terça-feira, 10 de maio de 2011

Cuba, agora em versão livre

Ainda recordo o meu espanto ao visitar Cuba pela primeira vez e descobrir que a mistura de rum e da "água suja do imperialismo" (vulgo coca-cola) não só é consumida a toda a hora na linda ilha, como ainda por cima se chama ... uma cuba libre. Pensava eu ingenuamente que a presença de coca-cola na mistura, e o nome libertário, eram subversivas invenções ianques que tornariam o cocktail proibido no regime castrista, mas na verdade a bebida foi inventada em Havana em 1898, durante a guerra de independência — que na prática tirou Cuba das garras de Espanha e a lançou para as garras dos EUA. Aliás, é precisamente nestas duas potências coloniais que a bebida tem nome não comprometido: "rum e cola".

Lembrei-me destas divagações ao ver publicadas as 313 reformas adoptadas por Raúl Castro (que apenas ostenta um leve bigode) debaixo da supervisão cheia de bonomia do seu irmão mais velho Fidel (ele sim portador de barba rija e densa). As mudanças em Cuba desde o advento da "primavera raúlista" são de monta, e esta nova lista de objectivos inclui: a possibilidade dos cubanos comprarem e venderem casas ou automóveis, ou seja, a sua propriedade privada; a regra de que que os bancos (todos estatais) podem conceder créditos a trabalhadores que se queiram estabelecer por conta própria; e a intenção de limitar a dois os mandatos de presidente (de cinco anos cada), num país liderado há 52 anos consecutivos por Fidel (idade 84) e Raúl (79).

Mas a ideia mais bombástica, e naturalmente aquela que capturou a imaginação dos media, é a de permitir aos cubanos viajar e ver o mundo. O velho conceito do regime totalitário que só se mantém cerrando fronteiras e capturando balseiros vai ruir pela base. A medida é ainda mais extraordinária por ser genuinamente motivada pela pressão da sociedade cubana, já que sempre esteve no topo das reinvidicações deste povo alegre e amante das liberdades. De facto, não se descortina qual é o interesse do regime numa medida que pode levar a uma sangria de jovens educados para fora do país, a não ser talvez querer tornar os seus cidadãos menos infelizes.

Em rigor, já é teoricamente possível a um cubano viajar para fora da ilha, e uns poucos milhares por ano fazem-no (e voltam). Mas os candidatos precisam de dinheiro — no mínimo uns 400 euros — só para obterem convites e vistos do país de destino e a famosa "carta branca" do governo cubano, sistematicamente negada a várias categorias de pessoas (nomeadamente às que têm meios para a pagar). Num sistema onde um médico aufere legalmente 15 euros por mês, o visto burocrático e o mar do Caribe servem de serôdio Muro de Berlim: a liberdade é um conceito nominal esvaziado ao primeiro choque com a realidade.

Exactamente como funcionava um regime totalitário ainda mais sinistro, o Estado Novo português. Liberdade para viajar? Com certeza, desde que o português em questão pertencesse a uma das famílias "certas". Para os restantes dez milhões, forçados a guerrear em África por um país onde 1 em cada 12 crianças morria à nascença, um quinto da população era analfabeta e a miséria era tão escondida como generalizada, o único turismo possível era para França, Luxemburgo, Alemanha, EUA. Mas era "a salto" e não havia férias.

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