terça-feira, 8 de março de 2016

Setembro


"Setembro" é um dos filmes mais introspectivos de Woody Allen, saído em 1987 durante a sua fase mais bergmaniana, ou seja, onde a angústia existencial permeava todas as cenas - a tal ponto que o realizador, insatisfeito com o resultado da primeira versão do filme, começou do zero e rodou-o na sua totalidade com novos actores, afirmando mais tarde "na verdade gostaria de o filmar uma terceira vez". Durante um dos longos diálogos, durante uma partida de bilhar, um personagem diz para outro: "acabas por olhar para o nosso universo exactamente como ele é - fortuito, moralmente neutro, e inimaginavelmente violento..."


A Europa chega a Setembro imersa neste tipo de crise existencial que a faz olhar para o universo da mesma forma que o desencantado actor. Depois de um mês de sol e praia, a realidade dos problemas abate-se com toda a força sobre uma União Europeia que se habituou, mal, a deixar que os problemas se arrastem até – inevitavelmente – apodrecerem.

A situação na Grécia não ocupa os títulos de primeira página desde o leonino acordo alcançado antes do verão, mas o país, actualmente sem governo em funções, continua no fundo de um poço com potencial para desestabilizar toda a economia europeia. E no entanto esta crise parece uma brincadeira de crianças comparada com a tempestade financeira a crescer na China: se a bolsa não recupera e a segunda maior economia mundial estagna, o efeito em cadeia vai lançar o resto do mundo em nova recessão – quando nem sequer ainda estamos plenamente recuperados daquele outro Setembro, o de 2008, que nos atirou para o abismo. Sete anos depois, o crescimento continua anémico, o desemprego inaceitável, os bancos não emprestam dinheiro… e já chegámos à crise seguinte, sem que a arquitectura do euro tenha sido completada de forma a evitar novas Grécias. Muito trabalho para ser feito até ao próximo verão, sobretudo para uma Comissão Juncker que continua sem cumprir a promessa de revigorar e relançar o executivo europeu. O discurso do “Estado da Nação”, que o luxemburguês vai proferir no dia 9 de Setembro, vai ser importante para perceber quais os planos para o próximo ano.

O mais depressivo é reparar que os problemas económicos nem são os mais prementes que se colocam à Europa neste momento. Na Ucrânia, a guerra civil continua, sem sinais de abate, enquanto a Rússia age de forma errática; o Estado Islâmico destrói a Síria, às portas da Europa, acolhendo e financiando candidatos a terroristas enquanto escraviza e assassina a população. De caminho, cria uma catástrofe migratória, com milhares de refugiados desesperados – por vezes crianças sozinhas – a tentarem por todos os meios chegar às costas da Europa, despoletando o triste espectáculo da desunião, do egoísmo e da moral neutra de muitos políticos por todo o continente.

Um Setembro difícil, fortuito e inimaginavelmente violento. Não é agradável, mas é a realidade em que operamos – e vai obrigar-nos a sair da inércia e fazer, finalmente, algum tipo de progressos.

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