quarta-feira, 26 de outubro de 2011

Caminhos alternativos

No momento em que escrevo estas linhas, a Argentina celebra a reeleição de uma mulher para o mais alto cargo daquele (magnífico) país, o de presidente. Cristina Kirchner obteve 54 por cento dos votos, enquanto o segundo mais votado não passou dos 17 por cento, na maior diferença ali registada em democracia.

A vitória de Cristina (como a senhora Kirchner é conhecida pelos argentinos) é uma daquelas histórias que deveriam ser bem conhecida por todo o mundo – e sobretudo por algumas zonas da Europa a braços com dívidas, crises económicas, austeridade e recessão. Porque era assim que a Argentina se encontrava em 1998, e foi por isso que o presidente da altura, Fernando de la Rúa, seguiu diligentemente o pacote de instruções draconianas do FMI como condição para milhões de dólares de empréstimos: subida de impostos para equilibrar o défice, cortes em áreas vitais da despesa pública, redução de salários, eliminação da concertação social, disparo do desemprego (até aos 16%). On connaît la chanson.

E também conhecemos as consequências. O PIB da Argentina decresceu a partir de 1999 e até 2002, atingindo o ponto no Natal de 2001 – dias de corrida aos bancos, consequente proibição dos levantamentos, e motins mortíferos pelas ruas. Seguiram-se dois presidentes interinos até à eleição de Nestor Kirchner (o falecido marido de Cristina) em 2003. Por essa altura já o peso argentino tinha sido desvalorizado, e Kirchner desafiou o FMI e o mundo declarando que não ia pagar a sua dívida externa nas condições que lhe estavam a ser postas (pagou-a, de uma assentada, em 2005). No fundo, a Argentina declarou-se desinteressada em agradar aos mercados internacionais, aos ratings e ao investimento estrangeiro, e o que obteve em troca foi má imprensa: nos últimos dez anos, o país como que desapareceu das notícias e quando muito conseguimos ler algo sobre a sua alta inflação ou o suposto populismo do casal presidencial. E no entanto... em dez anos, de 2002 a 2011, a economia argentina quase duplicou de tamanho, numa das melhores performances do mundo. Em 2005 já tinha recuperado da recessão, em 2007 tinha atingido o seu nível natural e, em 2011, vai crescer 8% (a previsão é do... FMI). O desemprego desceu para metade, tal como a desigualdade de rendimentos. A taxa de pobreza desceu dois terços. A mortalidade infantil também caiu a pique. Tudo em dez anos, repita-se.


O “milagre argentino” – que ainda está a meio, e que ainda não provou ser sustentável a longo prazo – deve-se em grande parte à aposta num leque muito reduzido de mercadorias (sobretudo a soja, que os argentinos não consomem e só exportam, e a carne) e mercados (essencialmente a China e o Brasil). Não é fácil reproduzi-lo. Mas trata-se de um estudo de caso que é essencial fazer, dado que encerra lições vitais para sairmos do momento económico em que vivemos – a própria presidente Cristina, em visita a Espanha no ano passado, resumiu essas lições da seguinte forma: “façam tudo ao contrário do que vos diz o FMI”.

Tudo também não, que há muito desperdício público a combater. Mas não é verdade que o “pensamento único” seja benéfico, não é verdade que o “consenso de Washington”, forjado pela escola de Chicago e a sua obsessão pelo défice, e que nos querem vender a todo o momento, seja o único caminho a seguir. Provavelmente, não é sequer o melhor caminho.

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