quinta-feira, 10 de novembro de 2011

O homem que correu sozinho e chegou em segundo

O senhor German Antonio Londoño Roldan é colombiano e acaba de entrar na História. Não, não é ele o personagem principal do conto "Um senhor muito velho com umas asas enormes", do também colombiano Gabriel Garcia Marquez; Roldan é um quarentão calvo, e não voa pelos seus próprios meios. Mas este político soube trazer-nos para a vida real um pouco do "realismo mágico" que povoa os livros de Marquez, prémio Nobel da Literatura em 1982: Roldan era o único candidato a governar a cidade de Bello, no noroeste da Colômbia. Era o único... mas perdeu as eleições. Quem ganhou, com maioria absoluta, foi o voto em branco.

A história conta-se em algumas pinceladas: Bello é uma cidade da Colômbia, um país complexo onde a política se subordina amiúde ao narcotráfico e às organizações paramilitares, mas também um país que experimenta um ressurgimento económico e social simplesmente notável. Na cidade de 400 000 habitantes e um historial de corrupção e clientelismo, as eleições autárquicas pareciam ir ser disputadas por quatro candidatos: a favorita, Luz Ochoa, corria contra o candidato do partido conservador, Roldan, e dois outros que acabaram por desistir a favor deste. Mas a senhora Ochoa, à frente de um movimento cívico de independentes, teve problemas com as assinaturas necessárias à candidatura - alguém se queixou, e o tribunal proibiu a sua campanha. Roldan ficou a correr sozinho e começou a preparar o discurso de vitória, enquanto se aconselhava com o seu padrinho político (um antigo alcalde de Bello), visitando-o por dez vezes... na prisão onde ele se encontra detido.

O guião do filme era até aqui previsível, mas a maré começou a mudar. Luz Ochoa persistiu, começando a fazer campanha pelo voto em branco, acompanhada de várias associações cívicas e pequenos partidos. A cidade, tradicionalmente apática e conservadora, começou a discutir o seu próprio destino. E pouco a pouco, um livro de outro prémio Nobel da Literatura, o português Saramago, entrou na lista dos best sellers em Bello. O livro chama-se "Ensaio sobre a Lucidez", e ao ver tantas pessoas a lê-lo, um jornalista da capital comentou: "alguma coisa se vai passar aqui...".

E passou-se: provavelmente pela primeira vez na história da democracia, um candidato único perdeu as eleições. A lei colombiana obriga a que as mesmas sejam repetidas, mas agora sem os candidatos da primeira edição - Roldan, o nosso realista mágico, estará impedido de participar... mas Luz Ochoa, a sua adversária, vai poder fazê-lo. Saramago, que não era um homem muito democrático mas cuja lucidez era inegável, avisava: "ao político, a abstenção não diz nada. Mas o voto em branco provoca medo, porque define algo que não se pode condensar numa frase. O eleitor está a dizer: isto não me agrada".

A mim agrada-me. Vivemos tempos de insurgência contra as velhas e erradas formas de fazer política e nos governarmos; revoltarmo-nos contra as falsas escolhas que nos são dadas votando em branco é a forma mais cívica de protesto. Uma verdadeira bofetada de luva. Branca, naturalmente.

1 comentário:

  1. Страхотна история! И хубаво намигване към Маркес! Поздрави! Рада

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