terça-feira, 4 de outubro de 2011

Quero pagar mais impostos

Warren E. Buffett é um homem relativamente pouco conhecido tratando-se de alguém excepcional. Este investidor americano trabalha há mais de 60 anos (tem agora 81) e não pensa reformar-se; é habitualmente apresentado como “o sábio” ou “o oráculo de Omaha” (onde vive) e uma das poucas vozes que fala sobre economia que é admirada de forma quase unânime; para além disso, há o pequeno pormenor de ser o terceiro homem mais rico do planeta, e isso impressiona em qualquer currículo. Por tudo isto, Buffett era um candidato improvável a pôr o dedo na ferida pustulenta que é a desigualdade que criámos para as nossas sociedades, mas foi exactamente isso que ele fez ao escrever para o New York Times.

O seu artigo de opinião (intitulado “Parem de mimar os super-ricos”) é tão arrasador que deveria ser ensinado nas aulas introdutórias aos cursos de economia ou ciência política. Buffett escreve sobre matemática tão simples quão chocante: ele paga mais de 5 milhões de euros de impostos, mas isso significa apenas 17,4% do seu rendimento tributável. O seu secretário pessoal, que lhe marca as reuniões e lhe compra o café preferido, paga mais impostos, tal como os seus subordinados no escritório o fazem – alguns pagam 41% do ordenado. Nenhum dos seus amigos no seu círculo de “super-ricos” paga mais de 21,5% do seus rendimentos ao orçamento de Estado. Coincidencialmente ou talvez não, 2010 foi o primeiro ano em que as 400 pessoas mais ricas dos Estados Unidos detinham mais dinheiro que a metade mais pobre da população (150 milhões de pessoas); o rendimento daqueles 400 quadruplicou em 12 anos – e a taxa de imposto que pagam foi cortada para metade... 

Sabemos que qualquer pessoa que viva do seu próprio trabalho paga, pelo menos no mundo ocidental, uma enorme percentagem dos seus rendimentos. Em compensação, quem faz investimentos especulativos, detendo acções de companhias por menos de 10 minutos, é taxado a – no máximo – 15% das suas mais-valias. Quem gere investimentos como trabalho quotidiano pode declarar o seu salário como “ganhos de capital” (taxados a 15%, ou menos) e não ganhos de trabalho. Também é possível muitas vezes classificar os rendimentos – recorrentes e derivados do labor diário – como “interesse manifesto e antigo” , taxado... a 15%.

Não podemos ter pejo (como o artigo também não tem) em apontar os culpados para a queda histórica nos impostos devidos sobre os ganhos de capital ao longo dos anos: os políticos que adoram, na maior parte das vezes por interesse próprio, proteger a elite milionária em detrimento do grosso da população. Não se trata aqui de luta de classes, mas tão-somente de uma coligação desviante que permite a alguns indivíduos extraordinariamente bem colocados fugirem aos sacrifícios pedidos à restante população.

Buffett pediu para pagar mais impostos de forma a salvar a economia em que ele próprio floresce; duas semanas depois, foram vários milionários franceses e alemães a juntarem-se ao mesmo pedido. Feita a publicidade, eles poderão voltar a dormir descansados – a mira da “austeridade” está dirigida a outros alvos.

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