terça-feira, 8 de setembro de 2009

Abarcando o globo


É pena que o Museu Nacional de Arte Antiga tenha decidido chamar à extraordinária exposição organizada pelo Smithsonian Institute de Washington e que abriu ao público este mês no grande museu de Lisboa um bastante neutro “Portugal e o Mundo nos séculos XVI e XVII”. O título original da mostra, que levou anos a preparar e conta com peças vindas de 26 países diferentes, é “Encompassing the Globe” (que se poderia eventualmente traduzir por algo como “abarcando o Globo”, o que desde logo sugere um jogo de palavras com as “barcas” em que as tripulações partiam à descoberta), nome que permite outras leituras, dado que o verbo, complexo, pode também significar “circundar”, “abranger”, “incluir”, “abraçar”, afinal aquela que é a temática da exposição: a epopeia dos Descobrimentos portugueses, e o seu intercâmbio de culturas, como primeira vaga da globalização. Aquando da inauguração da exposição nos Estados Unidos, em 2007, o crítico Holland Cotter (que aliás ganhou este ano o prémio Pulitzer do jornalismo) escrevia no New York Times: “Aqui está um facto pouco conhecido: uma versão da internet foi inventada em Portugal, há 500 anos atrás, por marinheiros com nomes como Pedro, Vasco e Bartolomeu. A tecnologia era rudimentar, as ligações instáveis, o tempo de resposta glacial.”
Aqui lê-se a importância de Portugal, nos séculos XVI e XVII, na criação de redes de comunicação em tempo real, o estabelecimento de mercados internacionais e o intercâmbio cultural, artístico, científico e linguístico que permitiram à Europa, através do pequeno país de (na época) milhão e meio de habitantes, influenciar e ser influenciada por culturas transcontinentais. Mas lê-se também (o tal “facto pouco conhecido”) o desconhecimento generalizado, sobretudo americano, sobre esta saga que nos levou ao outro lado do mundo – e daí o impacto que tiveram, até nos poderosos meios académicos dos EUA, os mapas-múndi onde a América não existe, ou a chegada ao distante e fechado Japão tão cedo como 1543 (através de três mercadores naufragados). Para nós, que conhecemos melhor a história, é fascinante observar testemunhos perenes do abraço de culturas, por exemplo a escultura em porcelana da Virgem com traços faciais chineses, ou o saleiro do Benim com um Vasco da Gama rodeado por crocodilos em marfim. E, até porque a versão patente em Lisboa inclui agora, ao contrário da original, tesouros como a Custódia de Belém ou os biombos Nambam (japonês para “bárbaros do sul”), é imperativo visitar a exposição durante estas férias. Até para descobrirmos melhor quem fomos/somos.

Sem comentários:

Enviar um comentário