quinta-feira, 12 de junho de 2014

O fim do princípio


“Estou chocado!”, lançou um ainda relativamente anónimo António Guterres como reacção a quente à pesada derrota do PS nas legislativas portuguesas de 1991. Guterres – também graças a este comentário mordaz – veio a substituir Jorge Sampaio à frente do partido e Cavaco Silva à frente do governo do país.

Estou chocado com os resultados das eleições europeias. Não estou surpreendido, dado que não só há meses as sondagens alertavam para esta possibilidade como também o caminho até este ponto foi longo e repleto de falhanços e opções erradas. Mas para um europeu como eu, carregando no seu ADN o amor pela liberdade, pela democracia, pelos direitos humanos, pelo progresso, pela crença na vida em sociedade e pela construção de um mundo melhor, assistir a esta viragem em direcção à extrema-direita mais ou menos xenófoba, mais ou menos racista, mais ou menos anti-semita é verdadeiramente calamitoso, mesmo que não inesperado.

Porque haveria de ser inesperado? O voto na extrema-direita tem valor precisamente pelo choque que provoca, porque exprime a rejeição de uma parte do eleitorado. Os cidadãos que votam num partido protofascista rejeitam. Rejeitam o dinheiro gasto para salvar bancos que agora não existe nos cofres públicos, rejeitam um sem-fim de conspirações imaginárias ou reais, rejeitam a forma como a crise de 2008 foi combatida (e piorada), rejeitam o dumping fiscal, rejeitam os políticos, o desemprego, o crime, rejeitam o diferente de si, rejeitam a sociedade, rejeitam, até certo ponto, todo o nosso tempo; mas rejeitam. E de forma autodestructiva. É a atracção pelo abismo – mas ninguém sobrevive a uma queda no abismo…

Seis anos volvidos, continuamos estancados no mesmo ponto de sempre: ao crescimento económico anémico juntam-se o desemprego galopante e o fantasma da deflação. Caminhamos a passos largos para a proverbial “década perdida”. E esta decadência económica é amplificada por outra, mais profunda, mais difusa, que advém do sentimento colectivo de estar a ver o destino a fugir-nos das mãos e isto, em grande parte, devido a uma crise da nossa representação colectiva: esta já não nos serve, estamos alienados.

A impotência da Europa é paradoxal, porque mais ficcionada que real: as instituições do continente reuniram uma apreciável colecção de poderes ao longo das décadas – e souberam usá-los bem. De facto, muito do que é da responsabilidade europeia evoluiu positivamente. Mas nas áreas onde os países europeus não abdicam do seu controlo quase exclusivo, como os impostos, a política económica ou o emprego, os péssimos resultados à vista… São estes mesmos Estados-membros (sobretudo um deles…) cuja ideia de reforma é a sabotagem da União, decidindo tudo o que há de relevante em conferências intergovernamentais de funcionários não-eleitos atrás de portas bem fechadas; ao mesmo tempo que fomentam a apatia dos eleitores em relação aos seus representantes no Parlamento Europeu, uma das últimas possibilidades do equilíbrio de poderes após o apagamento da Comissão liderada por Barroso.

Os desastrosos resultados das eleições de 2014, inserindo a semente da xenofobia no coração do projecto, podem ser o princípio do fim da Europa. Mas serão certamente, isso sim, o fim do princípio de algo novo que virá nos próximos cinco anos.

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