quinta-feira, 12 de junho de 2014

O desporto-rei vai nu

O futebol é o desporto mais belo do mundo. No Brasil, é algo de tão superlativo que é comum designá-lo por “religião”; sem ir tão longe, para muitos é uma paixão, e ninguém nega o poder deste fenómeno social global – provavelmente, o mais global de todos: metade da Humanidade vai seguir pelo menos um jogo do Mundial que começa hoje.

Que miséria então que este extraordinário jogo, nos seus melhores momentos capaz do sublime e do épico, tenha caído nas mãos da mais cínica máfia. Uma máfia cuja única preocupação é ganhar o máximo de dinheiro possível à custa dos fãs, tratados com a condescendência habitualmente reservada aos viciados em drogas – os dirigentes sabem que, façam eles o que fizerem, nós vamos sempre vibrar com a bola que entra ou bate na trave.

E muito tem a FIFA feito para destruir a nossa fé no desporto. Seria fastidioso – e virtualmente impossível neste espaço – enumerar os escândalos de corrupção conhecidos no organismo que governa com mão de ferro o futebol mundial, sobretudo a partir de 1974, ano em que um apaniguado da ditadura militar brasileira, João Havelange, foi eleito presidente com a ajuda da Adidas – a mesma marca que ganhou em seguida contratos milionários e exclusivos com tudo o que era federação. Havelange, que aos 98 anos ainda é vivo, viu-se obrigado a renunciar à sua “presidência honorária” da FIFA para não ser acusado nos vários dossiers de corrupção que o implicam, mas ainda vai poder ver um Mundial no seu país – condição que impôs a Blatter antes de lhe passar o apetecido lugar de imperador do futebol. Blatter, o dinossauro que nunca pontapeou uma bola e é conhecido pelas suas declarações públicas de velhote pervertido ou simplesmente pateta (bem como por ter interrompido ao fim de 11 segundos o minuto de silêncio em honra de Mandela no dia seguinte ao da sua morte), insiste sem se rir que a FIFA é “uma organização sem fins lucrativos”. Na verdade é mesmo esse o estatuto oficial desta máquina de fazer dinheiro (1 bilião de dólares numa conta suíça, dinheiro a que Blatter chama “uma reserva”) que não paga impostos de qualquer espécie em nenhum país e que não responde perante nenhum governo nem, na prática, perante nenhum tribunal. 

O passado obscuro da FIFA arrisca-se a parecer impoluto comparado com o presente e futuro. As acusações de resultados combinados e influências arbitrais não param de crescer. A Copa no Brasil vai encontrar oposição violenta de uma parte da população que não aceita viver na miséria enquanto o seu país gasta 10 mil milhões de euros sob condições colonialistas para organizar o torneio, sem tocar num tostão dos lucros. O futuro é pior: os próximos torneios serão na Rússia e no Qatar, escolhidos sem outro critério que o dinheiro sujo, compra de votos e influências políticas. Platini, ex-jogador apanhado nas malhas do doping, presidente da UEFA e futuro presidente da FIFA, ia votar pelos EUA mas mudou de repente a agulha para o Qatar depois de um jantar no Eliseu com o presidente da federação daquele país (actualmente indiciado por corrupção) e com o então presidente francês Sarkozy. Uma semana depois do jantar, o Qatar ganhou o campeonato do mundo – e na sua sociedade semi-esclavagista, calcula-se que só construir os estádios vá custar 4000 vidas humanas. Seis meses depois daquele jantar, dinheiro provindo duma fundação do Qatar comprou o Paris Saint-Germain FC.

Sabemos tudo isto e muito mais, e no entanto vamos estar colados à tv para vibrar com Ronaldo e seguir todo o Mundial. É por isso que somos tratados como viciados.

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