
"Crise" escreve-se no alfabeto chinês com o auxílio de dois caracteres, wei e ji; o primeiro significa "perigo". Em muitos dos seus discursos, JFK popularizou no mundo ocidental a ideia que o segundo em contrapartida significaria "oportunidade" - na verdade, "ponto crítico" é uma tradução mais fiel para ji, mas de uma forma ou de outra, também aqui encontramos a noção de mudança, de escolha, mesmo de possível melhoria. O significado clássico, expurgado da sua monopolização económica, acentua o livre-arbítrio do indivíduo, a sua responsabilidade, a capacidade e a soberania que tem para julgar e decidir.
A crise é a ruptura, ruptura de hábitos, de comportamentos, de ideias, de capacidades, mas essa ruptura pode ser um ponto de partida, um empurrão sem o qual não há energia para a evolução e para a gestão da mudança. O próprio Jean Monnet era sanguíneo sobre o assunto: "Os homens só aceitam a mudança quando estão em necessidade... e só vêem a necessidade quando estão em crise". Não deixa de ser uma pequena ironia que a União Europeia da qual Monnet foi um dos pais fundadores chafurde na crise - que não criou - há mais de três anos, e ainda sem luz ao fundo do túnel. O "momento crítico" prolonga-se e manifesta-se em incertezas e contradições, sem que o novo paradigma se defina. Todos sabemos que não poderemos continuar assim indefinidamente, porque nem os indivíduos nem as sociedades têm forças físicas ou psíquicas para tal; mas as nossas escolhas ainda são claras, porque nem a própria encruzilhada o é. Podemos, no entanto, fazer um esforço para apreciar o fim das ilusões que uma boa crise sempre proporciona: o momento da revelação, em que abrimos os olhos e descobrimos uma paisagem radicalmente diferente daquela que imaginávamos, é tremendo - mas também belo e possivelmente recompensador, se a encararmos da forma certa. Afinal, é bem verdade que nunca é possível encontrar uma oportunidade perdida.
"A crise de hoje é a piada de amanhã", escreveu H. G. Wells, autor de "A forma das coisas que virão" e que também sabia algo sobre o assunto - a sua vida foi uma sucessão de crises amorosas. O comediante Robert Orben tocou no mesmo ponto com mais verve. "Antigamente, a Humanidade tinha duas opções em períodos de crise grave: lutar ou fugir. Agora temos uma terceira opção: lutar, fugir ou rir". Riamos todos, então, e que seja bem-vinda a crise.
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