terça-feira, 3 de maio de 2011

Estrela (de)cadente

“It’s better to burn out than fade away” é uma expressão inglesa. Significando algo como “é melhor uma extinção repentina que uma decadência lenta”, as palavras tornaram-se famigeradas devido a Kurt Cobain: o cérebro dos Nirvana, incapaz de lidar com a popularidade estelar da sua banda de “derrotados da vida”, escreveu-as na sua nota de suicídio.

No mundo artístico abundam os casos de “burn out” – o apagar repentino da vela. Os exemplos desfilam; o próprio Cobain é dos primeiros a vir à memória, tal como John Lennon, Freddy Mercury, ou Elvis Presley. O fenómeno não é tão-pouco restringido à música moderna: Edgar Allan Poe, um dos maiores escritores de sempre, abandonou este mundo aos 40 anos de idade e no auge da carreira, enquanto Amadeo de Souza-Cardoso, o grande pintor de Manhufe (Amarante) que privava com os cubistas em Bruxelas e Paris, morreu em Espinho aos 31 anos, antes mesmo de a começar. Marylin não seria o mito Marylin se ainda hoje fosse viva, em vez de se ter extinguido ao vento aos 36. E James Dean, ícone cultural ao fim de apenas três filmes, repetia a bravata “vive rápido, morre jovem, deixa um corpo bonito” – estampando-se fatalmente com o seu Porsche aos 24 anos. Mas a morte também não é a única razão para descer repentinamente do cume da fama: Rimbaud, o grande poeta libertino que com 15 anos escrevia versos em latim, abandonou totalmente a escrita aos 21. Salinger produziu um único (mas vertiginoso) livro, “Uma agulha no palheiro”, e em seguida escondeu-se do mundo durante os restantes 60 anos da sua existência.




Depois, claro, há aqueles excelentíssimos dinossauros que atingem uma notoriedade tal que têm cada vez mais público no que quer que façam. É muito discutível se os méritos criativos estão ainda intactos, mas qualquer digressão dos Rolling Stones, filme com Robert de Niro, qualquer quadro da última fase de Picasso arrastará sempre muito mais atenção, pessoas, dinheiro e recursos que os seus trabalhos iniciais, indiscutivelmente muito superiores até pela própria lógica – já que foram estes que construíram as suas reputações.



O homem que vai tocar hoje em Nancy e no dia 20 de Abril no Luxemburgo (o local escolhido é improvável – as instalações do CNA em Dudelange) é uma das excepções a esta regra: Lloyd Cole é um “fade away”, o raro caso da estrela que se transforma lentamente num planeta frio, distante e baço. No final dos anos 80, Cole e os seus Commotions já tinham escrito a “canção pop perfeita”, vendido milhares de discos, enchido salas de concertos por todo o mundo, nomeadamente em Portugal, França ou Suécia. Pois bem, Lloyd Cole não desapareceu; não teve um acidente nem deixou de fazer o que sabe fazer. Mas as ideias parecem ter-se gasto nos primeiros trabalhos. Pouco a pouco, o público foi desaparecendo, depois as editoras, depois a banda, também algumas namoradas a avaliar pelas suas canções... hoje, os seus concertos são um exercício de nostalgia acústica, uma homenagem de um resistente aos seus ideais de pureza folk. Sem staff de apoio (“não temos ninguém para afinar as guitarras porque depois teríamos de convidá-lo para jantar”, brinca), sem artifícios cénicos outros que um foco de luz e meia dúzia de guitarras, tocando em cidades como Dudelange ou Tomar, é estranho ouvir uma estrela (de)cadente 25 anos depois. Um pouco como ver Futre a arrastar-se no Reggiana ou Eusébio no União... de Tomar.

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