O Louvre já não é
só em Paris. A veneranda instituição fundada em 1793 decidiu começar a
rentabilizar a sua "marca", provavelmente a mais forte do mundo no
que à cultura diz respeito; ciumento do sucesso relativo dos seus competidores (o
Guggenheim, a quem é creditado o renascimento de uma cidade inteira, Bilbao, a
partir de um novo museu, ou o Centro Pompidou, que criou em Metz um novo farol
arquitectónico), o Louvre avança agora timidamente para a conquista do mundo,
abrindo duas franchises em sítios
antes desprovidos de alma cultural. O Louvre-Lens abriu as portas na semana
passada, a 12 de Dezembro; daqui a três anos, será a vez do Louvre-Abu Dhabi. O
emirado desértico e rico em petróleo pagou uma soma absolutamente astronómica
(832 milhões de euros) pelo direito de usar o nome durante 30 anos; parece um
grande negócio, mas a estratégia de "McDonaldização" do maior
repositório da arte mundial tem valido ao museu fortíssimas acusações de ter
vendido a sua alma por um pouco mais de trinta dinheiros. Nestas considerações
éticas nunca entra, infelizmente, a forma como o museu reuniu grande parte da
sua colecção inicial, roubando e pilhando outros países através do "braço
armado" que era o exército napoleónico. Portugal, em particular, muito
perdeu durante essa altura, com igrejas e colecções particulares a serem
esventradas por soldados franceses e britânicos das suas preciosidades antiquíssimas
(isso sim, muitas delas por sua vez pilhadas das colónias do império, no
Brasil, Índia ou África). A propósito, existem actualmente existem vários
Estados soberanos, com Grécia, Turquia e Egipto à cabeça, que reclamam a
restituição das riquezas subtraídas ao seu solo, e seria mais que tempo de
Portugal se juntar ao mesmo grupo de pressão.
Perdidas na bruma
do tempo, algumas destas peças que um dia adornaram, por exemplo, um altar
minhoto ou uma casa rica no Porto encontram agora o seu caminho até Lens,
dispostas na extraordinária "Galeria do Tempo" – uma sala enorme, sem
pilares, onde os tesouros são expostos por ordem cronológica e paralela entre
as diferentes civilizações, podendo ser visitadas transversal ou verticalmente
e sublinhando o diálogo existente entre diferentes eras e culturas. É uma
experiência enriquecedora e fascinante que se inicia logo pela visão do
serpenteante edifício do museu imaginado pelos japoneses do gabinete SANAA – um
pavilhão baixo e longo, minimalista e esbranquiçado, que segue as ondulações do
terreno. Completamente contrário à imagem que formamos na mente quando falamos
em "Louvre", e certamente era mesmo essa a intenção.
Numa Europa
desindustrializada, com um sector primário ligado à máquina, e onde já nem
sequer os serviços fogem à constante "deslocalização" para o Oriente,
é o "quarto pilar" – a Cultura – que ganha cada vez mais relevância
identitária e mesmo económica. É uma área a que nos podemos agarrar, nós
europeus, para continuarmos a contar no mundo. A alternativa é que todo o nosso
continente se transforme num museu.
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