terça-feira, 8 de março de 2016

De vitória em vitória até à derrota final


Paris. Vértice da civilização ocidental, construção real como imaginária de diferentes vontades, sonhos e realizações. E como cidade global, Paris apresentou-se como anfitriã da “cimeira da última oportunidade”: ou os líderes mundiais chegavam a um acordo para limitar as emissões de gases e salvar a Terra do futuro, ou seria demasiado tarde.

A dramatização ajudou a negociação, claro. Sem esse sentimento de ter os olhos ansiosos e reprovadores da população postos sobre si, os líderes políticos estariam muito menos preocupados em conseguir algum tipo de acordo. Mas essa mesma dramatização ajudou à criação de uma narrativa política autocongratulatória, onde o problema é vendido como titânico e as possibilidades de conseguir algo de positivo consideradas como muito baixas, para que no final qualquer acordo seja apresentado como um enorme alívio e uma retumbante vitória – e os seus obreiros políticos, claro, vistos como autênticos heróis.

O guião foi seguido à risca, os líderes mundiais foram pressurosos a anunciar uma “vitória histórica” logo no sábado à noite, e a imprensa mundial alinhada serviu-lhes mais uma vez de caixa de ressonância com títulos feitos a metro. “Acordo ambicioso”, “186 países signatários”, “Aumento da temperatura contido a +1,5 ºC”. Foi um fim de semana recompensador em termos de notícias mundiais, se também contarmos as eleições na Arábia Saudita (onde mulheres puderam ser eleitas pela primeira vez) e as regionais em França (onde uma mulher, líder da Frente Nacional, ficou de mãos vazias).

Pouco a pouco, no entanto, a realidade teimou em vir à tona. Uma pouco noticiada mas enorme manifestação de 15000 desfilou em Paris para protestar contra o acordo, o que não faria sentido se este fosse a panaceia anunciada. E o cientista James Hansen, uma voz respeitadíssima que é amiúde considerado o “pai” das ciências climáticas após ter divulgado o efeito de estufa provocado por alguns gases ainda em 1988, não teve meias palavras ao classificar o que se passou em Paris como uma “fraude” e uma “falsidade”.

Apontar para um objectivo de “apenas” 1,5 ºC graus de aumento de temperatura global é uma espécie de resolução de Ano Novo: uma intenção louvável que não passará disso se a determinação falhar e os meios não existirem. Hansen avisa que isto não passa de uma promessa vazia, “só palavras, nada de acção”. Os combustíveis fósseis podem ter visto em Paris o início do seu declínio, mas continuarão a ser os mais baratos, pois continuam livres de taxação ecológica – uma conquista das petrolíferas em Paris. E as emissões provindas de transportes, a indústria mais poluente do planeta, nem sequer são consideradas no acordo – mais uma conquista de lobbyistas poderosos em relação ao texto final. Texto esse que não inclui na sua parte obrigatória as contribuições de cada país – ou seja, a parte das medidas concretas cabe às melhores decisões de cada um, e isso é uma história que raramente tem um final feliz. Actualmente, as propostas actuais de cada país já significam um aumento a longo prazo de de 3,7 ºC.

A diferença parece subtil mas na realidade é catastrófica. A esse nível, metade das ilhas do Pacífico desaparecem, e metrópoles costeiras como Barcelona, Nova York ou Shanghai ficam ameaçadas devido à subida do nível dos oceanos. Além disso a água potável do mundo reduz-se em um terço, e as colheitas em 25%, tornando a vida no planeta insustentável para grande parte da Humanidade. Paris, “uma grande vitória”, como outros acordos antes assim foram anunciados. E assim vamos de vitória em vitória, até à grande derrota final.

Sem comentários:

Enviar um comentário