terça-feira, 3 de maio de 2011

Portugal em boas mãos: mãos europeias

O conceito de “Portugal”, variável ao longo dos tempos e presente nos mais recônditos recantos deste mundo (até, imagine-se, no Luxemburgo!), é dono de uma História interessante, rica e por vezes mesmo épica. Não suscita, isso é certo, a indiferença; até porque para cada momento heróico da gesta lusitana parece haver um outro, simétrico, que nos afunda na raiva e humilhação. A semana passada trouxe mais um destes últimos, com a demissão do governo um dia antes de um Conselho Europeu crucial para o futuro da zona euro.

O país está, todos o dizem, muitos o sentem, asfixiado economicamente. Um país repleto de pessoas destemidas, criativas, abnegadas, alegres, aventureiras, que no entanto se encontra de rastos finalmente vergado por um Estado que habituou os portugueses a viver dos seus humores e da sua esmola – uma das piores heranças do Estado Novo – para finalmente se tornar num obeso ladrão que asfixia a iniciativa privada e existe apenas numa lógica de sustento dos seus “amigos”, que se servem dos bens públicos em vez de servirem o público – a pior herança da democracia. Em comum, a mesma vertigem centralizadora que nos últimos séculos, nas últimas décadase sobretudo nos últimos anos fez mais do mesmo: desenvolver “Lisboa” à custa do resto do país. A lógica do eucalipto, que tudo seca em seu redor. Cavaco, enquanto primeiro ministro, desistiu de lutar contra “o monstro”, como lhe chamou. Guterres, que o substituiu, identificou-o antes como “o pântano” quando se demitiu, fugindo do mesmo. Eça de Queirós, um século antes, chamara-lhe “a choldra lisboeta”, à qual Barroso escapou ao ser promovido para Bruxelas. Depois chegou o arrivista Sócrates, o hábil manipulador da opinião pública que, também ele, deixou passar o tempo das reformas cruciais enquanto elas eram possíveis. A produtividade foi caindo, a criação de riqueza desaparecendo, o desemprego crescendo, a protecção social definhando. O Estado, o tal pântano, esse foi crescendo de forma voraz, alimentado a impostos crescentes e sempre em benefício dos seus filhos privilegiados, seja quem lucra nas parcerias público-privadas (melhor dito, com prejuízos públicos e lucros privados) ou gestores de empresas públicas com salários obscenos. Dificilmente haverá maior ironia que a notícia, saída exactamente no mesmo dia em que o governo português caiu de podre, de como Armando Vara (uma das eminences grises do regime) recebeu 800 000 euros do BCP em 2010, num ano em que esteve suspenso do banco por ser arguido no maior processo de corrupção e tráfico de influências de sempre.

A historieta não tem heróis, qualquer que sejam as nossas simpatias partidário-ideológicas. O governo PS fez todos os possíveis para criar uma crise política que forçasse a sua própria demissão, permitindo a estratégia da vitimização e a manutenção das hipóteses eleitorais (que é considerado o essencial); pelo mesmo tacticismo mesquinho, a oposição PSD/CDS preferiu obter eleições agora por estar convicta de as poder ganhar, mesmo que isso implique a (agora quase certa) entrada do FMI em Portugal; a oposição à esquerda, nunca olhando para lá do seu umbigo, continua empenhada em não apresentar nenhum tipo de alternativa governativa responsável. Entretanto, por força das nossas responsabilidades na moeda que partilhamos com os europeus, a economia portuguesa é cada vez mais dirigida por Bruxelas e Frankfurt, estreitando ao mínimo a margem de manobra dos políticos lisboetas. E ainda bem que assim é.

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