"Margrethe
Vestager é a minha nova heroína", leu-se no Twitter na semana passada. O
sentimento de admiração é perfeitamente justificado: em apenas um ano, a
determinada comissária fez muito pela causa da reforma económica europeia. A
dinamarquesa foi proposta pelo seu país para a Comissão Europeia e Juncker
deu-lhe a pasta da Concorrência - talvez a mais poderosa do executivo
comunitário.
Pela voz de
Vestager, a Comissão acaba de anunciar que os acordos fiscais que o Luxemburgo
e os Países Baixos ofereceram à Fiat e à Starbucks constituem na verdade
auxílios estatais que distorcem a concorrência - uma forma enviesada de os
classificar como aquilo que eles na realidade são, formas institucionalizadas
de evasão aos impostos. E agora uma pausa para respirar, porque este é um
momento histórico.
A decisão da equipa
de Vestager representa um precedente que pode vir a mudar as regras do jogo. Os
governos perceberam finalmente que fazer dumping fiscal contra o vizinho
significa, a médio prazo, uma corrida para o fundo onde todos tentam ser
aqueles que mais miminhos distribuem pelas multinacionais – e são estas as
únicas que ficam a ganhar, enquanto os Estados definham nas suas contas,
privados das legítimas fontes de receita, e nas suas funções, o que
inevitavelmente penaliza todos os cidadãos com destaque para os mais
vulneráveis. Entretanto, também as pequenas e médias empresas não conseguem
sobreviver, asfixiadas pela concorrência desleal de quem já é enorme e ainda
por cima não tem de se preocupar com pormenores como esse de pagar impostos.
Os truques usados
pelas multinacionais são tão… indignos, que se torna evidente que só podem
durar anos, como duram, com a colaboração tácita do poder político. O caso da
Starbucks é exemplar. A multinacional de café tinha a sua sede europeia em
Amesterdão e em 2008 criou uma série de subsidiárias, como a Emerald City, que
por sua vez detinham novas subsidiárias, como a Alki LP. Esta última era uma
empresa baseada em Londres que não pagava impostos nem no Reino Unido nem nos
Países Baixos, e que “geria a propriedade intelectual do grupo”; como tal, a
sede em Amesterdão pagava regularmente a esta empresa fantasma royalties
exageradíssimas por uma “receita de café” que não era mais do que a temperatura
a que os grãos devem ser torrados (e pela qual mais nenhuma empresa Starbucks
no mundo tinha de pagar). Por outro lado, a sede em Amesterdão também
“comprava” a preços exorbitantes grãos de café verdes a uma outra subsidiária
sua na Suíça (como seria talvez de prever a este ponto, os grãos de café nunca
passavam sequer perto dos Alpes).
Os dois estratagemas
retiravam dos Países Baixos quase toda a base de imposição dos lucros. No ano
passado, a Starbucks pagou 2,6 milhões em impostos, depois de ter obtido lucros
de 407 milhões – uma taxa efectiva de imposto de 0,63% que faz rir (ou chorar).
Um processo semelhante acontece há anos no Luxemburgo com a Fiat Chrysler.
Agora a Comissão Europeia instruiu os dois países a recuperarem cada um até 30
milhões de euros em impostos atrasados – dinheiro que supostamente seria
bem-vindo na conta do Estado, por exemplo para auxiliar refugiados para os
quais, avisam os governos, “não há folga orçamental”. Mas tanto os Países
Baixos como o Luxemburgo não estão de acordo e vão recorrer da decisão europeia
para não terem de cobrar esse dinheiro…
Pouco importa. Seja
como for, uma multa de 30 milhões significa pouco mais que amendoins para a
Starbucks. Mas o precedente está criado – e as próximas decisões serão sobre a
Apple na Irlanda e a Amazon no Luxemburgo, onde as somas em questão serão muito
maiores. Se Vestager contribuir para criar um sistema justo onde as grandes
empresas contribuem realmente para as comunidades em que se integram e de que
se aproveitam para enriquecer, passa a ser também a minha heroína.
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