Quando, em Julho do
ano passado, as potências mundiais (Alemanha, França, Reino Unido e Federica
Mogherini pela Europa, mais os EUA, a Rússia e a China) se sentaram à mesa com
o Irão para lhe declarar que estavam convencidas que o país não estava a tentar
fabricar bombas nucleares, abrindo o caminho para o levantamento das sanções
internacionais (estas terminaram formalmente há duas semanas), quase pudemos
ouvir o som de milhares de caixas registadoras abrindo, em uníssono, por todo o
Ocidente. É que a antiga Pérsia tinha espartilhado o seu potencial económico,
mas o seu regresso ao concerto financeiro internacional vai gerar uma cascata
de dinheiro. O país está sentado em cima das maiores reservas mundiais de gás
natural e a sua produção petrolífera está também entre as maiores do planeta,
tendo a capacidade de inundar o mercado global com petróleo barato. Mesmo
cálculos cautelosos dos efeitos do final do embargo ao Irão preveem uma bonança
tanto interna como externa, apontando para o crescimento do PIB do país logo em
5% este ano. E os seus 80 milhões de habitantes são um novo mercado potencial
interessantíssimo para escoar todos aqueles produtos europeus que fabricamos e
sem os quais a nossa vida consumista não pareceria possível.
Está explicado
porque uma visita de Estado do presidente iraniano Rouhani a Itália e França
deixou os serviços protocolares de cabeça à banda com tanta sofreguidão em
agradar aos futuros parceiros de negócio. Em Roma, estavam em cima
da mesa contratos
que poderiam valer à Itália 17 mil milhões de euros, o que é significativo. A
tal ponto que algum assessor mais zeloso entrou em pânico com tantas estátuas
nuas no percurso do presidente e decidiu escondê-las atrás de biombos,
repetindo a idiotice de Volterra, cinco séculos antes.
Volterra era um
pintor italiano do século XVI contratado para tapar as partes pudendas dos nus
pintados na Capela Sistina – já nesse tempo outro assessor tinha convencido o
papa Paulo III que aquelas pinturas “eram mais apropriadas para uns banhos
públicos ou uma taverna do que para uma capela papal”. Pelo meio das pernas dos
personagens de Michalengelo, Volterra sobrepôs vestimentas coloridas e folhas
de figueira, o que lhe granjeou o ridículo ainda em vida e para todo o sempre.
A ele, pintor, mas também à hipocrisia anti-humanista da sociedade (Volterra
era apenas o executor de uma ordem superior, no Concílio de Trento a Igreja
Católica tinha acabado de decretar a proibição da nudez na arte).
Desde 1565 a Europa,
e com ela a Humanidade, aprendeu muito, evoluiu muito, cresceu muito. Mas a
impressão que temos presentemente é de regressão – e mais do que regressão, é
de um verdadeiro desmoronamento de que falamos quando olhamos para os valores
que nos definem a serem imolados no altar do deus-dinheiro. O problema é que
quando começamos a triturar um dos nossos princípios, a calçada torna-se
extremamente escorregadia – e rapidamente fazemos o mesmo com todos os outros.
Não admira assim que na Europa dos nossos dias, a tolerância e a compaixão soem
a palavras vãs em breve atiradas para o mesmo caixote onde jaz a solidariedade.
Agora também já estão a caminho o laicismo, a liberdade, a própria alegria de
estar vivo.
“Valeu a pena, para
evitar ofender o presidente iraniano, que nos ofendêssemos a nós mesmos?”,
questionou o melhor jornal de Itália, “La Repubblica”. Mas a pergunta era
retórica. Ao cobrir as estátuas, parte da nossa cultura, da nossa História e do
nosso ethos, a Itália cobriu-nos de vergonha. E tudo só para
conseguir segurar um cliente.
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