quarta-feira, 23 de março de 2016

Dinheiro caído do helicóptero

E se na rua um banco desconhecido lhe oferecer dinheiro? Isso não é um impulso, como diria uma antiga publicidade a desodorantes, mas sim uma tentativa ponderada de trazer de volta à vida as nossas estagnadas economias. E há um homem em Frankfurt que, agora que as outras estão a esgotar-se, talvez venha a convencer-se dos benefícios da ideia de distribuir dinheiro pelos cidadãos.

O homem em questão, Mario Draghi, do alto do seu cargo de governador do Banco Central Europeu, tem poder para o fazer. Mas terá mesmo? A Draghi teremos de estar sempre agradecidos por ter salvado, em 2012, o euro da desintegração com apenas três palavras (“whatever it takes”, ou seja, prometendo que o BCE faria o que fosse necessário para defender a moeda). A afirmação resultou porque era credível: os famigerados “mercados” sabiam que se havia uma vontade férrea para que o euro sobrevivesse, isso poderia ser feito. Quatro anos mais tarde, a situação é menos premente, mas mais complexa: o euro não corre perigo imediato, mas a Europa continua no pântano económico de um crescimento anémico e uma inflação quase inexistente (a nova previsão para 2016 é que os preços subam apenas 0,1%...), o que significa que estamos perto de um pesadelo: uma deflação persistente, aumentando os encargos com a dívida e paralisando a actividade económica pela incerteza que provoca quanto ao futuro. Por outras palavras, caminhamos direitinhos para repetir a “década perdida” do Japão, preso nas mesmas condições a partir de 1990 (e ainda não totalmente refeito das mesmas, já quase uma geração depois).

O Banco Central Europeu tem apenas um objectivo no seu mandato: manter uma taxa de inflação “abaixo mas próximo de 2%”. Está a falhar perigosamente, mas nem sequer é por inacção ou desinteresse. Os economistas de Frankfurt têm sido especialmente proactivos, entrando mesmo nas águas desconhecidas da “flexibilização quantitativa” (QE na sigla inglesa), que é basicamente um eufemismo para o acto de imprimir dinheiro novo e injectá-lo na economia através de bancos e compra de títulos. Na semana passada, ultrapassando mesmo todas as previsões mais arriscadas, o senhor Draghi atacou com todas as munições ao seu dispor, anunciando seis medidas diferentes para tentar fazer subir a inflação e aumentar a circulação de dinheiro. Todas estas medidas são históricas, ou seja, nunca tinham acontecido antes, e além da injecção de ainda mais dinheiro, incluem o facto de os bancos comerciais poderem agora pedir dinheiro emprestado ao BCE à taxa de 0%, sem qualquer custo… tudo para os incentivar a conceder mais crédito. O que acontece, no entanto, é que os bancos preferem agarrar-se a todos estes biliões vindos de crédito barato ou injecções estatais (públicas) para sanear as suas contas tóxicas e conceder bónus chorudos a administradores, ao invés de reemprestar o dinheiro à economia real.

Pouco importa. A influência do BCE já não é a mesma, e todas estas medidas (apelidadas carinhosamente de “a bazuca de Draghi”) não serão suficientes para nos tirar da estagnação. As verdadeiras boas notícias é que, ao anunciá-las, e reconhecendo desde logo que está a chegar o fim da linha das opções convencionais, Draghi não fechou a porta a uma ideia que é defendida por cada vez mais académicos e tem verdadeiras hipóteses de resultar: injectar dinheiro na economia, sim, mas distribuí-lo directamente às pessoas, sem passar pelo filtro poluidor dos bancos e instituições financeiras, que procuram que este dinheiro permaneça parado nas mãos de muito poucos.

É possível assegurar que novo dinheiro injectado beneficie cidadãos trabalhadores, consumidores, pensionistas ou desempregados. Três formas de o fazer: empréstimos directos à economia real através do Banco Europeu de Investimentos, a esquecida instituição europeia sediada no Luxemburgo; investimentos em infra-estruturas, cujo efeito multiplicador no crescimento é conhecido desde, pelo menos, 1933; e transferências directas a cada empresa ou agregado familiar de um montante a determinar – aquilo que é conhecido por “dinheiro de helicóptero”. Seria óptimo ter a minha conta bancária reforçada com, digamos, uns 10000 euros, senhor Draghi. Prometo gastá-los todinhos de formas produtivas – e nada de produtos chineses, isto se conseguir encontrar algo que ainda seja feito na Europa.

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