quinta-feira, 12 de junho de 2014
Equilíbrio
A queda de Barcelona em 1714 significou
o fim da guerra da Sucessão espanhola. Esta tinha começado mais de uma década
antes devido à morte do anterior rei Carlos II: este homem portador de
múltiplas deficiências mentais e físicas devidas à extrema consanguinidade (o
seu pai tinha casado com a sobrinha dele, pelo que a mãe de Carlos dos Áustrias
era simultaneamente sua prima, por exemplo) era também impotente, pelo que o
ramo espanhol dos Habsburgos se extinguiu com ele. O seu testamento era confuso
e transmitia o trono a Filipe de Bourbon, que era também o neto do rei de uma
França como sempre expansionista. Ou seja, o Bourbon uniria as duas maiores
potências europeias da época sob a mesma égide, e isso representava uma ameaça
às restantes coroas. As delicadas relações de poder dentro da Europa
tornar-se-iam desequilibradas com a ascensão de uma potência central.
Entra em cena a Inglaterra, a “pérfida
Albion” que não suporta a subalternidade perante os franceses, com a sugestão
de um pretendente alternativo que mantivesse a Espanha firmemente anti-gaulesa.
Aliando-se aos Países Baixos e à Áustria, a Inglaterra também fez o subserviente
rei português Pedro II, que até já tinha reconhecido Filipe como novo rei de
Espanha, mudar para o seu campo; acto contínuo, Portugal foi invadido pelas
tropas hispano-francesas. A França, por seu lado, temia uma poderosa aliança
hispano-austríaca que a cercaria no continente e nas colónias. Assim, a guerra
europeia arrastou-se e só terminou em 1714 com a conquista da Catalunha (que
desapareceu) pelas tropas dos Bourbon que ainda hoje reinam sobre a Espanha –
curiosamente, precisamente a partir do dia em que escrevo estas linhas, o velho
rei Juan Carlos abdica a favor de um outro Filipe, seu filho (que não é o mais
velho, mas as monarquias não são famosas pela igualdade de oportunidades…).
O tratado que na prática terminava a
guerra já tinha sido assinado no ano anterior, em Utrecht. Ali, apenas a
habilidade do negociador português, Luís da Cunha, impediu que os franceses,
muito melhor preparados com os seus detalhados mapas da América do Sul,
abocanhassem grande parte do Brasil; na verdade, Portugal conseguiu sair
vencedor, à custa de Espanha (cujo grande declínio começou ali). Melhor ainda
sairiam a Inglaterra, a França e a Áustria, mas todos tiveram de abdicar de
algumas das suas pretensões iniciais: o documento representa não só uma
perfeita aplicação como também a primeira menção específica da teoria clássica
do equilíbrio de poderes, em que nenhum Estado, sozinho, é suficientemente forte
para dominar os restantes.
Velho de três séculos, o tratado de
Utrecht encerra lições muito úteis ainda hoje. A Europa perdeu o seu
equilíbrio: há uma potência de tal forma hegemónica que nada pode ser feito
contra a vontade de Angela I, a imperatriz do Reno. A próxima vítima da desequilibrada
relação de forças pode muito bem ser Juncker, um candidato demasiado europeísta
(e demasiado desalinhado) aos olhos de Berlim. Preferindo manobrar uma
marioneta ao estilo Barroso, Angela prepara a sua oportunidade de apresentar um
candidato “de consenso”, nem Juncker nem Schulz nem Verhofstad, que nunca faça
nada na Comissão Europeia sem primeiro pedir a egocêntrica Alemanha.
Não é a extrema-direita populista, que é minoritária e folclórica, quem
representa a maior ameaça ao futuro da Europa: esta provém sim de uma hegemonia
sem equilíbrio. Esperemos que desta vez não seja preciso uma guerra para o
corrigir.
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