terça-feira, 8 de março de 2016

TAA - Transportes aéreos alfacinhas


Mesmo não sentindo qualquer tipo de entusiasmo por um governo liderado por António Costa, reconheço algumas melhorias (no relacionamento com os parceiros europeus, por exemplo). Sobretudo, estava convencidíssimo que a queda do governo tão economicamente incompetente liderado por Passos Coelho, Portas e Maria Luís Albuquerque só podia mesmo significar algo de bom.

Enganei-me. A queda do governo anterior também trouxe más notícias. É que logo no dia seguinte a ter sido demitido, Passos Coelho tinha conseguido resolver um sorvedouro de impostos que se arrasta há décadas - os Transportes Aéreos Portugueses. Sim, a venda foi feita à pressa e de forma quase clandestina, a um consórcio estranho de homens de negócios sem liquidez e com ligações perigosas aos partidos então no governo; sim, do valor obtido pela privatização só 10 milhões de euros entraram nos cofres do Estado – um valor menor, que nem chegaria para pagar as perdas da transportadora sofridas por cada uma das enésimas greves de pilotos, mas já aceitável por uma empresa em falência técnica e cujo passivo chega aos 100 euros por cada português em idade activa. A venda livraria por fim os portugueses de um luxo incomportável e pouco eficiente. Mas eis que António Costa acaba de despender mais 31,9 milhões de euros do Estado para recomprar 50% da TAP. Isso dá-lhe direito a um “controlo estratégico” e aos sempre apetecíveis lugares principescamente remunerados no Conselho de Administração; isso sim, a gestão corrente da companhia aérea será privada – no que configura uma nova versão das desastrosas parcerias público-privadas em que, como sempre, o risco (e os prejuízos) ficam para os contribuintes, mas os salários e os eventuais lucros ficam firmemente do lado de um punhado de pessoas.

As perguntas cruciais a colocar são simples: devem, querem e podem os portugueses ter uma companhia estatal de aviação? A resposta é três vezes não: 1. Não devem, porque andar a brincar aos aviões não é uma função do Estado; essas estão reservadas para os bens que pela sua natureza o mercado não saiba ou consiga produzir tão eficientemente, como a educação, a saúde, a defesa… não é claramente o caso do competitivo (e altamente poluente) sector da aviação aérea, melhor servido por privados. 2. Não querem, como demonstrado em várias sondagens a apoiar a privatização ou nos próprios resultados das eleições portuguesas – e tudo isto antes das recentes revelações de abandono de rotas e de todos os aeroportos portugueses que não se chamem Lisboa, factores que obrigam a questionar se uma “transportadora de bandeira” deve servir apenas uma pequena fracção da população que, além disso, já é a mais privilegiada do país. 3. Não podem, porque como está em voga dizer-se, “não há dinheiro”; o país tem uma dívida gigantesca, os recursos públicos são finitos e é muito mais importante que eles sejam canalizados para manter um nível civilizacional decente (o que implica, por exemplo, voltar a ter médicos em hospitais durante a noite) do que para subvencionar companhias historicamente deficitárias e que se distinguem pelo sofrível serviço prestado (a TAP terminou 2015 em 70.º lugar do ranking Skytrax, os “óscares da aviação”, atrás de colossos como a Air Azerbaijão ou a Air Maurícias; os seus níveis de cortesia, pontualidade ou número de malas perdidas são ainda piores).

A solução encontrada é, para quase todos os portugueses, o pior de dois mundos: continuam a garantir com os seus impostos a empresa, mas esta passa a estar liberta do aborrecimento de fingir que presta algum tipo de “serviço público”. Daí a inacreditável decisão de fechar rotas que liguem o Porto à Europa e cujas taxas de ocupação – a preços exorbitantes, convém não esquecer – estão entre as mais altas do mercado. Daí as quotas de mercado vergonhosas detidas pela TAP no aeroporto de Faro (uns míseros 4%), do Porto (19%, menos de metade da Ryanair), de Ponta Delgada (um ano depois da liberalização, passou de líder incontestada para 7% dos passageiros) e mesmo do Funchal, onde a Easyjet a ultrapassará em pouco anos. Tudo isto para justificar que tudo passe e fique em Lisboa, para onde a TAP já leva por ano 3 milhões de passageiros “contrariados”, ou seja, que não querem ir ali mas não têm alternativa, números que vão aumentar com a supressão de rotas no Porto, fortemente utilizadas pela diáspora portuguesa. Assim se manipula a justificação de mais aviões e de até um novo aeroporto em Lisboa, este último desde sempre um forte desejo do PS… mas se os lisboetas querem muito ter uma transportadora local que os leve a passear pelo mundo, onde está escrito que os restantes portugueses têm de lhes pagar o capricho?

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