quinta-feira, 22 de julho de 2010

Força, icnitos de dinossauro!

Portugal tem 13 locais protegidos classificados como Património Mundial da Humanidade pela Unesco. É uma espécie de best of do país no que ele tem a mostrar ao mundo em termos de profundidade cultural e assombrosa espectacularidade. Se o caro leitor vai poder passar férias de verão no extremo ocidental da Europa, sugere-se vivamente que disfrute de pelo menos um deles; se não tiver férias, bom, poderá sempre visitar as casamatas da cidade do Luxemburgo, o único bem classificado do Grão-Ducado. Bélgica (sobretudo a Flandres e Bruxelas), Alemanha e França estão muito bem representadas nesta lista de 890 tesouros do nosso planeta, embora no caso da última, os dois mais próximos fiquem apenas em Nancy e Estrasburgo. Na Alemanha, tenho um fraquinho pela antiga siderurgia em Völklingen, perto de Saarbrücken; convertida em museu industrial, proporciona fotos magníficas e é um exemplo do que também poderia ser feito em Belval…

A Madeira entra aqui com o único bem português de património natural, a sua floresta de laurissilva, que mostra a ilha como ela era antes da colonização. Todos os outros locais inscrevem-se na lista de património cultural: o primeiro a ser classificado, logo em 1983, foi o centro histórico de Angra do Heroísmo – e isto pouco tempo depois do terramoto que, a 1 de Janeiro de 1980, o destruiu parcialmente mas veio também chamar a atenção para a sua existência. Os Açores também apresentam orgulhosamente o último local a entrar para a lista até agora (em 2004), a paisagem vinhateira da Ilha do Pico, feita à custa da força braçal e muita determinação. Para descrever os dez locais classificados em Portugal continental faltam os superlativos: centros históricos do Porto, Guimarães e Évora, mosteiros de Alcobaça e Batalha, convento de Cristo em Tomar, torre de Belém e Jerónimos em Lisboa, paisagem cultural de Sintra, arte rupestre em Vila Nova de Foz Côa e o Alto Douro vinhateiro constituem algumas das nossas mais preciosas contribuições ao mundo e são sítios a ver, fruir, respirar, viver.

O engraçado é que, enquanto estamos aqui a conversar sobre isto, a Unesco organiza desde domingo passado (e até dia 3 de Agosto) a sua reunião anual para avaliar novas candidaturas. Decorre em Brasília, a primeira cidade moderna a entrar para a lista, mas cuja preservação, no cinquentenário da cidade de Niemeyer e Lúcio Costa, está em risco. Outras propostas de inclusão incluem as grandes minas da Valónia. E Portugal tem uma candidatura conjunta com Espanha para as jazidas de icnitos (pegadas) de dinossauro nas serras de Aire e Arrábida. Torná-los Património da Humanidade seria uma grande vitória, algo para celebrar nas ruas com uma camisola de Portugal… Vamos, icnitos!

quinta-feira, 15 de julho de 2010

0010 - Licença para jardinar

A História repete-se sempre – e da segunda vez, é em forma de farsa. A arrepiante máxima confirmou-se estes dias devido a uma troca de espiões descobertos entre os EUA e a Rússia. Nada de sobretudos cinzentos por entre o nevoeiro, um em cada direcção, caminhando na ponte de Berlim que ligava os dois lados da Guerra Fria; os dez espiões russos encontrados nos EUA, encobertos sob nomes falsos como “Donald Heathfield” no caso de Andrey Bezrukov, viviam pacatas vidas suburbanas em família (um dos vizinhos afirmou à tv não acreditar que se tratassem de agentes porque “repare no jeito que têm com as flores do quintal”) e, na verdade, eram tão incompetentes nas suas funções que nem sequer conseguiram ser formalmente acusados de espionagem. As escutas telefónicas que, entre outras provas, os desmascararam mostram diálogos que podiam ter sido saídos de uma sátira à espionagem internacional como O Nosso Homem em Havana, livro de Graham Greene (cuja primeira versão era aliás passada na Lisboa neutral da Segunda Guerra) que deu origem ao muito aconselhável filme O Alfaiate do Panamá. A ideia já não era transferir segredos nucleares entre duas superpotências a ponto de destruírem o mundo, mas tão-somente “descobrir qual é o opinião sobre a Rússia nos círculos políticos”. As informações que encontraram podiam ter sido obtidas simplesmente lendo jornais de qualidade.

O caso – descoberto no final de Junho – começou por embaraçar a Rússia, apanhada a espiar o seu (agora supostamente aliado) americano, e a fazê-lo de forma desastrada. Num país onde o SVR ou o FSB, as organizações herdeiras do KGB, são motivo de orgulho nacional e legitimidade política, a publicidade e os apartamentos moscovitas que estes ex-falsos americanos vão agora receber do Estado não caíram bem na opinião pública. O contra-ataque russo, no entanto, virou o resultado em uma semana: o país obteve o repatriamento dos seus agentes organizando a primeira troca de espiões desde 1985 – aconteceu na quinta-feira numa pista de aeroporto em Viena, e eu acredito que a cidade foi escolhida como homenagem encapotada a (outra vez) Graham Greene, que escreveu O Terceiro Homem (e este filme não é apenas aconselhável, mas absolutamente essencial). Mas em cima da mesa apenas estavam quatro prisioneiros de índole diferente e mais política, já que não há agentes encapotados para oferecer – é muito mais difícil a um ocidental disfarçar-se de russo que o contrário. Conhecidos espiões ocidentais, por sua vez, continuam atrás das grades, entre eles alguns dos britânicos que foram descobertos a utilizar um emissor/receptor camuflado numa rocha de um parque em Moscovo, em 2006.

A segunda profissão mais antiga do mundo, florescente, vai poder retomar o curso normal de actividades, e a Rússia ganhou a batalha diplomática – até porque seguindo a lógica do primeiro-ministro Putin, também ele um antigo espião, “se os nossos agentes forem apanhados, nós vamos certamente enviar outros. E pode ser que os novos sejam mais espertos e mais difíceis de apanhar”.