terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Schadenfreude


Sendo uma língua historicamente tão importante (a sétima mais falada em todo o globo, nunca é demais recordá-lo), é natural que o português tenha emprestado ao mundo algumas palavras hoje universais. Muitas destas provêm do Brasil, como “papagaio” ou “guaraná”, outras da miscigenação característica do império, como “crioulo”, outras ainda remetem para períodos negros da nossa História – não é um facto muito conhecido entre nós, mas “auto-de-fé” é comummente compreendido nas outras línguas ocidentais. Para equilibrar, há também palavras portuguesas universais que afagam e acariciam, como “bossa nova”.
Paralelamente, também o alemão emprestou o seu próprio conjunto – reduzido, que as  características intrínsecas da língua alemã lhe retiram universalidade – ao léxico mundial. Muitas dessas palavras advêm do campo da filosofia e são impronunciáveis (é mais fácil escrever do que dizer “weltanschauung”), outras reflectem o passado guerreiro do país, como “blitzkrieg”. Para mim, no entanto, nenhuma palavra é tão interessante como schadenfreude: o sentimento de alegria perante a desgraça alheia. Um prazer inconfessável, e no entanto tão humano; um conceito que na rígida língua germânica pode ser expressado recorrendo a uma única palavra. Meio a sério meio a brincar, podem ser acrescentadas mais algumas: “Schadenfreude é a alegria mais bela, já que vem de coração”.

É irónico que a schadenfreude tenha sido inventada na Alemanha – pois é daí que chegam as notícias que provocam uma certa alegria proibida pelo infortúnio alheio: a economia alemã, suposto motor de um espaço económico europeu deprimido, está a abrandar. No último trimestre de 2012, regrediu mesmo (0,5 pontos percentuais), e as perspectivas para 2013 são incertas. Sim, é óbvio que à primeira vista isto são más notícias para a Europa e em particular para Portugal – que depende em grande parte do grande mercado alemão para exportar os seus produtos. Mas o abrandamento do baluarte da austeridade, o país que tem a prerrogativa de ditar a política económica do continente – repleta de opções erradas tomadas no momento errado, e que nos está a fazer sofrer, a quase todos, muito mais daquilo que seria necessário, ao mesmo tempo que nos atola numa espiral destrutiva que torna a recuperação muito mais difícil enquanto beneficia para si próprio de condições muito mais favoráveis dos mercados, incluindo taxas de juro negativas – pode vir a ter o condão de finalmente incutir algum bom-senso económico na equipa da primeira-ministra Merkel.

Pelo quinto ano consecutivo, é preciso dizê-lo: a austeridade não está a funcionar. Para a Alemanha, até agora, a situação tem sido razoável comparada com a deprimida periferia mediterrânica – mas na verdade, quando deixada em perspectiva histórica e mundial, a performance da economia alemã tem sido simplesmente sofrível. O professor Paul De Grauwe, da LSE, afirma-o com todas as letras e acrescenta que se a economia não recuperar até às eleições gerais alemãs de Setembro, Merkel será forçada a abandonar a obsessão pelo défice e abraçar finalmente políticas orientadas para o consumo e o crescimento – ou arriscar-se a perder as eleições e falhar o seu terceiro mandato. Ambas as possibilidades configuram óptimas razões para um pouco de schadenfreude esta semana.

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