A história tem contornos simples, até porque (lamentavelmente) tantas vezes vistos. No sábado, um passageiro dirigiu-se ao aeroporto de Lanzarote, Canárias, para apanhar o avião para regressar a Charleroi, Bélgica. Trazia consigo a mesma bagagem que no voo de ida, mas desta feita e arbitrariamente um zeloso funcionário do aeroporto espanhol, devidamente instruído pela Ryanair ou simplesmente mais mesquinho e zangado com a vida, decidiu que a mala seria demasiado grande ou pesada e exigiu-lhe uma dessas multas traiçoeiras: 40 euros. O funcionário, por detrás do seu mais que provável bigodinho aparado, esperaria a reacção do costume, ou seja alguns resmungos seguidos do sacar do cartão de crédito e do aumento da conta bancária da empresa aérea. Só que desta vez o copo transbordou. O homem recusou-se a pagar. Talvez se tenha lembrado que, afinal, um homem não é um rato; que existe o direito à indignação; que temos sempre o poder de dizer “não”. Ou talvez, simplesmente, não tivesse 40 euros consigo. O que é certo é que a revolta do passageiro serviu como a proverbial faísca – a “Revolução de Jasmim” na Tunísia começou com uma banca ilegal de venda de legumes confiscada prepotentemente pela polícia. Em minutos, 104 estudantes universitários belgas sentados no mesmo avião à espera de regressar a casa, todos de uma idade mais utópica onde ainda acreditamos poder mudar o mundo, amotinaram-se em protesto. 104 pessoas é muita gente – o avião só transportava 168 no total – mas do alto da sua infalibilidade a companhia de baixo custo e baixo serviço preferiu resolver as coisas da forma mais mubarakiana possível: chamou a Guardia Civil espanhola e evacuou o avião, negando o transporte aos indignados. Na altura em que escrevo estas linhas, e mesmo após a intervenção da diplomacia belga, os passageiros estudantes estão ainda bloqueados nas Canárias.Lanzarote contava até há pouco tempo com um ilustre habitante, de seu nome José Saramago. Saramago, que tanto explorou a temática da resistência dos seres humanos contra a tirania das massas, estaria se ainda vivo orgulhoso destes revoltosos. A Ryanair, por seu lado, agradece-lhes secretamente mais este golpe publicitário de grandes repercussões, na linha do anterior “vamos começar a cobrar pela utilização das casas de banho”. Mas atenção, a análise da companhia pode pecar por simplista; este pode muito bem ser o ponto de viragem em que a má propaganda se torna apenas isso mesmo e os consumidores se comecem a fartar da prepotência da transportadora. Olhos abertos, os dias não correm de feição para os prepotentes.
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