terça-feira, 8 de março de 2016

30 milhões de euros? Não, obrigado


"Margrethe Vestager é a minha nova heroína", leu-se no Twitter na semana passada. O sentimento de admiração é perfeitamente justificado: em apenas um ano, a determinada comissária fez muito pela causa da reforma económica europeia. A dinamarquesa foi proposta pelo seu país para a Comissão Europeia e Juncker deu-lhe a pasta da Concorrência - talvez a mais poderosa do executivo comunitário.

Pela voz de Vestager, a Comissão acaba de anunciar que os acordos fiscais que o Luxemburgo e os Países Baixos ofereceram à Fiat e à Starbucks constituem na verdade auxílios estatais que distorcem a concorrência - uma forma enviesada de os classificar como aquilo que eles na realidade são, formas institucionalizadas de evasão aos impostos. E agora uma pausa para respirar, porque este é um momento histórico.

A decisão da equipa de Vestager representa um precedente que pode vir a mudar as regras do jogo. Os governos perceberam finalmente que fazer dumping fiscal contra o vizinho significa, a médio prazo, uma corrida para o fundo onde todos tentam ser aqueles que mais miminhos distribuem pelas multinacionais – e são estas as únicas que ficam a ganhar, enquanto os Estados definham nas suas contas, privados das legítimas fontes de receita, e nas suas funções, o que inevitavelmente penaliza todos os cidadãos com destaque para os mais vulneráveis. Entretanto, também as pequenas e médias empresas não conseguem sobreviver, asfixiadas pela concorrência desleal de quem já é enorme e ainda por cima não tem de se preocupar com pormenores como esse de pagar impostos.

Os truques usados pelas multinacionais são tão… indignos, que se torna evidente que só podem durar anos, como duram, com a colaboração tácita do poder político. O caso da Starbucks é exemplar. A multinacional de café tinha a sua sede europeia em Amesterdão e em 2008 criou uma série de subsidiárias, como a Emerald City, que por sua vez detinham novas subsidiárias, como a Alki LP. Esta última era uma empresa baseada em Londres que não pagava impostos nem no Reino Unido nem nos Países Baixos, e que “geria a propriedade intelectual do grupo”; como tal, a sede em Amesterdão pagava regularmente a esta empresa fantasma royalties exageradíssimas por uma “receita de café” que não era mais do que a temperatura a que os grãos devem ser torrados (e pela qual mais nenhuma empresa Starbucks no mundo tinha de pagar). Por outro lado, a sede em Amesterdão também “comprava” a preços exorbitantes grãos de café verdes a uma outra subsidiária sua na Suíça (como seria talvez de prever a este ponto, os grãos de café nunca passavam sequer perto dos Alpes).

Os dois estratagemas retiravam dos Países Baixos quase toda a base de imposição dos lucros. No ano passado, a Starbucks pagou 2,6 milhões em impostos, depois de ter obtido lucros de 407 milhões – uma taxa efectiva de imposto de 0,63% que faz rir (ou chorar). Um processo semelhante acontece há anos no Luxemburgo com a Fiat Chrysler. Agora a Comissão Europeia instruiu os dois países a recuperarem cada um até 30 milhões de euros em impostos atrasados – dinheiro que supostamente seria bem-vindo na conta do Estado, por exemplo para auxiliar refugiados para os quais, avisam os governos, “não há folga orçamental”. Mas tanto os Países Baixos como o Luxemburgo não estão de acordo e vão recorrer da decisão europeia para não terem de cobrar esse dinheiro…


Pouco importa. Seja como for, uma multa de 30 milhões significa pouco mais que amendoins para a Starbucks. Mas o precedente está criado – e as próximas decisões serão sobre a Apple na Irlanda e a Amazon no Luxemburgo, onde as somas em questão serão muito maiores. Se Vestager contribuir para criar um sistema justo onde as grandes empresas contribuem realmente para as comunidades em que se integram e de que se aproveitam para enriquecer, passa a ser também a minha heroína.

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