"Setembro"
é um dos filmes mais introspectivos de Woody Allen, saído em 1987 durante a sua
fase mais bergmaniana, ou seja, onde a angústia existencial permeava todas as
cenas - a tal ponto que o realizador, insatisfeito com o resultado da primeira
versão do filme, começou do zero e rodou-o na sua totalidade com novos actores,
afirmando mais tarde "na verdade gostaria de o filmar uma terceira
vez". Durante um dos longos diálogos, durante uma partida de bilhar, um
personagem diz para outro: "acabas por olhar para o nosso universo
exactamente como ele é - fortuito, moralmente neutro, e inimaginavelmente
violento..."
A Europa chega a
Setembro imersa neste tipo de crise existencial que a faz olhar para o universo
da mesma forma que o desencantado actor. Depois de um mês de sol e praia, a
realidade dos problemas abate-se com toda a força sobre uma União Europeia que
se habituou, mal, a deixar que os problemas se arrastem até – inevitavelmente –
apodrecerem.
A situação na Grécia
não ocupa os títulos de primeira página desde o leonino acordo alcançado antes
do verão, mas o país, actualmente sem governo em funções, continua no fundo de
um poço com potencial para desestabilizar toda a economia europeia. E no
entanto esta crise parece uma brincadeira de crianças comparada com a
tempestade financeira a crescer na China: se a bolsa não recupera e a segunda
maior economia mundial estagna, o efeito em cadeia vai lançar o resto do mundo
em nova recessão – quando nem sequer ainda estamos plenamente recuperados
daquele outro Setembro, o de 2008, que nos atirou para o abismo. Sete anos
depois, o crescimento continua anémico, o desemprego inaceitável, os bancos não
emprestam dinheiro… e já chegámos à crise seguinte, sem que a arquitectura do
euro tenha sido completada de forma a evitar novas Grécias. Muito trabalho para
ser feito até ao próximo verão, sobretudo para uma Comissão Juncker que
continua sem cumprir a promessa de revigorar e relançar o executivo europeu. O
discurso do “Estado da Nação”, que o luxemburguês vai proferir no dia 9 de
Setembro, vai ser importante para perceber quais os planos para o próximo ano.
O mais depressivo é
reparar que os problemas económicos nem são os mais prementes que se colocam à
Europa neste momento. Na Ucrânia, a guerra civil continua, sem sinais de abate,
enquanto a Rússia age de forma errática; o Estado Islâmico destrói a Síria, às
portas da Europa, acolhendo e financiando candidatos a terroristas enquanto
escraviza e assassina a população. De caminho, cria uma catástrofe migratória,
com milhares de refugiados desesperados – por vezes crianças sozinhas – a
tentarem por todos os meios chegar às costas da Europa, despoletando o triste
espectáculo da desunião, do egoísmo e da moral neutra de muitos políticos por
todo o continente.
Um Setembro difícil,
fortuito e inimaginavelmente violento. Não é agradável, mas é a realidade em
que operamos – e vai obrigar-nos a sair da inércia e fazer, finalmente, algum
tipo de progressos.
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