terça-feira, 8 de março de 2016

#NemUmaMais


Ontem foi Dia Internacional da Mulher. No mundo ocidental, o 8 de Março tem vindo a ganhar progressiva e saudável importância ao longo dos anos (curiosamente, na Europa de Leste a data está muito conotada com os antigos regimes comunistas e como tal é vista com desconfiança por parte da população). O dia serve diferentes propósitos, mas sobretudo permite parar para pensar e avaliar em que ponto estamos nisso da igualdade de género.

E o quadro continua negro.

É inegável que muitos progressos foram feitos, sobretudo nas últimas décadas (também mau seria…). Já não estamos na Antiguidade Clássica de Lisístrata, e muito nos separa das sufragistas que lutaram, por vezes com meios violentos, pelo direito de voto. O papel essencial das mulheres no domínio político e económico também já é (ou vai sendo…) reconhecido mundialmente. Tudo isto são conquistas árduas e meritórias.

Mas depois olhamos para os “factos duros” e somos forçados a perceber que muito está ainda por fazer. As últimas semanas têm sido pródigas em derrotas simbólicas para as mulheres; por exemplo quando alguma multinacional, como a Zara ou a McDonald’s, decide por razões puramente gananciosas criar produtos “neutros em género”, estes são invariavelmente uma capitulação ao gosto predominantemente masculino. Outro caso amplificado pelas redes sociais é a foto agora divulgada de Leonardo DiCaprio, aos dois anos de idade, carregado pelos pais; a “notícia” que se tornou viral não versa sobre o actor enquanto jovem, mas sobre as críticas às axilas não depiladas da sua mãe, como se esta não tivesse o direito de decidir sobre como tratar o próprio corpo (as guedelhas do pai nunca são referidas).

Esta exigência mais alta pode ser injusta, mas nem é nada comparado com o que se passa no mercado de trabalho, onde as mulheres participam, sim, mas continuam – não obstante legislação já antiga que procura assegurar “salário igual por trabalho igual” – a receber menos que os seus colegas homens. Quanto menos? As variações são grandes consoante o sector de actividade e o país, mas grosso modo será cerca de 25% a menos para o mundo todo, 15% se contarmos apenas os países da OCDE, onde alguns fazem fraca figura (Estónia ou Países Baixos, por exemplo) e outros ficam melhor na fotografia (os poucos dados disponíveis para o Luxemburgo apontam para uma diferença de 8,6%). No Reino Unido, novos cálculos afirmam que ser mulher pode significar, no total da carreira, auferir menos 400 000 euros que o seu colega masculino. É o preço de uma casa…

Mas ainda há pior, como o demonstrou um recente crime hediondo. Duas jovens argentinas foram agredidas sexualmente e depois assassinadas enquanto viajavam pelo Equador no final de Fevereiro. O caso comoveu grande parte da América Latina, mas os media relataram o caso, mais uma vez, culpando as vítimas – que “viajavam sozinhas”, por “sítios perigosos”, “brincando com o fogo”. Mas como podiam as turistas, maiores de idade e estando as duas juntas, “viajar sozinhas”? Tal nunca seria escrito sobre dois homens, mas se duas mulheres viajam juntas, parece que falta algo, e que os seus direitos se desvanecem – não têm elas o direito de ser respeitadas, de poder andar no espaço público sem receio, de manter o seu corpo intacto, nem sequer o de voltar a casa vivas?

Aparentemente ainda não. Por isso a missiva escrita por uma estudante paraguaia sobre o caso, e que começa com as palavras “ontem mataram-me”, é tão forte quão difícil de ler sem sentir lágrimas nos olhos. Por isso foram criadas nas redes sociais as campanhas #ViajoSola e #NiUnaMás. Ou seja, nem mais uma mulher duplamente vítima: de crime, e do machismo remanescente.

Sem comentários:

Enviar um comentário