terça-feira, 8 de março de 2016

Estas selfies já não prestam


Uma tarde quente de final de verão no Mediterrâneo. Na ilha croata de Brijuni, local paradisíaco onde o ditador jugoslavo Tito tinha a sua residência de férias bem vigiada por submarinos e que agora, finalmente aberta ao público, é um parque nacional coberto por pinheiros-bravos e mata mediterrânica, há um casamento em preparação. Os convivas, em fatos e vestidos da melhor costura, chegam de barco e aglomeram-se na praça em frente ao mar turquesa. Um solitário fotógrafo procura encontrar o melhor ângulo de registo do evento. Observo a cena até que esta é, repentinamente, perturbada por um estranho ruído vindo de cima, um silvo de ventoinha produzido por um OVNI – um pequeno objecto de forma circular. Um drone.

Não era um drone militar – não estava naquele casamento para matar selectivamente, mas sim para tirar fotos indiscriminadamente. A presença do drone tinha sido pedida pelos noivos, o casamento não era um momento de silêncio e introspecção e o único perigo para a privacidade vinha do ângulo vertical das fotografias combinado com os decotes ousados nos vestidos de uma boda de verão. E era uma tecnologia já relativamente antiga, em que o drone tem pouca autonomia, é telecomandado através de uma pequena caixa com interruptores, e exige assim um operador a tempo inteiro.
Mas a geração seguinte de drones tem potencial para alterar completamente o nosso lazer, e muito mais. Estes novos aparelhos só precisam de ser lançados ao ar; depois seguem-nos para todo o lado, como um paparazzo pessoal – tanto que, em vez de um nome relacionado com animais de estimação, são apelidados de “selfie drones”.

Sim, as nossas selfies deste verão – aqueles sorrisos estudados com a praia como fundo, ou durante uma festa nocturna – já estão todas desactualizadas, porque uma foto tirada de mais longe e a partir de cima fica muito melhor. E em vez de estarmos rodeados de pessoas armadas dos incrivelmente irritantes “bastões selfie”, com os quais quase nos arrancam um olho, veremos em breve grupos inteiros de turistas orientais parados a olhar para o ar, tentando parecer atraentes para um esquadrão de pequeníssimos helicópteros.

A tecnologia já chegou a este ponto. O mais recente, e mais simples, modelo é o Fotokite Phi, que se controla com movimentos da mão, como um vulgar papagaio de papel. O Nixie, por seu lado, pode ser usado no pulso até ser atirado ao ar para uma sequência de vídeo de alta qualidade. O Lily é tão sofisticado que até é à prova de água – mesmo após um mergulho numa barragem, por exemplo, o drone voltará a soerguer-se, impante, qual mistura de fénix com Exterminador Implacável.

É fácil ficar impressionado com a qualidade das fotos e de vídeo que é possível obter com estes aparelhos, e com as possibilidades que se abrem na sua utilização – registar uma corrida, uma escalada, uma tarde de surf, etc. etc… E no entanto, os lados perniciosos dos selfie drones são enormes. No futuro pode ser virtualmente impossível estar ao ar livre, ou de visita a um monumento ou museu, ou no seu próprio quintal, sem termos a certeza de não estarmos a ser filmados a partir do céu. Imagine simplesmente aquele belo pôr-do-sol estragado por meia dúzia destes mosquitos, ou alguém que os utiliza para filmar crianças na praia. Assustador? Isto ainda antes de pensar que um aparelho destes pode ficar sem bateria… e cair, como se o céu nos desabasse na cabeça.

Só podemos esperar que a regulamentação avance, proibindo os maus usos e estabelecendo enormes zonas “no fly” que nos permitam fugir à praga das selfies. Até porque a egoísta cultura do Eu nunca criou boa fotografia, muito menos cinema.

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