto pilar" – a Cultura – que ganha cada vez mais relevância identitária e mesmo económica. É uma área a que nos podemos agarrar, nós europeus, para continuarmos a contar no mundo. A alternativa é que todo o nosso continente se transforme num museu.

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