sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Regresso dos banhistas maltratados


Ano após ano, o fenómeno diminui de intensidade, mas repete-se. Quando o calendário indica Agosto, dá-se o êxodo: as ruas ficam desertas, os restaurantes e os bares e as lojas fecham, os bancos e as repartições funcionam quando muito em serviços mínimos, alguns jornais – que não felizmente este – abdicam de dar notícias, perde-se o rasto aos amigos por algumas semanas. É assim no Luxemburgo, um dos poucos locais onde a velha instituição férias-de-verão-em-Agosto, criada pelo modelo social europeu, ainda vai sendo levada a sério. E ano após ano, a primeira semana completa de Setembro significa o total regresso à normalidade, com o trânsito a (não) fluir como habitualmente e com as conversas no emprego e nas aulas a versarem todas sobre os dias passados junto ao mar, em locais exóticos ou na terra de origem – os mais hedonistas, esses, já com a cabeça nos planos das próximas férias.

Mas esqueçam a imagem de uma sociedade onde escritórios, hotéis, escolas ou canteiros de obras estão nesta semana repletos de pessoas bronzeadas, com baterias recarregadas e plenas de vontade de reiniciar o ciclo anual de produtividade e labor. A rentrée deste ano é particularmente difícil, mais do que o habitual. O espírito do tempo, que notamos apenas olhando à volta, é desanimador, o que não admira se considerarmos vários factores de ordem económica (e política), no topo de todos, o crescente nível de desemprego. É bom ter um trabalho ao qual voltar uma vez devolvida a toalha de praia ao armário, já que mais e mais pessoas (3500 mais em apenas um ano, segundo os últimos dados) não podem dizer o mesmo – e a consequente subida da concorrência no mercado de trabalho também aumenta a pressão sobre aqueles que já têm um. Depois de um mês de esquecimento e gelados de morango, a aterragem na realidade é muitas vezes tão pouco suave como voando numa companhia low-cost.

É um passo curto até que nos recordemos que, tal como antes dos dias de esplanada, continuamos no meio de uma recessão económica de características estranhas e que é combatida na Europa por governos muitas vezes impopulares, por vezes instáveis, sempre endividados. E sobretudo apenas nacionais, com a Europa angustiada por ver a sua voz comum a sumir-se num coro global sempre mais complexo. Uma Europa que está “em pausa”, prendendo a respiração até saber o que se passa em votações a ter lugar nas próximas semanas: nas eleições gerais alemãs, nas portuguesas também, na recondução ou não de Barroso como presidente da (descoordenada) Comissão Europeia. E sobretudo, no novo referendo do qual depende a vida do Tratado de Lisboa, a ser realizado na Irlanda; as primeiras sondagens pós-rentrée indicam que o campo do “sim” passou a estar em minoria.
Não dá mesmo para voltar à toalha de praia e ver a vida através de óculos de sol? É que apetece.

terça-feira, 8 de setembro de 2009

Abarcando o globo


É pena que o Museu Nacional de Arte Antiga tenha decidido chamar à extraordinária exposição organizada pelo Smithsonian Institute de Washington e que abriu ao público este mês no grande museu de Lisboa um bastante neutro “Portugal e o Mundo nos séculos XVI e XVII”. O título original da mostra, que levou anos a preparar e conta com peças vindas de 26 países diferentes, é “Encompassing the Globe” (que se poderia eventualmente traduzir por algo como “abarcando o Globo”, o que desde logo sugere um jogo de palavras com as “barcas” em que as tripulações partiam à descoberta), nome que permite outras leituras, dado que o verbo, complexo, pode também significar “circundar”, “abranger”, “incluir”, “abraçar”, afinal aquela que é a temática da exposição: a epopeia dos Descobrimentos portugueses, e o seu intercâmbio de culturas, como primeira vaga da globalização. Aquando da inauguração da exposição nos Estados Unidos, em 2007, o crítico Holland Cotter (que aliás ganhou este ano o prémio Pulitzer do jornalismo) escrevia no New York Times: “Aqui está um facto pouco conhecido: uma versão da internet foi inventada em Portugal, há 500 anos atrás, por marinheiros com nomes como Pedro, Vasco e Bartolomeu. A tecnologia era rudimentar, as ligações instáveis, o tempo de resposta glacial.”
Aqui lê-se a importância de Portugal, nos séculos XVI e XVII, na criação de redes de comunicação em tempo real, o estabelecimento de mercados internacionais e o intercâmbio cultural, artístico, científico e linguístico que permitiram à Europa, através do pequeno país de (na época) milhão e meio de habitantes, influenciar e ser influenciada por culturas transcontinentais. Mas lê-se também (o tal “facto pouco conhecido”) o desconhecimento generalizado, sobretudo americano, sobre esta saga que nos levou ao outro lado do mundo – e daí o impacto que tiveram, até nos poderosos meios académicos dos EUA, os mapas-múndi onde a América não existe, ou a chegada ao distante e fechado Japão tão cedo como 1543 (através de três mercadores naufragados). Para nós, que conhecemos melhor a história, é fascinante observar testemunhos perenes do abraço de culturas, por exemplo a escultura em porcelana da Virgem com traços faciais chineses, ou o saleiro do Benim com um Vasco da Gama rodeado por crocodilos em marfim. E, até porque a versão patente em Lisboa inclui agora, ao contrário da original, tesouros como a Custódia de Belém ou os biombos Nambam (japonês para “bárbaros do sul”), é imperativo visitar a exposição durante estas férias. Até para descobrirmos melhor quem fomos/somos.