sexta-feira, 16 de março de 2012

Nunca desperdices uma boa crise

"Nunca desperdices uma boa crise", escreveu M. F. Weiner, um médico americano, em 1976. Weiner aconselhava os seus colegas a aproveitar a janela de oportunidade que um momento mais delicado na vida do paciente (ou até do próprio médico) poderia conceder em termos de melhoria da sua qualidade de vida ou de aspectos da sua personalidade. A frase remete directamente para o significado em latim da palavra "crisis", que não era mais que "a fase decisiva de uma doença". A etimologia já vinha do grego, onde a palavra transmitia a ideia de escolha, julgamento, decisão importante; a descrição corresponde a um momento basculante, de charneira, uma situação de instabilidade que vai conduzir a uma nova realidade. Um período "crítico", mas sem que este adjectivo tenha uma conotação negativa (ou positiva).


"Crise" escreve-se no alfabeto chinês com o auxílio de dois caracteres, wei e ji; o primeiro significa "perigo". Em muitos dos seus discursos, JFK popularizou no mundo ocidental a ideia que o segundo em contrapartida significaria "oportunidade" - na verdade, "ponto crítico" é uma tradução mais fiel para ji, mas de uma forma ou de outra, também aqui encontramos a noção de mudança, de escolha, mesmo de possível melhoria. O significado clássico, expurgado da sua monopolização económica, acentua o livre-arbítrio do indivíduo, a sua responsabilidade, a capacidade e a soberania que tem para julgar e decidir.

A crise é a ruptura, ruptura de hábitos, de comportamentos, de ideias, de capacidades, mas essa ruptura pode ser um ponto de partida, um empurrão sem o qual não há energia para a evolução e para a gestão da mudança. O próprio Jean Monnet era sanguíneo sobre o assunto: "Os homens só aceitam a mudança quando estão em necessidade... e só vêem a necessidade quando estão em crise". Não deixa de ser uma pequena ironia que a União Europeia da qual Monnet foi um dos pais fundadores chafurde na crise - que não criou - há mais de três anos, e ainda sem luz ao fundo do túnel. O "momento crítico" prolonga-se e manifesta-se em incertezas e contradições, sem que o novo paradigma se defina. Todos sabemos que não poderemos continuar assim indefinidamente, porque nem os indivíduos nem as sociedades têm forças físicas ou psíquicas para tal; mas as nossas escolhas ainda são claras, porque nem a própria encruzilhada o é. Podemos, no entanto, fazer um esforço para apreciar o fim das ilusões que uma boa crise sempre proporciona: o momento da revelação, em que abrimos os olhos e descobrimos uma paisagem radicalmente diferente daquela que imaginávamos, é tremendo - mas também belo e possivelmente recompensador, se a encararmos da forma certa. Afinal, é bem verdade que nunca é possível encontrar uma oportunidade perdida.

"A crise de hoje é a piada de amanhã", escreveu H. G. Wells, autor de "A forma das coisas que virão" e que também sabia algo sobre o assunto - a sua vida foi uma sucessão de crises amorosas. O comediante Robert Orben tocou no mesmo ponto com mais verve. "Antigamente, a Humanidade tinha duas opções em períodos de crise grave: lutar ou fugir. Agora temos uma terceira opção: lutar, fugir ou rir". Riamos todos, então, e que seja bem-vinda a crise.

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