terça-feira, 8 de março de 2016

Acabem com a Segunda Emenda


Mais uma semana, mais um ataque selvagem. Uma festa entre colegas de trabalho na Califórnia é devastada por um casal de cobardes de forma particularmente atroz. O homem, que todos os dias trabalhava com aqueles que assassinou, ouve um comentário trocista sobre a sua barba e sai furioso em direcção a casa; passados não mais de 20 minutos volta, vestido com roupas militares de fancaria e acompanhado da sua esposa, e vinga a sua “humilhação” disparando 90 balas que matam 14 pessoas (ironicamente 6 delas eram homens com barba) e deixam 21 em estado grave.

É tristemente óbvio que a matança não foi originada por algum tipo de ofensa pessoal. O casal tinha alugado um jipe há quatro dias e alimentava um verdadeiro arsenal pronto a utilizar; a esposa, que já tinha sido uma “mulher moderna” quando vivia no Paquistão, frequentava agora nos Estados Unidos uma seita que levava mulheres a “descobrir o islão”, mas na realidade levando-as aos limites do radicalismo. O marido, reservado, taciturno, era um muçulmano devoto que demonstrava uma predilecção obsessiva por armas de fogo. Mas mais uma vez os comportamentos suspeitos passaram despercebidos a todos os sofisticados esquemas de vigilância que nos vigiam a todos, cidadãos comuns de democracias supostamente livres.



O problema é que nos Estados Unidos, matar pessoas com uma arma semi-automática já quase nem é notícia, antes um dano colateral de uma sociedade que fez escolhas ideológicas igualmente extremistas. O rescaldo deste último massacre trouxe-nos um dado absolutamente estarrecedor: nos últimos 1066 dias, aconteceram nos EUA 1052 tiroteios em massa.

Tirando os feriados, dá uma média superior a um atentado por dia.

Um tiroteio em massa é definido por um incidente em que pelo menos quatro pessoas, entre mortos e feridos, são atingidas por balas. E nos últimos três anos aconteceu um… por dia. Em um país apenas. Com um total macabro de 1347 mortos e 3817 feridos (graves, necessariamente, que apanhar com uma bala não deve ser agradável). A isto há que somar as outras vítimas em incidentes mais isolados – as armas de fogo matam ali 13000 pessoas por ano, 300 vezes mais do que em Portugal ou em França, por exemplo.

Isto acontece, claro, porque a cultura estado-unidense glorifica a violência. Desde tenra idade, uma criança é ali exposta a milhões de assassínios televisivos antes de atingir a idade adulta; uma percentagem enorme da população pratica o tiro por desporto; há 270 milhões de armas a circular pelo país – uma média de quase uma por habitante… E claro, existe a Segunda Emenda, um aditamento à Constituição que garante a cada americano o direito a possuir armas, escrito há mais de dois séculos para permitir aos colonos defenderem-se do exército britânico numa altura em que a ex-colónia americana não tinha exército e as espingardas disparavam uma bala a cada 20 segundos. Há dias, o casal de terroristas tinha consigo 1400 balas prontas a disparar em pouco mais do que esses 20 segundos.

Por tudo isto o venerável New York Times escreveu, pela primeira vez em um século, um editorial de primeira página: “Acabem com a epidemia de armas na América”. Nele verbera, finalmente, os que votam em líderes políticos que demonstram publicamente muito pesar e encomendam orações fervorosas, mas que em seguida protegem, contra a segurança dos seus concidadãos, os privilégios e os lucros da indústria de armamento – lucros de que, obviamente, os mesmos políticos também partilham. Nada vai melhorar por ali.

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