terça-feira, 8 de julho de 2014

Não confiem em economistas

Acaba de ser publicado um livro importantíssimo. Não é um romance, não existe ainda em tradução portuguesa, e quase não fala sobre televisão ou futebol. No entanto, isso não significa que seja impenetrável: logo no início, são-nos dadas algumas opções sobre como usufruir do texto – caso tenhamos apenas dez minutos, duas horas, uma tarde ou todo o tempo do mundo para o ler.

O livro chama-se “Economia: manual do utilizador” e foi escrito por um respeitado economista sul-coreano, Ha-jun Chang. Este professor de Cambridge é uma autoridade em Economia do Desenvolvimento e ganhou no ano passado a honra de ser considerado um dos grandes pensadores da actualidade. E Chang tem uma das características do génio: a capacidade de simplificar. Ali não há paciência para a arrogância de quem procura criar cortinas de fumo sobre a informação. A abertura do livro é desde logo clara ao afirmar que os economistas que consideram a economia demasiado complicada para as pessoas comuns se enganaram na profissão, e que não é preciso um curso superior para a compreender. A desmistificação é refrescante (e bem necessária): de facto, quase diria que quanto mais importantes os assuntos económicos se vão tornando na nossa vida, menos eles são conhecidos e debatidos. Quando foi a última discussão que o leitor teve sobre a sobrevivência do euro, por exemplo?

Mas a desconstrução do grande monólito não fica por aqui, este pequeno livro azul escancara-nos as portas. Logo a seguir, lembra-nos que a economia não é uma ciência exacta, e que não há apenas uma resposta para cada problema. Como tal, é muitas vezes usada como justificação para o que os líderes políticos querem fazer – não esqueçamos que a este nível os números dizem o que quisermos que eles digam. Este ponto é particularmente sensível no nosso tempo, em que a narrativa “isto é péssimo mas não há alternativa” (primeiro enunciada por Thatcher nos anos 80) se tornou sofisma incontestável.

O mais importante deste manual de utilização fica para o fim. O livro, que é escrito por um economista, avisa-nos para nunca confiar em economistas. Quase nenhum foi capaz de prever a brutal crise de 2008 e, pior que isso, nenhum está a ser capaz de nos retirar do poço em que nos metemos, seis anos volvidos. Esta constatação tem um enorme corolário: a economia é demasiado importante para ser deixada apenas nas mãos dos peritos. Temos, cada um de nós, de a reclamar de volta: ninguém tem o monopólio da verdade, muito menos quando o tema nos afecta a cada momento da vida. Não há desculpas para a preguiça nem para enterrar a cabeça na areia, é mesmo a nossa obrigação como cidadãos de democracias sermos economicamente activos. Exigindo reformas, organizadamente, é possível melhorarmos, mas nada acontecerá caído do céu.

Ler este livro pode ser o início de uma viagem enriquecedora e irá sempre, como mínimo, expandir-nos os horizontes. Não há mais que lhe possamos pedir. Obrigado, sr. Chang.

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