E se na rua um banco
desconhecido lhe oferecer dinheiro? Isso não é um impulso, como diria uma
antiga publicidade a desodorantes, mas sim uma tentativa ponderada de trazer de
volta à vida as nossas estagnadas economias. E há um homem em Frankfurt que,
agora que as outras estão a esgotar-se, talvez venha a convencer-se dos
benefícios da ideia de distribuir dinheiro pelos cidadãos.
O homem em questão, Mario
Draghi, do alto do seu cargo de governador do Banco Central Europeu, tem poder
para o fazer. Mas terá mesmo? A Draghi teremos de estar sempre agradecidos por
ter salvado, em 2012, o euro da desintegração com apenas três palavras
(“whatever it takes”, ou seja, prometendo que o BCE faria o que fosse
necessário para defender a moeda). A afirmação resultou porque era credível: os
famigerados “mercados” sabiam que se havia uma vontade férrea para que o euro sobrevivesse,
isso poderia ser feito. Quatro anos mais tarde, a situação é menos premente,
mas mais complexa: o euro não corre perigo imediato, mas a Europa continua no
pântano económico de um crescimento anémico e uma inflação quase inexistente (a
nova previsão para 2016 é que os preços subam apenas 0,1%...), o que significa
que estamos perto de um pesadelo: uma deflação persistente, aumentando os
encargos com a dívida e paralisando a actividade económica pela incerteza que
provoca quanto ao futuro. Por outras palavras, caminhamos direitinhos para
repetir a “década perdida” do Japão, preso nas mesmas condições a partir de
1990 (e ainda não totalmente refeito das mesmas, já quase uma geração depois).
O Banco Central Europeu
tem apenas um objectivo no seu mandato: manter uma taxa de inflação “abaixo mas
próximo de 2%”. Está a falhar perigosamente, mas nem sequer é por inacção ou
desinteresse. Os economistas de Frankfurt têm sido especialmente proactivos,
entrando mesmo nas águas desconhecidas da “flexibilização quantitativa” (QE na
sigla inglesa), que é basicamente um eufemismo para o acto de imprimir dinheiro
novo e injectá-lo na economia através de bancos e compra de títulos. Na semana
passada, ultrapassando mesmo todas as previsões mais arriscadas, o senhor
Draghi atacou com todas as munições ao seu dispor, anunciando seis medidas
diferentes para tentar fazer subir a inflação e aumentar a circulação de
dinheiro. Todas estas medidas são históricas, ou seja, nunca tinham acontecido
antes, e além da injecção de ainda mais dinheiro, incluem o facto de os bancos
comerciais poderem agora pedir dinheiro emprestado ao BCE à taxa de 0%, sem qualquer
custo… tudo para os incentivar a conceder mais crédito. O que acontece, no
entanto, é que os bancos preferem agarrar-se a todos estes biliões vindos de
crédito barato ou injecções estatais (públicas) para sanear as suas contas
tóxicas e conceder bónus chorudos a administradores, ao invés de reemprestar o
dinheiro à economia real.
Pouco importa. A
influência do BCE já não é a mesma, e todas estas medidas (apelidadas
carinhosamente de “a bazuca de Draghi”) não serão suficientes para nos tirar da
estagnação. As verdadeiras boas notícias é que, ao anunciá-las, e reconhecendo
desde logo que está a chegar o fim da linha das opções convencionais, Draghi
não fechou a porta a uma ideia que é defendida por cada vez mais académicos e
tem verdadeiras hipóteses de resultar: injectar dinheiro na economia, sim, mas
distribuí-lo directamente às pessoas, sem passar pelo filtro poluidor dos
bancos e instituições financeiras, que procuram que este dinheiro permaneça
parado nas mãos de muito poucos.
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