quinta-feira, 5 de maio de 2011

AA, BB, junk: fragata portuguesa ao Fundo

“Ei, você aí, me dá um dinheiro aí...” Portugal assobiou a velha canção de Milton Nascimento há duas semanas, quando decidiu desistir de lutar nos mercados financeiros para reunir as somas de que precisa para reembolsar empréstimos antigos. As taxas de juro dos novos empréstimos (a serem reembolsados pelas gerações futuras...) não paravam de subir, deixando o país com duas alternativas: ou declarar bancarrota (ou seja, a falência do país por incapacidade de cumprir com os compromissos) ou pedir emprestado um enorme montante aos “amigos” das outras economias da zona euro e do FMI. Fomos pela segunda hipótese, como antes tinham ido Grécia e Irlanda.

A diferença está no pormenor: Portugal não precisava de o ter feito.

Não precisava pelo menos até ao momento em que as agências de rating, as mesmas que tiveram um papel central na crise global de 2008, decidiram que Portugal tinha que ir ao fundo (literal e figurativamente). A partir desse momento, com os juros crescentes que o mercado pedia ao país devido exactamente às opiniões das mesmas agências, era uma questão de tempo até que a profecia se realizasse.

Portugal tinha uma economia relativamente sólida. Sem a bolha imobiliária irlandesa e espanhola (e britânica e americana). Sem as ineficiências do mercado de trabalho grego. Sem a dívida pública da Itália. Sem o défice público de, por exemplo, a França. E com taxas de crescimento do produto que, sem serem estonteantes, eram apreciáveis antes da explosão de 2008 e mesmo já no início de 2010, quando Portugal era dos europeus que mais crescia no pós-crise (graças às exportações).

Só que o país estava a jeito. Porque é pequeno, porque parece do Sul, porque tem um princípio de Estado social que não é do agrado ideológico dos “donos dos mercados”. Estes apostaram na queda do país, o resto já vamos sabendo.
Esta conspiração não pode nem deve ilibar os políticos de Lisboa das suas extensas culpas. Algumas das grandes reformas, como a da Justiça, estão há décadas por fazer. É verdade que a produtividade do trabalho estagnou. É sobretudo verdade que o desenvolvimento sustentado e equilibrado do país foi esquecido, substituído pela sôfrega construção de brinquedos de novo-rico na capital, que a tudo tem direito – estradas, pontes, aeroportos, comboios, metros, expos, museus, cimeiras, empregos e até novos hospitais e escolas anunciados ao mesmo tempo que o fecho de outros em diferentes partes do país. É ainda verdade que a corrupção profunda que é facilitada por todos estes negócios do betão, gizada entre pessoas que se conhecem do liceu e almoçam nos mesmos restaurantes, nunca foi devidamente investigada e talvez nunca o venha a ser. Por tudo isso escrevi aqui que gerir Portugal a partir de Bruxelas ou Frankfurt talvez não fosse pior para os portugueses do que fazê-lo a partir de Lisboa. A razão para que tal esteja agora a acontecer é que é errada e perigosa: os governos democraticamente eleitos por uma população não podem fazer as suas próprias escolhas sobre impostos e gastos públicos, sendo substituídos por uma obscura associação de especuladores, agências de rating e organizações tão secretas como poderosas. Cuidem-se, Espanha, Itália e Bélgica, vocês estão a seguir.

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