Mais uma semana,
mais um ataque selvagem. Uma festa entre colegas de trabalho na Califórnia é
devastada por um casal de cobardes de forma particularmente atroz. O homem, que
todos os dias trabalhava com aqueles que assassinou, ouve um comentário
trocista sobre a sua barba e sai furioso em direcção a casa; passados não mais
de 20 minutos volta, vestido com roupas militares de fancaria e acompanhado da
sua esposa, e vinga a sua “humilhação” disparando 90 balas que matam 14 pessoas
(ironicamente 6 delas eram homens com barba) e deixam 21 em estado grave.
É tristemente óbvio
que a matança não foi originada por algum tipo de ofensa pessoal. O casal tinha
alugado um jipe há quatro dias e alimentava um verdadeiro arsenal pronto a
utilizar; a esposa, que já tinha sido uma “mulher moderna” quando vivia no
Paquistão, frequentava agora nos Estados Unidos uma seita que levava mulheres a
“descobrir o islão”, mas na realidade levando-as aos limites do radicalismo. O
marido, reservado, taciturno, era um muçulmano devoto que demonstrava uma
predilecção obsessiva por armas de fogo. Mas mais uma vez os comportamentos
suspeitos passaram despercebidos a todos os sofisticados esquemas de vigilância
que nos vigiam a todos, cidadãos comuns de democracias supostamente livres.
O problema é que nos
Estados Unidos, matar pessoas com uma arma semi-automática já quase nem é
notícia, antes um dano colateral de uma sociedade que fez escolhas ideológicas
igualmente extremistas. O rescaldo deste último massacre trouxe-nos um dado
absolutamente estarrecedor: nos últimos 1066 dias, aconteceram nos EUA 1052
tiroteios em massa.
Tirando os feriados,
dá uma média superior a um atentado por dia.
Um tiroteio em massa
é definido por um incidente em que pelo menos quatro pessoas, entre mortos e
feridos, são atingidas por balas. E nos últimos três anos aconteceu um… por
dia. Em um país apenas. Com um total macabro de 1347 mortos e 3817 feridos
(graves, necessariamente, que apanhar com uma bala não deve ser agradável). A
isto há que somar as outras vítimas em incidentes mais isolados – as armas de
fogo matam ali 13000 pessoas por ano, 300 vezes mais do que em Portugal ou em
França, por exemplo.
Isto acontece,
claro, porque a cultura estado-unidense glorifica a violência. Desde tenra
idade, uma criança é ali exposta a milhões de assassínios televisivos antes de
atingir a idade adulta; uma percentagem enorme da população pratica o tiro por
desporto; há 270 milhões de armas a circular pelo país – uma média de quase uma
por habitante… E claro, existe a Segunda Emenda, um aditamento à Constituição
que garante a cada americano o direito a possuir armas, escrito há mais de dois
séculos para permitir aos colonos defenderem-se do exército britânico numa
altura em que a ex-colónia americana não tinha exército e as espingardas
disparavam uma bala a cada 20 segundos. Há dias, o casal de terroristas tinha
consigo 1400 balas prontas a disparar em pouco mais do que esses 20 segundos.
Por tudo isto o
venerável New York Times escreveu, pela primeira vez em um século, um editorial
de primeira página: “Acabem com a epidemia de armas na América”. Nele verbera,
finalmente, os que votam em líderes políticos que demonstram publicamente muito
pesar e encomendam orações fervorosas, mas que em seguida protegem, contra a
segurança dos seus concidadãos, os privilégios e os lucros da indústria de
armamento – lucros de que, obviamente, os mesmos políticos também partilham. Nada
vai melhorar por ali.
Sem comentários:
Enviar um comentário