terça-feira, 3 de maio de 2011

Tsunami nuclear

Há catástrofes e catástrofes. O que aconteceu no Japão é uma catástrofe de proporções bíblicas, que desafia a nossa capacidade de compreensão e a nossa forma de vida. Um terramoto de 9 na escala de Richter. Um tsunami de 10 metros de altura que até atravessou o oceano Pacífico e chegou ao México. 250 réplicas do terramoto, das quais 30 acima dos 6 graus Richter (ou seja, só por si seriam terramotos graves). 350 mil pessoas estão agora sem abrigo e cerca de cinco mil casas estão destruídas, para além dos mais de 20 mil edifícios que ruíram. 600 mil pessoas evacuadas das zonas mais perigosas. 100 mil soldados, metade de todo o exército, mobilizados para o resgate. E claro, o número mais chocante é ainda desconhecido: provavelmente as vítimas mortais chegarão aos cinco dígitos, pelo menos 10 mil pessoas.
O país atravessa a sua pior crise desde a II Guerra Mundial. E a memória desses tempos obscuros foi avivada devido a um par de imagens terríveis captadas a grande distância: os mini-cogumelos nucleares formados após as explosões dos reactores 1, 2 e 3 da central de Fukushima, perto do epicentro do terramoto. Acontecimentos aterradores num país ainda traumatizado, mesmo 66 anos volvidos, por Hiroxima e Nagasáqui.
A opção nuclear revela-se de repente em todo o seu esplendor. Ao construir 17 centrais, a maioria nos anos 1960, o Japão tornou-se refém das mesmas; o problema era um terramoto com tsunami, mas em poucos dias, a catástrofe ficou incomparavelmente mais séria – e tornou-se mundial – devido aos acidentes nucleares. Foi necessário evacuar mais populações, ficar sem energia, contaminar o planeta e... descobrir que não há alternativa e que, para restaurar toda a energia de que precisa, o país terá de reaproveitar reactores que já sofreram danos estruturais. Um pesadelo sem fim.
Rapidamente – e é estonteante a velocidade a que tudo isto se está a suceder – os governos europeus foram obrigados a reagir às manifestações antinucleares que começaram a aparecer mal as pessoas abriram os olhos para os riscos. Na Alemanha, milhares de pessoas formaram um cordão humano de 45 km no sábado ligando Estugarda à sua (velha) central nuclear; dois dias depois, Merkel recuou e congelou por três meses a decisão de prolongar a vida útil das suas centrais para lá do ano 2021, como tinha decidido Schroeder (e os Verdes). A Suíça suspendeu os projectos de renovação das suas centrais. E o comissário europeu da Energia, enumerando o desenrolar dramático dos acontecimentos – tremor de terra, tsunami, falha energética, aquecimento dos reactores, explosões – afirmou que o exemplo japonês mostra que o impensável até há poucos dias pode mesmo acontecer.
A fissão do átomo é uma tecnologia do passado e invendável depois de mais este (triplo) desastre? Em termos globais talvez, mas há um canto do globo onde por vezes as notícias parecem surreais: chama-se Portugal. Na segunda feira (o próprio dia em que explodiram os reactores 2 e 3 em Fukushima) um lobby empresarial que quer lá construir uma central nuclear (a expensas dos contribuintes) avisou que vai reapresentar “ao próximo governo” o projecto já apresentado e rejeitado em 2005, dado que o terramoto no Japão “prova que esta tecnologia é segura”. Haverá limites para a insensatez?

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