“Deixe-me
explicar-lhe algo, senhor ministro”, diz com ar divertido o funcionário
público. “Estamos determinados a fazer tudo o que seja necessário para que a
Comunidade Europeia não funcione; tentámos sabotá-la a partir de fora, mas não
estava a resultar, por isso entrámos e agora sabotamos a partir de dentro.
Dividir para reinar. Porque haveríamos de mudar a nossa política centenária,
que tem funcionado às mil maravilhas?”

Em Junho os
eleitores britânicos vão ser chamados a uma tomar uma decisão enorme, um
veredicto que, sem qualquer tipo de exagero, vai definir o curso da História. E
não apenas dentro do próprio país – o resultado do referendo sobre a
permanência na União Europeia vai também moldar o futuro desta, e em parte, do
mundo inteiro. A decisão não vai ser discutida no plano da racionalidade. As
organizações empresariais vão aconselhar o voto no “sim” (permanência na União)
argumentando com os efeitos nefastos que uma saída traria aos números do
emprego, do crescimento económico e das exportações. Os grandes partidos
políticos tradicionais, desde o Labour aos próprios conservadores passando
pelos liberais-democratas, vão de forma mais ou menos sincera apelar ao voto no
“sim”, alegando a segurança, a posição geopolítica ou a capacidade de atrair
investimento, todas potenciadas pela pertença à UE. Os analistas financeiros,
receosos pela incerteza e já avisados pela queda da libra durante estes
primeiros dias pós-acordo, vão aconselhar ao voto no “sim”. Os aliados
norte-americanos já avisaram que a sua “relação especial” com o Reino Unido
seria menos especial com o país isolado da Europa.
São tudo argumentos
fortes e sólidos, que provavelmente inclinarão muitas pessoas a votar pela
permanência. Mas o resultado final do referendo vai jogar-se num campo muito
menos racional: grandes questões complexas, multifacetadas e de tantas
implicações futuras que se tornam impossíveis de abarcar pelo mais bem
informado dos cidadãos foram repentinamente reduzidas à simplificação máxima.
Sim ou não? Branco ou preto? Dentro ou fora? Não há lugar a ponderação nem
razoabilidade. O que significa que as emoções viscerais vão desempenhar um
papel fortíssimo; o “amor” pela Union Jack, a nostalgia pelo império perdido, a
repulsa por um imaginado ataque aos valores tradicionais da “old England”
consubstanciado numa suposta fúria normalizadora e burocratizante de
“Bruxelas”, e tantas outras questões sentidas pelas entranhas de cada súbdito
de Sua Majestade e agitadas regularmente pela imprensa tablóide vão, muitas
vezes, levar a melhor sobre previsões económicas feitas por peritos em quem,
afinal de contas, o público confia cada vez menos.
Por razões
mesquinhas de pura política partidária interna – para ganhar espaço eleitoral
dentro de um partido conservador cada vez mais extremista –, David Cameron
inventou um facto político que pensava ter sob controlo mas que na verdade pode
muito bem terminar com um “não”, enviando repentinamente o país para um limbo
económico e político (pois nessa altura a Escócia quererá separar-se do RU), ao
mesmo tempo que enterra a UE num círculo vicioso de egoísmos e separatismos.
Chama-se a isto brincar com o fogo. Daqui sairemos pelo menos chamuscados,
talvez mesmo queimados.
Sem comentários:
Enviar um comentário