quinta-feira, 5 de maio de 2011

A segunda morte de Osama Bin Laden

Crise, cortes, taxas de juro, impostos, menos férias, menos bónus, menos empregos, aumento da idade de reforma, inflação, redução dos salários... o 1.º de Maio ultimamente tem pouco de Festa do Trabalho e muito de doloroso lembrete dos cinzentos tempos em que vivemos. Mas este último trouxe uma boa notícia: o desaparecimento de Osama Bin Laden. Certo, não cria empregos (a não ser um alto cargo que vagou na Al-Qaeda), mas a verdade é que faz do mundo um lugar melhor.

[Parto naturalmente do princípio de que Bin Laden foi efectivamente morto e lançado ao mar por forças especiais dos Estados Unidos. Nos próximos tempos - presumo que já nos próximos dias - seremos inundados por teorias da conspiração das mais variadas espécies que esmiuçarão todos os detalhes revelados, desconfiarão da ausência de fotografias, nos explicarão porque é que "nunca poderia ser assim" e concluirão que Bin Laden, tal como Elvis, afinal está vivo. Mas de más teorias da conspiração está a internet cheia.]

Eliminar Bin Laden é uma vitória bombástica, sobretudo para a propaganda da guerra - não esqueçamos que as democracias ocidentais, principalmente a Europa e os Estados Unidos, estão a travar uma guerra com linhas da frente no Afeganistão e na Líbia. O milionário de 50 anos (e que tinha também pelo menos 50 meios-irmãos e irmãs), por trás da sua aparência messiânica, não era mais que um horrendo Frankenstein: monstro criado pelos próprios Estados Unidos nos anos 80, quando o então líder dos mujahedin recebeu mísseis, espingardas e dinheiro para combater os soviéticos no Afeganistão, virando-se contra o seu criador mal essa guerra foi ganha em 1989. Longe já estava o jovem saudita que tinha ido estudar Engenharia Civil para Jedá. Foi nessa universidade, em 1975, que Osama foi contaminado pelos ideais radicais que acabaram por provocar tantas catástrofes em nome de uma suposta superioridade religiosa e, mais materialisticamente, de uma reedição de um "califado islâmico" que se estenderia desde o Afeganistão à Península Ibérica.

O mais extraordinário, contudo, é a súbita irrelevância de Bin Laden no seu desaparecimento. O terrorista não tinha, no seu confortável refúgio-mansão de três andares, televisão, telefone nem internet; mas isso não o impediu certamente de se aperceber da sua primeira, e metafórica, morte, quando "a rua árabe", aquela que ele sonhava segui-lo em êxtase na sua utopia fundamentalista, preferiu antes gritar "liberdade" e sublevar-se contra os déspotas de sempre na Tunísia, no Egipto, na Líbia, no Iémen, na Síria, em Marrocos. Nestes países, a figura de Osama é hoje pouco mais do que uma relíquia de um passado de divisões mortíferas entre o Ocidente e a civilização árabe, entre democracias e ditaduras. Bin Laden era um fantasma útil agitado por líderes que desejavam ter os seus povos sobre controlo - Mubarak, Kadhafi, George W. Bush... Mas a jovem população árabe, que dos seus 25 anos ou menos olha para o 11 de Setembro como uma recordação de infância, tem outras aspirações - casa, emprego, bem-estar, liberdade de expressão, e não as 71 virgens supostamente concedidas aos mártires por Alá. O facto de hoje isso ser mais evidente que na semana passada é a verdadeira grande vitória de um Nobel da Paz chamado Barack Obama.

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