Estou a escrever estas linhas desde uma pequena aldeia nos Andes, do
lado argentino. Barreal, cujos 1900 habitantes muito espirituais
(ainda mais que o Natal a 25, a população índia celebra a Virgem Maria
a 26 de Dezembro numa festa com reminiscências das romarias
portuguesas) vivem num pequeno emaranhado de ruas em terra batida e
sem nome, serve de centro turístico a quem queira escalar as montanhas
ou simplesmente visitar as paisagens deslumbrantes dominadas pelo
Aconcágua, o mais alto pico da cordilheira (6962 m). E Barreal, tal
como toda a província circundante de San Juan, habitada por 4 milhões
de pessoas e grande produtora de vinho, obtém toda a sua água graças
aos degelos das neves que caem nos Andes, e que em alguns picos nunca
derretem totalmente - mesmo nos 35°C actuais. Mas há um problema: nos
últimos três anos, deixou de nevar nos Andes. E para o ano o cenário
vai ser o mesmo - inverno seco e ameno.
Habituados a considerar a água como um bem tão infinito e pouco
valioso como o ar, os argentinos da região vêem-se repentinamente
confrontados com a mesma terapia de choque que já se tornou quotidiano
para muitos europeus do sul, e mais ainda em locais como a Austrália:
racionamento da água, fecho de actividades de lazer, subida dos preços
do precioso líquido. Nos Andes, as alterações climáticas são
facilmente identificáveis, e se se mantiverem vão implicar a mudança
radical de vida das populações.
E se ao mesmo tempo que alguns locais do planeta se tornam mais
quentes e secos, houver outros que se tornam mais violentamente frios?
Já tive oportunidade de passar estoicamente bastantes invernos no
Luxemburgo ou em Bruxelas. Em ambos os locais, em algum momento dos
cinco dias por ano em que nevava - a neve derretendo poucos dias
depois - os mais antigos lembravam "nos anos 70 é que os invernos eram
a sério, muito frio e neve...". Pode ser um caso de memória selectiva,
estilo no-meu-tempo-é-que-era, mas acrescentemos o verão/canícula de
2003 (tão quente que provocou um surto de construção de piscinas
privadas no Luxemburgo) e admitamos que sim, que o clima tem vindo a
aquecer no Norte da Europa. Como explicar então o passado inverno e o
actual? O Grão-Ducado teve há dias direito a 50 cm de neve, a maior
quantidade desde 1950, e o inverno nem sequer tinha começado. O
termómetro passa semanas inteiras abaixo de zero, a neve nunca
derrete, as autoestradas e os aeroportos encerram deixando milhares de
viajantes desesperados. E os Andes a suspirarem por neve...
Pode ser apenas uma coincidência. Mas a Conferência Internacional das
Alterações Climáticas aventou uma hipótese arrepiante: a extinção
próxima da corrente do Golfo, que traz águas quentes desde o México
até ao Norte da Europa. Sem esta, a Inglaterra poderia entrar numa
nova era glaciar, e todos os países norte-europeus ficariam muito mais
parecidos com o Norte da Finlândia. Talvez seja melhor para o ano
fazer uma enorme armazenagem de anticongelante e sal para as estradas;
um Natal Branco é poético, mas passá-lo bloqueado num qualquer
aeroporto tem muito menos piada.
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