“Estou chocado!”, lançou um ainda relativamente
anónimo António Guterres como reacção a quente à pesada derrota do PS nas
legislativas portuguesas de 1991. Guterres – também graças a este comentário
mordaz – veio a substituir Jorge Sampaio à frente do partido e Cavaco Silva à
frente do governo do país.
Estou chocado com os resultados das eleições
europeias. Não estou surpreendido, dado que não só há meses as sondagens
alertavam para esta possibilidade como também o caminho até este ponto foi
longo e repleto de falhanços e opções erradas. Mas para um europeu como eu,
carregando no seu ADN o amor pela liberdade, pela democracia, pelos direitos
humanos, pelo progresso, pela crença na vida em sociedade e pela construção de
um mundo melhor, assistir a esta viragem em direcção à extrema-direita mais ou
menos xenófoba, mais ou menos racista, mais ou menos anti-semita é verdadeiramente
calamitoso, mesmo que não inesperado.

Seis anos volvidos, continuamos estancados no mesmo
ponto de sempre: ao crescimento económico anémico juntam-se o desemprego
galopante e o fantasma da deflação. Caminhamos a passos largos para a
proverbial “década perdida”. E esta decadência económica é amplificada por
outra, mais profunda, mais difusa, que advém do sentimento colectivo de estar a
ver o destino a fugir-nos das mãos e isto, em grande parte, devido a uma crise
da nossa representação colectiva: esta já não nos serve, estamos alienados.
A impotência da Europa é paradoxal, porque mais
ficcionada que real: as instituições do continente reuniram uma apreciável
colecção de poderes ao longo das décadas – e souberam usá-los bem. De facto,
muito do que é da responsabilidade europeia evoluiu positivamente. Mas nas
áreas onde os países europeus não abdicam do seu controlo quase exclusivo, como
os impostos, a política económica ou o emprego, os péssimos resultados à vista…
São estes mesmos Estados-membros (sobretudo um deles…) cuja ideia de reforma é
a sabotagem da União, decidindo tudo o que há de relevante em conferências
intergovernamentais de funcionários não-eleitos atrás de portas bem fechadas; ao
mesmo tempo que fomentam a apatia dos eleitores em relação aos seus
representantes no Parlamento Europeu, uma das últimas possibilidades do
equilíbrio de poderes após o apagamento da Comissão liderada por Barroso.
Os desastrosos resultados das eleições de 2014,
inserindo a semente da xenofobia no coração do projecto, podem ser o princípio
do fim da Europa. Mas serão certamente, isso sim, o fim do princípio de algo
novo que virá nos próximos cinco anos.
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