terça-feira, 8 de março de 2016

O império contra-ataca


Talvez não haja nenhum anúncio televisivo mais inadvertidamente irónico que o da Volkswagen em 2011. A empresa alemã pagou então uma enorme soma de dinheiro pelos direitos de utilização das personagens de “Guerra das Estrelas”, e nomeadamente de Darth Vader. Na publicidade, uma criança disfarçada com a máscara do sinistro personagem descobre “a Força” que emana do (então) novo modelo Passat diesel, cuja grelha frontal tem oh-tantas-semelhanças visuais com o vilão mais conhecido da História do cinema.

Mas, como diria a canção, “que força é essa, que força é essa?” É uma força fraudulenta, conseguida à custa de emissões para o ar que respiramos de partículas altamente nocivas – e daí a suprema ironia de usar Darth Vader, um personagem com notórias dificuldades respiratórias - em concentrações que chegam a ser 40 vezes superiores ao anunciado, e o anunciado já seria muito mau... As partículas nem sequer constituem todo o problema, dado que os números oficiais de consumo e de emissões de dióxido de carbono nos motores a diesel também estão longe da negra fuligem da realidade; mas enquanto estes números só nos afectam indirectamente, as partículas de NOx matam-nos aos poucos e muito directamente.

O escândalo Volkswagen revelou tantos podres que ameaçou, por momentos, pôr em risco a própria sobrevivência da empresa; também questionou a racionalidade de aplicar tecnologia tão poluente em pequenos carros de passageiros. Mas os interesses em jogo são de tal ordem, a quantidade de dinheiro que poderia deixar de fluir é de tal forma infinita, que, tal como no melhor filme da saga operática-espacial, também aqui O Império Contra-Ataca. Terminou o período (de meses) em que a reacção da Volkswagen, apanhada em flagrante, foi impreparada, tonta e cómica, cheia de contradições, mentiras e desculpas balbuciadas. Na última semana, o grupo alemão explicou-se numa mega-conferência de imprensa onde a ideia-chave foi minimizar sistematicamente os problemas, atirando-os ao mesmo tempo para as costas de “alguns indivíduos e unidades isoladas dentro da empresa”. Em seguida vieram as tentativas insistentes de virar as nossas cabeças (e pulmões) de consumidores do presente, apontando-os para um futuro mirífico. Um futuro em que os motores diesel começam a ser reparados na Europa (mas não nos Estados Unidos, cujos padrões ambientais mais exigentes são difíceis de atingir sem batota). Um futuro em que a cultura da empresa vai supostamente melhorar, tolerando o erro, gastando menos tempo em viagens e reuniões e mais em efectivamente projectar e construir melhores carros.

Essas são as palavras musicais proferidas para o público. Em privado, dois dias depois, o império automóvel alemão contratou um aliado poderoso: Kenneth Feinberg, um super-advogado que se especializou em processos envolvendo compensações em massa. Foi Feinberg que lidou com os milhares de processos por compensações devidas depois dos atentados de 11 de Setembro, do derrame da plataforma BP no Golfo do México, e da ignição de carros General Motors cujo funcionamento defeituoso acaba de custar 550 milhões de euros à empresa - mas não sem antes provocar 124 mortos e 275 feridos em acidentes arrepiantes. O facto de a Volkswagen, para se tentar proteger, ter de recorrer ao homem com experiência em gerir ataques terroristas e desastres ambientais diz bem sobre a dimensão da catástrofe.

O escândalo é de tal magnitude que até os amordaçados poderes políticos europeus sentiram a necessidade de investigar. O Parlamento Europeu acaba de constituir (mesmo com os votos contra de toda a direita, sempre encarniçada na sua defesa das grandes multinacionais quando estas se opõem aos cidadãos) uma comissão de inquérito sobre o “dieselgate” - durante um ano, os eurodeputados vão ter poderes alargados para descobrir quem enganou os cidadãos, até que ponto, e com que cúmplices governamentais. O relatório final pode vir a ter consequências explosivas - e 2015 pode ficar na História como o ano em que o diesel começou a desaparecer. Esperemos que sim, até porque as máscaras de Darth Vader são caras.

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