terça-feira, 8 de março de 2016

Código base


“Podemos ser heróis… mas só por um dia”, canta o camaleão David Bowie em Heroes, uma das maiores canções de sempre. Fronteira franco-belga, a bordo do comboio rápido Amesterdão-Paris, 21 de Agosto: um marroquino em tronco nu sai de uma casa de banho empunhando uma AK-47 e uma pistola, mas só chega a disparar um tiro antes de a metralhadora encravar; em seguida é dominado por dois jovens militares americanos, auxiliados por um seu amigo e dois passageiros mais idosos, um britânico e um francês. O comboio tinha 550 passageiros ali encurralados, e o criminoso tinha nove cartuchos de munições… Poderia ter sido um banho de sangue, no coração da Europa, dentro de um dos comboios que mais cedo ou tarde todos nós utilizamos.

Os militares e os restantes passageiros que os ajudaram tornaram-se heróis da noite para o dia, e como tal receberam imediatamente das mãos do presidente francês a Legião de Honra, a mais alta condecoração da República. De caminho, fizeram ainda mais que isso: mostraram-nos que nos tempos conturbados em que vivemos há lugar à esperança; que em vez de, passivos e impotentes, assistirmos a uma derrocada e uma catástrofe, podemos soerguer-nos à altura da ocasião e influenciar o destino. Para além da contabilidade das vidas que foram salvas, esta é uma bela história inspiradora, quase ao estilo hollywoodiano – incluindo a origem californiana dos heróis, a coincidência de eles estarem na carruagem certa à hora certa, e o final feliz. Mas… um momento! E se…?

E se este argumento fosse um nadinha demasiado hollywoodiano? Afinal, há até um filme de 2011 chamado “Código Base”, em que um militar da Força Aérea americana (o actor Jake Gyllenhaal) acorda num comboio que está prestes a sofrer um ataque terrorista… e curiosamente, o filme é uma co-produção entre a França e os EUA.

Não tenho dúvidas de que a probabilidade mais alta, de longe, é de que os acontecimentos se tenham desenrolado exactamente como foram relatados. Mas também julgo importante fazer o exercício intelectual de discutir uma hipótese alternativa – a da teoria da conspiração. Afinal, apesar de o termo ser derrogatório, há inúmeros casos de teorias da conspiração que vieram a revelar-se totalmente acertadas. Muitas delas têm precisamente como objectivo levar a opinião pública a aceitar medidas impopulares, que nunca seriam possíveis senão em situações excepcionais; por exemplo, um falso testemunho relatando supostas atrocidades das tropas iraquianas ajudou o presidente Bush (pai) a “vender” a primeira invasão do Iraque, ainda em 1990.

Precisamente desde sexta-feira, são várias as vozes que se levantam clamando por mais controlos nas estações e mesmo pelo desmantelamento do sistema de Schengen, levantando de novo as fronteiras intraeuropeias. Seriam apenas cuidados paliativos que eventualmente nos induziriam uma falsa sensação de segurança, e que ao mesmo tempo nos roubariam um – mais um – enorme pedaço da nossa liberdade. Não é abdicando das nossas conquistas civilizacionais que conseguiremos erradicar o terrorismo; pelo contrário, isso só sinaliza fraqueza e aumenta a nossa vulnerabilidade. É necessário, isso sim, partilhar mais informação entre forças de segurança, e usá-la de forma implacável – o atacante do comboio constava de uma lista de suspeitos como “altamente perigoso”, porque podia então continuar a viver na Europa?
Recuso-me a ser assustado, recuso-me a fechar-me em casa. E desejo que “Código Base” seja apenas o nome de um drama de ficção científica e nada mais, pois prefiro heróis reais, de carne e osso. Vivam os corajosos militares americanos.

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