29 de Maio de 1453 é um dia que viverá para sempre na
parte sombria da História cristã e, porque não dizê-lo, europeia. Foi o dia em
que Constantinopla caiu, após um cerco de 53 dias, nas mãos do sultão otomano
Mehmet (então um jovem de 21 anos). Foi a perda que significou fim o do império
Romano, após quase 15 séculos de existência.
Há um novo sultão na Turquia, um país extraordinário em
muitos aspectos mas assustador, na ausência de um Estado de Direito, em tantos
outros. Erdogan, o todo-poderoso líder do partido (islamista) da Justiça e do
Desenvolvimento, resiste no poder há 13 anos à cabeça de um aparelho que se
auto-perpetua enquanto reprime e bombardeia parte da sua própria população
(curda). O regime turco vai perseguindo e desmantelando os meios de comunicação
social que ainda não lhe tecem loas encantadas, como acaba de fazer com o
jornal mais lido do país, o Zaman – invadido e saneado, os seus jornalistas
despedidos e acusados de assédio sexual, artigos apagados dos arquivos, e o
“novo” jornal coberto de gloriosas fotos de Erdogan e de como a Europa se verga
perante o estadista.
E o pior é que neste último ponto estão certos. Nós,
europeus, não queremos acolher as vagas de refugiados que batem às nossas
portas. Nós, europeus, também não sabemos como resolver o problema, não sabemos
como estancar essas mesmas vagas, não diremos como a América de outros tempos
“Dai-me os vossos fatigados, os vossos pobres, as vossas massas ansiosas por
respirar livremente” (o poema na base da estátua da Liberdade, da autoria da
luso-americana Emma Lazarus). Decidimos subcontratar o trabalho duro a outrem,
e para o fazer vimo-nos de repente a negociar, e ceder, perante o autocrata de
um país vigiado e inseguro.
A Europa convenceu a Turquia – através de miraculosas
promessas e generosos pagamentos (6 biliões de euros…) – a servir de
zona-tampão para filtrar as dezenas de milhar de sírios, iraquianos ou afegãos
que todos os meses chegam às margens do Mediterrâneo. Cada refugiado saído da
Turquia que conseguir chegar à Grécia de forma “irregular” será reenviado à Turquia,
que em troca enviará um refugiado presente no país para a Europa, já de forma
“regular”, até um máximo de 72 000 pessoas (a partir daí os europeus só aceitam
mais refugiados se quiserem).
O acordo é muito frágil no plano legal (para ser suave).
Pressupõe que a Grécia vai processar todos os indivíduos que ali chegarem, o
que será tarefa hercúlea; pressupõe também que a Turquia seja considerada “país
seguro de reenvio”, algo que manifestamente não é (nem assim é reconhecida por
nenhum país da UE, tirando a Grécia, que é obrigada a fazê-lo). Depois, em
termos práticos, um acordo que aceita 72 000 sírios, quando há neste momento
2,7 milhões refugiados na Turquia, não lhes oferece uma perspectiva
suficientemente animadora. Ou seja, os sírios (e os restantes) continuarão a
arriscar a vida pelo mar; e não será necessário esperar muito para que tal se
torne evidente.
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