“Podemos
ser heróis… mas só por um dia”, canta o camaleão David Bowie em Heroes, uma das maiores canções de
sempre. Fronteira franco-belga, a bordo do comboio rápido Amesterdão-Paris, 21
de Agosto: um marroquino em tronco nu sai de uma casa de banho empunhando uma
AK-47 e uma pistola, mas só chega a disparar um tiro antes de a metralhadora
encravar; em seguida é dominado por dois jovens militares americanos,
auxiliados por um seu amigo e dois passageiros mais idosos, um britânico e um
francês. O comboio tinha 550 passageiros ali encurralados, e o criminoso tinha
nove cartuchos de munições… Poderia ter sido um banho de sangue, no coração da
Europa, dentro de um dos comboios que mais cedo ou tarde todos nós utilizamos.
Os
militares e os restantes passageiros que os ajudaram tornaram-se heróis da
noite para o dia, e como tal receberam imediatamente das mãos do presidente
francês a Legião de Honra, a mais alta condecoração da República. De caminho,
fizeram ainda mais que isso: mostraram-nos que nos tempos conturbados em que
vivemos há lugar à esperança; que em vez de, passivos e impotentes, assistirmos
a uma derrocada e uma catástrofe, podemos soerguer-nos à altura da ocasião e
influenciar o destino. Para além da contabilidade das vidas que foram salvas,
esta é uma bela história inspiradora, quase ao estilo hollywoodiano – incluindo
a origem californiana dos heróis, a coincidência de eles estarem na carruagem
certa à hora certa, e o final feliz. Mas… um momento! E se…?
E se
este argumento fosse um nadinha demasiado hollywoodiano? Afinal, há até um
filme de 2011 chamado “Código Base”, em que um militar da Força Aérea americana
(o actor Jake Gyllenhaal) acorda num comboio que está prestes a sofrer um
ataque terrorista… e curiosamente, o filme é uma co-produção entre a França e
os EUA.
Não
tenho dúvidas de que a probabilidade mais alta, de longe, é de que os
acontecimentos se tenham desenrolado exactamente como foram relatados. Mas
também julgo importante fazer o exercício intelectual de discutir uma hipótese
alternativa – a da teoria da conspiração. Afinal, apesar de o termo ser
derrogatório, há inúmeros casos de teorias da conspiração que vieram a
revelar-se totalmente acertadas. Muitas delas têm precisamente como objectivo
levar a opinião pública a aceitar medidas impopulares, que nunca seriam
possíveis senão em situações excepcionais; por exemplo, um falso testemunho
relatando supostas atrocidades das tropas iraquianas ajudou o presidente Bush
(pai) a “vender” a primeira invasão do Iraque, ainda em 1990.
Precisamente
desde sexta-feira, são várias as vozes que se levantam clamando por mais
controlos nas estações e mesmo pelo desmantelamento do sistema de Schengen,
levantando de novo as fronteiras intraeuropeias. Seriam apenas cuidados
paliativos que eventualmente nos induziriam uma falsa sensação de segurança, e
que ao mesmo tempo nos roubariam um – mais um – enorme pedaço da nossa
liberdade. Não é abdicando das nossas conquistas civilizacionais que
conseguiremos erradicar o terrorismo; pelo contrário, isso só sinaliza fraqueza
e aumenta a nossa vulnerabilidade. É necessário, isso sim, partilhar mais
informação entre forças de segurança, e usá-la de forma implacável – o atacante
do comboio constava de uma lista de suspeitos como “altamente perigoso”, porque
podia então continuar a viver na Europa?
Recuso-me a ser assustado,
recuso-me a fechar-me em casa. E desejo que “Código Base” seja apenas o nome de
um drama de ficção científica e nada mais, pois prefiro heróis reais, de carne
e osso. Vivam os corajosos militares americanos.
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