quarta-feira, 23 de março de 2016

Só não sabíamos o onde e o quando

"Há algo mau que se passa. Vai a Paris. Vai a Bruxelas. Ali estas pessoas querem a lei sharia, querem isto, querem aquilo... Eu visitei Bruxelas há muito tempo, 20 anos, tudo era tão bonito. Agora é um buraco infernal".

Estas palavras foram proferidas em Janeiro por aquilo que há de mais próximo a um político inimputável: Donald Trump. E no entanto... Trump, pelo menos por uma vez (estatisticamente é sempre possível que isso aconteça), tem razão no diagnóstico, mesmo que não nas soluções. Há realmente algo de mau que se passa em Bruxelas, a tal ponto que até um demagogo perigoso como Trump consegue passar por balbuciar profecias em relação à cidade.


Sabemos que há algo de errado quando sabemos, antecipadamente, que a cidade e os seus habitantes vão sofrer um selvático atentado terrorista. Era o caso. Só não sabíamos o onde e o quando, mas sabíamos que iria acontecer. Mais, sabíamos que estava para breve. Quando digo sabíamos, refiro-me a todos nós os que passamos muito tempo neste "buraco infernal"; a detenção de Salah Abdeslam, o nojento operacional dos atentados de Novembro em Paris, tinha ocorrido apenas quatro dias antes e só veio acelerar o horror. Isto mesmo foi dito por vários responsáveis, e peritos em terrorismo, nos dias e horas que mediaram a detenção e as explosões.

Os atentados de ontem não são surpreendentes. Provocam uma dor enorme; provocam raiva, fúria, desejos de vingança, medo, pesar, desespero, luto e até, estranhamente, uma certa atitude de desafio, como o café que insisti em ir tomar ao meu café preferido, como o amigo que ao ler as notícias decidiu ir fazer jogging para o parque, como as pessoas que, aparentemente calmas, continuam a caminhar pelas mesmas ruas onde horas antes mais de 300 concidadãos foram chacinados ou feridos.

Mas não provocam surpresa. Não depois do que aconteceu em Paris, por duas vezes, em 2015. Não depois dos quatro mortos à queima-roupa no museu Judaico, em pleno centro de Bruxelas, em 2014. Não depois dos atentados evitados in extremis em Verviers e dentro de um comboio Thalys que ia de Bruxelas para Paris. Em comum, à primeira vista, todos estes actos abjectos têm algo em comum - foram idealizados em Molenbeek, e executados por islamistas provenientes de Molenbeek. Não é um acaso. Bruxelas sofre duplamente, por um lado com as doenças da Bélgica, por outro com as doenças da Europa.

A Bélgica é um Estado falhado. Eventualmente não ao nível desta classificação quando aplicada à Somália ou ao Sudão do Sul, dado que o país é mais rico e tem, na aparência, as estruturas que mentalmente associamos a um Estado-providência de cariz europeu - e esse é desde logo um dos problemas, o laxismo com dinheiros públicos que criou subsídios de desemprego para a vida e encorajou a réplica de radicais estruturas de clã marroquinas no coração de um Estado laico e liberal. Não é esse o único laxismo: a Bélgica não se reforma, deixa-se ir. Os túneis da cidade estão a desmoronar-se sobre os carros, porque durante 40 anos ninguém se preocupou em dar-lhes manutenção. Foram ficando. As polícias (porque só em Bruxelas há seis diferentes) são completamente ineficazes. Os tribunais são inoperacionais. As prisões estão cheias e não corrigem. Os serviços secretos permitem que indivíduos altamente perigosos, conhecidos de todos e ajudados pelas suas redes de subterfúgios, se passeiem impunes por meses.

Bruxelas é um caso particular, mas é também um símbolo genérico de uma certa Europa, uma Europa que sempre foi ingénua, que não pensou no longo prazo, que tem preguiça de agir pelos seus interesses vitais. Mas que também (ainda) defende muitos valores pelos quais nos tornámos um alvo: a liberdade, a tolerância, a igualdade, a união. Estão todos colocados em causa, mas é precisamente estes que temos de manter, a todo o custo, para que valha a pena sobreviver. Não nos podemos deixar intimidar. Não podemos dar parte de fracos. Nesta guerra aberta contra o islamofascismo, prevaleceremos.

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